Deltan se recusou a estar em evento ao lado de Bolsonaro

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Theo Marques/Folhapress

O coordenador da Lava Jato no Ministério Público no Paraná, Deltan Dallagnol, rejeitou receber um prêmio ao lado do hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) e “outros radicais de direita”, segundo revelam mensagens privadas de integrantes da força-tarefa enviadas por fonte anônima ao site The Intercept Brasil e analisadas em parceria com o UOL. A ideia era não se vincular a bandeiras político-ideológicas, de acordo com nota enviada à reportagem (veja abaixo), como as do ex-capitão do Exército que hoje sugere que Deltan seja um “esquerdista tipo PSOL”.

O prêmio em questão foi o “Liberdade 2016”, concedido no Fórum Liberdade e Democracia, organizado pelo Instituto de Formação de Líderes de São Paulo, em 22 de outubro daquele ano no Transamérica Expo Center.


Em mensagem publicada em 5 de outubro no grupo Filhos do Januário 1, que reúne procuradores do MPF no Paraná, o coordenador da força-tarefa havia dito que iria receber o prêmio:

“Vou receber porque me parece positivo para a LJ, mas vou pedir para ressaltarem de algum modo, preferencialmente oifical, que entregam a mim como símbolo do trabalho da equipe”. As mensagens divulgadas preservaram a grafia usada no aplicativo.

Três dias antes do evento, Deltan foi aconselhado por um assessor da força-tarefa a não participar para evitar que associasse a imagem da Lava Jato à do então deputado federal, que participaria de uma mesa durante o evento.

tudo o que vc e a FT não precisam é serem “associados” ao Bolsonaro. é a mesma coisa que receber prêmio do Foro de BSB. estou quase implorando…

Assessor 2 do MPF, em 19 de outubro de 2016

Enquanto conversava pelo aplicativo com o assessor, Deltan mudou de opinião e avisou na madrugada do dia 20 o grupo Filhos de Januário 1 que não iria à premiação, por contar “com Jair Bolsonaro como um dos vários palestrantes e com homenagem a um vereador de SP [Fernando Holiday, do DEM-SP] que foi um dos líderes do impeachment”.

Além do atual presidente e de Holiday, o evento teve a presença da senadora Ana Amélia (PP-RS), candidata a vice-presidente em 2018 na chapa de Geraldo Alckmin (PSDB). O promotor Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, recebeu o prêmio em São Paulo dois dias depois do aviso de Dallagnol e postou imagem no Twitter.

 


Bolsonaro foi recebido na mesa de debates por Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil, de orientação liberal, enquanto a plateia gritava: “Mito, mito”.

Duas semanas depois, Deltan pediu para outro assessor do MPF relacionar os prêmios recebidos pela Lava Jato, com detalhes da premiação, mas com menos destaque para outros, como o do Instituto de Formação de Líderes de São Paulo.

Entre 3 e 6 de dezembro de 2016, a força-tarefa recebeu dois troféus, o da Conferência Internacional Anticorrupção, no Panamá, e o Innovare, em Brasília. No dia 7, Roberson Pozzobon disse em mensagem no grupo do Telegram ter recebido o prêmio entregue a Roberto Livianu. Para o procurador, já poderia ser anotada uma marca no livro dos recordes, o Guinness Book. Em resposta, recebeu um comentário de Deltan:

Esse é aquele em que ele nos representou quando cancelei a ida para SP porque é um instituto liberal e estariam lá Bolsonaro e outros radicais de direita … guiness !! Kkkk kkkk

 

“Não vai replicar vídeo do Bolsonaro”

Não foi a única vez que procuradores da força-tarefa se mostraram avessos ao presidente Jair Bolsonaro. Em 21 de abril de 2017, Deltan envia um vídeo e pergunta aos colegas do grupo Filhos do Januário 1 se poderia compartilhar, pois havia políticos. “São de diferentes partidos em tese”, disse à 0h29. Laura Tessler achou melhor não.

Orlando Martello responde que sim porque o conteúdo tinha a ver com a bandeira da força-tarefa, possivelmente tratando de combate à corrupção. “É bom que os políticos vejam q todos q apoiarem esta causa terão propaganda positiva nossa”, disse Martello. “O importante é a mensagem.” Paulo Galvão diz que isso dependeria de quais políticos estavam no vídeo. Às 8h43, ele afirmou:

Quaissão os políticos? Não vai replicar vídeo do bolsonaro pelamor

Martello responde que seriam o senador Romário (PSB-RJ) e os deputados federais Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Tiririca (PL-SP).Mesmo sem Bolsonaro, nenhum vídeo com políticos foi divulgado por Deltan em suas redes sociais no Twitter e no Facebook nos dias seguintes.

Sem filiação a nenhum partido político, Deltan foi chamado por uma página de apoiadores de Bolsonaro de “esquerdista tipo PSOL”. O perfil de Bolsonaro no Facebook compartilhou esta publicação no último sábado (10).

 

Dirigente do instituto trabalha no governo

Hoje, ao menos um dirigente do Instituto de Formação de Líderes (IFL) trabalha no governo Bolsonaro. Mas o presidente da entidade, o empresário Georges Ebel, nega apoio ou antagonismo candidatos ou governos. Ele diz que a instituição não é nem de direita, nem de esquerda.

Segundo ele, Deltan informou que tinha problemas de agenda e que, “infelizmente”, esses cancelamentos de última hora não são incomuns. “Jair Bolsonaro foi convidado a um debate de ideias, nada programático”, afirmou Ebel à reportagem.

Ebel afirmou que os manifestantes bolsonaristas que gritavam “Mito” eram “poucos” na plateia.

“O Instituto tem posição completamente apartidária”, afirmou.

 

Bolsonaro não estava no momento da premiação, diz promotor

O promotor Roberto Livianu afirmou ao UOL que os procuradores da Lava Jato pediram que ele recebesse o prêmio por dificuldade de agenda. Ele disse que a premiação foi rápida e não viu Jair Bolsonaro ou Fernando Holiday na plateia. Em 7 de dezembro, Livianu entregou o prêmio em mãos a Pozzobon, em Brasília.

O vereador Fernando Holiday (DEM-SP) se disse surpreso pelo fato de Deltan ter cancelado a ida ao evento por causa de sua participação, embora ressalve que não pode garantir a integridade das mensagens de texto do Telegram. “É engraçado porque, nesse mesmo evento, eu fiz duras críticas ao Bolsonaro quando eu recebi o prêmio, à forma de ele agir, ao modo como ele, já naquela época, louvava a ditadura militar”, relembrou o político do Movimento Brasil Livre. “Até hoje os bolsominions me criticam por conta do discurso que eu fiz nesse evento.”

Holiday disse que todo procurador tem direito a opiniões políticas, desde que isso não atrapalhe sua atuação nos processos.

O vereador também afirmou não saber se o cancelamento foi um dos motivos que levaram Jair Bolsonaro a sugerir que Deltan fosse um “esquerdista do PSOL”.

“O Deltan era muito difícil nesse meio da direita. Sempre ficou uma dúvida pairando qual seria a ideologia política dele e sobre o que ele acreditava. Alguns diziam que ele era mais próximo da Rede, da Marina Silva (ex-candidata à Presidência), outros diziam que ele era de direita, conservador. Nesses movimentos, ninguém afirmou categoricamente quais eram as posições políticas dele. Agora não sei se o Bolsonaro especificamente sabia algum motivo.”

De acordo com o promotor Roberto Livianu e com o vereador Fernando Holiday, Bolsonaro não estava mais no evento quando houve as premiações.

A assessoria do presidente Jair Bolsonaro não localizou informações sobre o evento e não prestou esclarecimentos à reportagem. As respostas serão acrescentadas assim que enviadas.

 

Eventos podem vincular operação a bandeiras partidárias, diz Lava Jato

A Lava Jato disse ao UOL que evita a “participação direta de seus membros em eventos que possam gerar, ainda que indevidamente, a vinculação do trabalho técnico feito na Lava Jato a bandeiras ideológicas e político-partidárias”.

A nota ainda diz que o MPF reconhece a legitimidade de correntes políticas “que respeitem a Constituição e a democracia”.

“No caso do evento indicado, a força-tarefa se fez representar por um promotor de justiça de São Paulo, que ali reside e compareceu com o restrito objetivo de receber o prêmio em nome da força-tarefa”, segundo o texto.

O Ministério Público Federal no Paraná acrescentou que a equipe de procuradores “não reconhece o material, oriundo de crime cibernético, sujeito a alterações e descontextualizações diversas”.

 

Parceria

Desde 7 de agosto, o UOL publica reportagens em parceria com o site The Intercept Brasil com base em mensagens trocadas de 2014 até este ano.

Há conversas privadas e em grupos no Telegram, além de documentos e outros itens.

O Intercept, que deu início em 9 de junho à série de reportagens baseadas nas conversas vazadas, recebeu os arquivos de uma fonte anônima. Com a parceria, o Intercept permite o livre acesso de repórteres do UOL ao arquivo. A produção de reportagens se dará de maneira conjunta, com jornalistas de ambos os veículos de comunicação.

A Constituição Federal assegura a jornalistas o sigilo da fonte. Diz o inciso 14 do artigo 5º da Carta Magna: “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

A decisão do UOL em analisar as mensagens mira o interesse público. O UOL não cometeu ato ilícito para obter informações e pode, no entanto, publicar informações que foram fruto de ato ilícito se houver interesse público no material apurado.

As reportagens produzidas por UOL e Intercept terão como ponto de partida a confrontação do teor das mensagens com fatos e dados concretos. O UOL manterá reservada qualquer comunicação ou informação desprovida de real interesse público assim como investigações possivelmente em curso. A reportagem não viu indícios de adulteração das mensagens.

O Intercept também fechou parcerias com o jornal Folha de S.Paulo, com a revista Veja e os sites El País e BuzzFeed, que já publicaram reportagens baseadas nos mesmos arquivos. O trabalho de reportagem desses veículos também não identificou indícios de que o material possa ter sido adulterado.

Os procuradores têm dito que não reconhecem as mensagens atribuídas a eles e que o material “não pôde ter seu contexto e veracidade comprovado”.

Do UOL.