Entenda o envolvimento de Bolsonaro no escândalo de Itaipu no Paraguai

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Imagem: Norberto Duarte/AFP

A crise detonada no Paraguai pela ata bilateral assinada com o Brasil sobre a Usina de Itaipu tem origens no começo do ano, quando o presidente Mario Abdo Benítez reclamou à estatal elétrica Administración Nacional de Electricidad (Ande) da demora na negociação do acordo e da pressão econômica exercida pelo lado brasileiro.

Nos meses que se seguiram, um assessor do vice-presidente Hugo Velásquez usou o nome da família do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, para intermediar um negócio de venda de energia para uma empresa brasileira, da qual o representante era um suplente do senador Major Olímpio (PSL-SP). Entenda, mês a mês, como evoluiu o caso.

• 16 de fevereiro

Mensagens de WhatsApp vazadas pela imprensa paraguaia entre o presidente Mario Abdo Benítez e o então presidente da Ande (a Eletrobrás paraguaia), Pedro Ferreira, mostram uma preocupação do presidente com o atraso nos pagamentos da Eletrobrás pela energia de Itaipu vendida pelo Paraguai, da ordem de US$ 54 milhões.

Abdo Benítez pede pressa na conclusão da ata bilateral anual de 2019 para impedir que a economia paraguaia seja prejudicada. Ele também reclama que a imprensa paraguaia soube que as negociações incluíam a perda de benefícios para o Paraguai. O conteúdo da mensagem não é negado pelo presidente.

“Temos que negociar e, com isso, sacrificamos princípios. Não pense que faço tudo que eu quero. Todos os dias tomo remédios amargos, mas o país está em nossas mãos”, diz o presidente.

• 5 de março

Abdo Benítez volta a cobrar a Ande por uma solução rápida, segundo as mensagens divulgadas pelo jornal ABC Color, no dia 5 de março. “Pedro (presidente da Ande), solucione rápido o tema da Ande e da Eletrobrás. Está tudo parado. Precisamos mover a economia e Itaipu é uma ferramenta. Não se pode ganhar tudo em uma negociação.”

• 12 de março

Abdo Benítez  se reúne com Bolsonaro em Brasília. Segundo o Itamaraty, ambos se encontraram em caráter privado e depois com as duas delegações diplomáticas. Os dois “concordaram que as futuras negociações com vista à revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu devem orientar-se pelo mesmo espírito de entendimento construtivo que tem caracterizado esse importante projeto binacional”.

Eduardo Bolsonaro, filho do presidente brasileiro, havia recebido a visita de Felix Ugarte, filho de Abdo Benítez, ainda na transição, em novembro, segundo relato de suas redes sociais.

• 9 de maio

O assessor jurídico da vice presidência paraguaia, o advogado José Luis Rodríguez, escreve a Pedro Ferreira e diz que no dia seguinte haveria uma reunião com uma delegação brasileira em Ciudad del Este.

• 16 de maio

O assessor jurídico menciona um modelo de contrato de compra de energia entre a Ande e a empresa brasileira Léros. Àquela altura, a venda de energia da Ande à Eletrobrás ou empresas no Brasil indicadas por ela, prevista no acordo assinado entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, em 2009, não estava completamente regulamentada, mas a Ande costumava fazê-lo por meio de “mecanismos administrativos”.  “Eles entraram em contato comigo hoje e estão interessados em continuar a operação”, diz Rodríguez.

• 23 de maio

Rodríguez, citando o vice-presidente e o presidente paraguaio, pede que se exclua o item 6 da ata bilateral para não prejudicar a negociação com a Léros. Esse item regulamentaria a venda de energia excedente, prevista no acordo de 2009, cuja implementação não foi concluída desde a saída de Lugo do poder, em 2012.

“Eles não estão acordo com tornar público a intenção do Paraguai de comercializar energia no Brasil em consequência de conversas com o mais alto comando do país vizinho, que julgaram que isso não era favorável, com o objetivo de conservar o manuseio prudente da informação e a operação em curso (da Léros) tenha êxito.”

• 24 de maio

A ata é assinada sem o item 6, como queriam o vice-presidente e seu assessor, e à revelia do presidente da Ande.

• 5 de junho

Rodríguez diz que pessoas da Léros estão no Paraguai como representantes da família do presidente Jair Bolsonaro. É essa reunião da qual teria participado Alexandre Giordano, suplente do senador Major Olímpio.

Ao ‘Estado’, ele disse ter comparecido como parceiro da Léros, comercializadora de energia que tinha interesse num chamamento público que teria sido divulgado pela Ande em jornais paraguaios “em fevereiro ou maio”.

• 20 de junho

O então embaixador  paraguaio no Brasil, Hugo Caballero, relata pressão do Itamaraty para que o presidente da Ande assine o acordo – Pedro Ferreira julgava o texto lesivo ao Paraguai e hesitava em assinar. No governo paraguaio, crescia a apreensão com a falta de repasses da Eletrobrás.

• 25 de junho

A Ande publica um chamamento público convidando empresas para comprar sua energia. Isso ocorre pelo menos um mês depois do período em que Giordano afirmou ter ficado sabendo desse chamamento.

• 3 de julho

“Como está a nossa venda de energia?”, pergunta o vice-presidente Hugo Velázquez a Pedro Ferreira. A mensagem é a primeira evidência direta de que o vice de Abdo Benítez interferiu junto à Ande no negócio de venda de energia.

• 4 de julho

O presidente do Paraguai volta a cobrar o presidente da Ande para implementar o acordo de Itaipu. “São momentos difíceis. O Brasil congelou a relação com a gente por não cumprirmos o que prometemos”, diz.

• 15 de julho

assessor jurídico da vice-presidência diz que a carta de intenções chegou a Giordano, no Brasil, por meio de um pacote originado de um endereço de Montevidéu, no Uruguai.

• 24 de julho

Pedro Ferreira renuncia e o escândalo se torna público; cresce a pressão pelo impeachment de Abdo Benítez.

• 1º de agosto

 Brasil e Paraguai cancelam o acordo de Itaipu, depois de Bolsonaro prometer ajudar o presidente paraguaio.

Do Estadão