EUGENIO NOVAES/OAB

‘Eu perdoaria Bolsonaro se ele se retratasse’, diz Santa Cruz

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Atacado pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, afirmou ao HuffPost que aceitaria um recuo do chefe do Executivo, como um “gesto de grandeza”, se ele admitisse “de forma humana que falou demais”.

“Eu quero tratar do futuro do País. Represento mais de um milhão de advogados. Se o presidente se retratar, aceitar dizer a verdade, com um grande gesto de grandeza que pacificasse o País, eu o perdoaria”.

Santa Cruz se refere às declarações de Bolsonaro, que ganharam repercussão internacional, sobre seu pai, Fernando — “desaparecido no período militar”. “Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse o presidente.

A afirmação foi feita a jornalistas que aguardavam Bolsonaro na entrada do Palácio da Alvorada sem que o presidente fosse questionado. Em seguida, quando sua declaração já havia repercutido negativamente, seguiu com a polêmica e afirmou que a morte não foi provocada por militares, mas pelo “grupo terrorista Ação Popular” do Rio de Janeiro, associando-o à esquerda.

A Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos destacou no atestado de óbito em julho que a morte de Fernando Santa Cruz ocorreu “de forma não natural, violenta e causada pelo Estado brasileiro”.

Essa semana, após a repercussão negativa das declarações de Jair Bolsonaro, ele alterou, por decreto, a composição do colegiado.

Santa Cruz recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para obter uma resposta do presidente sobre a morte do pai. O ministro Luís Roberto Barroso determinou na quinta-feira (1º) que Bolsonaro responda, se quiser, em 15 dias. Para Santa Cruz, Barroso “tem compromisso com a democracia e cumpriu seu papel”.

Hackers

Na conversa com o HuffPost, o presidente da OAB comentou sobre episódios da última semana. Classificou como “gravíssimas” as mensagens que têm balançado a República desde 9 de junho, quando o site The Intercept começou a publicar trechos de conversas entre o ministro da Justiça, Sérgio Moro, quando ainda estava à frente da Lava Jato, com procuradores da operação, em especial Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da operação.

“São graves. Houve desrespeito a limites constitucionais. O papel do acusador foi ultrapassado. Agora, eu quero ver se fosse um advogado da defesa combinando o resultado com o juiz, se esse advogado já não estaria afastado, com a ordem cassada e impedido de exercer a profissão.”

Os hackers que a Polícia Federal afirma terem interceptado Moro, Dallagnol, procuradores e outras autoridades foram presos em 26 de julho. O jornalista Glenn Greenwald, co-fundador do Intercept, não confirma se os hackers são suas fontes  – jornalistas tem direito ao sigilo de fonte.

No retorno do recesso do Judiciário, na quinta, os magistrados deram início a uma movimentação para afastar Deltan Dallagnol da operação. Na avaliação do chefe da OAB, isso ”é uma forma de preservar a operação”.

“A OAB foi a primeira a vir a público recomendando o afastamento de Moro e Dallagnol do caso. Não nos ouviram. Disseram que a ordem estava sendo parcial e dura. As conversas mostram o ex-juiz agindo como chefe de polícia e confundindo papel de principal envolvido nos acontecimentos”.

Santa Cruz acredita ainda que o ministro Sérgio Moro sai do episódio, que ainda não teve desfecho, com a imagem prejudicada. “Nenhuma dúvida. [As mensagens interceptadas e divulgadas] contaminam a presença dele no governo.”

O HuffPost pediu ao presidente da OAB que comentasse frases recentes do presidente Jair Bolsonaro.

Com a palavra, Felipe Santa Cruz:

Bolsonaro em 29/07: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai desapareceu no período militar, eu conto para ele. Ele não vai querer ouvir a verdade.” 

Felipe Santa Cruz: Eu quero saber. Não só eu. Todos os filhos, parentes e as mães daqueles que perderam a vida. Queremos saber sim. Onde estão os restos mortais e quais foram as histórias dos últimos dias dos nossos parentes nas mãos dos militares. Eu quero e busco a verdade.

30/07: “Você acredita em Comissão da Verdade? Você acredita no PT? Por que não começou com Celso Daniel? Nós queremos desvendar crimes. A questão de 64, não existem documentos de matou, não matou. Isso aí é balela.” 

O presidente tem uma profunda dificuldade de diferenciar público e privado, expõe suas opiniões e mistura isso. Essa é uma política de Estado que já vem de vários governos desde a redemocratização. O governo do PSDB deu um importantíssimo passo ao indenizar suas vítimas. A Comissão Nacional da Verdade tem feito um trabalho de extrema importância ao identificar vítimas desaparecidas e prestar satisfação aos familiares e às próprias vítimas. O desconhecimento do presidente é mais uma tentativa de polarizar e aumentar os ódios e isso é muito grave.

19/07: “Ela [Miriam Leitão] estava indo para a guerrilha do Araguaia quando foi presa. E depois conta um drama todo mentiroso de que teria sido torturada, sofreu abuso, etc. Mentira. Mentira.” 

O Brasil vive, como muitos países do mundo, a afirmação da notícia falsa e o presidente presta um desserviço quando produz esse tipo informação, que é um fenômeno que se espalha pelo mundo. Me solidarizei com a Miriam Leitão, como me solidarizo com todos que têm sido vítimas das palavras do presidente.

18/07: “Pretende beneficiar meu filho sim (com a indicação de Eduardo à embaixada do Brasil nos EUA). Pretendo. Se puder dar filé mignon, eu dou. Mas não tem nada a ver com filé mignon. É realmente nós aprofundarmos um relacionamento com um país que é realmente a maior que é a maior potência econômica e militar do mundo.”

É mais uma vez o presidente com dificuldade em separar público e privado. Desautoriza uma das mais tradicionais escolas de relações exteriores do mundo. É uma linha de governo também familiar, que se está vendo no resto do mundo. Esperamos que o Senado brasileiro aprecie isso em detalhes e com muito rigor. Realmente, confio que o Senado fará uma análise rigorosa do assunto.

27/07: “Eu fui ao casamento do meu filho. A minha família ia comigo. Eu vou negar o helicóptero (da FAB) a ir pra lá e mandar ir de carro? Não gastei nada além do que já ia gastar.”

Mais um caso de dificuldade em separar figura do estado, que é uma instituição, do que é assunto particular. Confunde de novo o que é festa familiar, confunde limite e visão de Estado. Uma coisa é certa e precisa-se ponderar: a segurança pessoal do presidente da República é algo relevante que sempre precisa estar em voga. Grave não é nem o episódio em si, que poderia ser justificado de alguma forma pela equipe de assessores militares [de Bolsonaro]. O que torna tudo mais grave é a afirmação que parece sempre querer fragilizar. Ele segue modelos internacionais que dizem ”é isso mesmo; acabou!”. Não é racional, na medida em que os atos administrativos vão criando um teste de um governo autoritário. Temos que reconhecer a coerência do presidente. Pessoas que achavam que ele mudaria na Presidência da República, se enganaram. Ele testa limites. Cabe ao Brasil colocar limites através de suas instituições.

Temos que reconhecer a coerência do presidente. Pessoas que achavam que ele mudaria na Presidência da República se enganaram.Felipe Santa Cruz, presidente da OAB

27/07: “Ele (o jornalista Glenn Greenwald) é casado com outro homem e tem meninos adotados no Brasil. Malandro. Para evitar um problema desse casa com outro e adota criança no Brasil.”

Nossa solidariedade ao jornalista Glenn Greenwald e à liberdade de imprensa. Até hoje não houve qualquer informação que se pudesse dizer que ele cometeu um crime. Até o momento, ele prestou serviços super relevantes para o País, divulgou informações de extrema importância, revelando conversas em que há sim interesse público. As investigações não mostraram em momento algum qualquer crime que o jornalista tenha cometido e a OAB presta total solidariedade ao jornalista. E seguirá defendendo a liberdade de expressão.