Para Lula, sua condenação foi o cabo eleitoral de Bolsonaro

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Foto: reprodução

Confira a seguir a entrevista à BBC News Brasil, em que Lula responde a críticas a ele e ao PT sobre Belo Monte, fake news, alta do desemprego, Venezuela entre outras.

O senhor sempre se disse orgulhoso por saber ler os desejos do povo. Na sua opinião, o que o povo quis dizer ao eleger Bolsonaro?

Eu acho que essa história está mal contada. Primeiro, o Bolsonaro foi eleito porque esse que vos fala foi impedido de ser candidato. O grande cabo eleitoral do Bolsonaro foi a minha condenação, e a decisão da Justiça Eleitoral (impedindo a candidatura de Lula por causa da Lei da Ficha Limpa).

Segundo, uma parte dos votos (do Bolsonaro) você sabe que foi à base do fake news, da maior campanha de mentira já conhecida no Brasil. Eu não sei por que (não fez), mas eu acho que o PT deveria ter feito uma briga para exigir uma apuração correta sobre a questão do fake news. O PT aceitou o resultado.

Diferentemente do Aécio (Neves, do PSDB), que não aceitou o resultado (da eleição em 2014) da Dilma, numa eleição legal, em que não teve fake news. Então, agora o seu Bolsonaro, ele só tem que governar. Ele ganhou para governar, ele governe.

Eu, como fui presidente da República, não sou daqueles que fica torcendo para as pessoas que governam dar errado, porque quem paga o pato é o povo. O que eu quero é que ele resolva o problema do povo brasileiro. Porque estamos há um ano só ouvindo falar em corte e ajuste, corte e ajuste, corte e ajuste, e não se ouve falar em desenvolvimento, em emprego, em política industrial. Isso não existe. Então, eu não sei onde vai parar o país.

Concretamente, o PT escolheu Fernando Haddad para disputar a eleição presidencial (após Lula ter sido impedido pela Justiça), e o PT foi derrotado. O senhor se arrepende de alguma forma desse cálculo político? Olhando para trás, acha que poderia ter adotado outra estratégia?

Posso te falar uma história? O PT teve uma votação extraordinária nas condições em que foram as eleições. Eu, quando vim para cá, eu poderia ter tomado uma outra decisão e não vir para cá [Lula já disse que poderia ter pedido asilo político em outro país], mas eu vim para cá. Eu me entreguei à Polícia Federal aqui, porque eu queria provar todas as safadezas que fizeram comigo, e vou provar, é uma questão de tempo.

Eu tinha muita clareza do ódio que estava tomando a sociedade brasileira. A sociedade foi instigada a ser antipolítica durante muito tempo. Isso aconteceu na Inglaterra com o brexit (decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia). Então, eu acho que o PT não brigou, o Bolsonaro está eleito, e ele agora governe. Governe e faça as coisas acontecer.

O PT continua sendo o mais importante partido político da América Latina, o PT é o mais importante partido político do Brasil, e o PT sabe que o povo trabalhador espera muito do PT. A gente não tem que ficar chorando porque perdeu, a gente tem é que reconstruir a próxima vitória, e tentar tirar o ódio da cabeça das pessoas.

Porque eu comparo o governo Bolsonaro a uma torcida organizada. Ou seja, você tem um torcedor que é flamenguista, corintiano, que ele vai no estádio para torcer para o time, mas a torcida organizada fanática, ela não torce para o time, ela vai vaiar jogador, ela vai no centro de treinamento bater em jogador, bater em técnico, essa é a turma do Bolsonaro. E que continua fazendo discurso para essa gente.

O senhor às vezes também não opta por fazer um discurso muito voltado para sua base mais fiel? O senhor há poucos meses disse que a facada, da qual o então candidato Bolsonaro foi vítima, não seria verdade. Gostaria de saber se o senhor genuinamente acredita que Bolsonaro não sofreu uma facada e no que o senhor baseia esse tipo de afirmação?

Não, eu não disse que não tinha tomado, eu disse que não acreditava (que Bolsonaro levou uma facada). Mas você garante a mim o direito da dúvida? Veja, eu tenho suspeitas (de que não ocorreu). Agora, se aconteceu, aconteceu.

Assim como o presidente Jair Bolsonaro diz que tem suspeitas de que ONGs botam fogo na Amazônia e fala esse tipo de argumentação sem provas, o senhor acha que contribui para tornar o ambiente menos radical, menos tóxico de desinformação ao propalar suspeitas sem indícios de provas?

Eu falei com muita tranquilidade desde o dia que aconteceu aquilo, porque não vi sangue. O Bolsonaro deu uma entrevista assim que chegou no hospital. Ele foi internado, já tinha um senador fazendo uma entrevista.

A entrevista (ao então senador Magno Malta) foi depois da cirurgia.

Eu te confesso que fiquei com muitas dúvidas, mas se você tem certeza, eu sou até capaz de ter a sua palavra como veracidade.

Não é questão da minha palavra. Houve um atendimento na Santa Casa de Juiz de Fora, uma internação no hospital Albert Einstein, em São Paulo. Sua suspeita se baseia no fato de que os médicos estão em um conluio para fazer uma encenação?

Não, não falei isso. Você acredita que houve a facada?

Acredito.

Então acredite você, morreu o assunto.

Não morreu o assunto pelo seguinte, presidente, o senhor é uma liderança muito importante. O que o senhor fala reverbera. Quando o senhor diz que tem suspeita sobre o ataque, o senhor não está justamente alimentando radicalismo, fake news?

Eu tinha suspeita até você me dar certeza. Então, você veio fazer entrevista comigo e você me convenceu, sabe, dizendo “eu sou prova de que ele tomou a facada”.

Eu não sou a prova. Estou trazendo a questão sobre o efeito da sua fala.

Estou acreditando em você. Você pode passar para a história como a jornalista que convenceu um presidente que ele estava errado. E foi muito bom.

Não é a minha intenção aqui. Presidente, hoje a esquerda tem muita dificuldade de fazer oposição, e a pauta central é o “Lula Livre”, é a luta pela sua liberdade. O senhor acha que é a melhor estratégia de oposição ter a centralidade da pauta “Lula Livre”? Ou deveria haver outras pautas centrais?

O que você acha que a oposição deveria fazer?

Não sei, estou perguntado ao senhor.

É que você pergunta com uma condicionante. Você primeiro me coloca como uma pessoa que está atrapalhando a oposição a fazer oposição. Veja, eu sou de um partido político, e esse partido político trabalha a questão do “Lula Livre”. Obviamente, tem gente que acha que não deveria cuidar disso: “o Lula já foi condenado, deixa o Lula preso e tal”.

E sabe por que que o partido me defende? Porque o partido sabe que sou inocente, porque o partido sabe que o Moro é mentiroso, o partido sabe que o Dallagnol é mentiroso, o partido sabe que o TRF-4 me julgou sem ler o meu processo, o partido sabe que o Superior Tribunal de Justiça me julgou sem ter acesso ao inquérito.

Então, o que eu quero é provar minha inocência. E cabe ao meu partido, e não aos adversários, você não quer que o PSL faça campanha “Lula Livre”, né? O PSL faz campanha “Lula preso”. É o meu partido que tem que fazer.

E isso não impede que o meu partido tenha apresentado um programa no Congresso Nacional discutindo política econômica, discutindo emprego, discutindo política tributária. Acabou de apresentar.

Você deve ter acompanhado isso lá em Brasília, que meu partido é o que mais faz oposição e oposição coerente, que lutou contra a reforma da Previdência como ela está sendo feita, que lutou contra o desmonte da legislação trabalhista. O partido está fazendo oposição toda hora, 24 horas por dia, mas não impede que o partido me defenda.

Outras lideranças da esquerda, de fora do PT, criticam essa centralidade da pauta “Lula Livre”

Que lideranças? Eu não sou obrigado a convencer as lideranças a acreditar naquilo que o PT acredita. Cada liderança faça o que quiser. Sabe quantos anos o (líder e ex-presidente sul-africano Nelson) Mandela ficou preso até as pessoas se convencerem de que precisava soltar? 27 anos. Jesus Cristo carregou uma cruz, o povo gritando, na passagem dele, e ninguém defendeu ele. Eu tenho o PT que está me defendendo.

Da FSP