Para pressionar Dodge, Deltan quis dar informações secretamente a jornalistas

Todos os posts, Últimas notícias
Foto: reprodução

Os procuradores chegaram a discutir a possibilidade de repassar informações secretamente a jornalistas para pressioná-la a liberar ao STF delações, entre elas, a de Léo Pinheiro, da construtora OAS, uma testemunha-chave de casos que incriminam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A relação estreita que, de acordo com os procuradores, existe entre Gilmar Mendes e Raquel Dodge é o cimento que constrói o muro de desconfiança e desdém que separa Curitiba da procuradora-geral da República. É um sentimento que vem desde o começo da gestão dela, em setembro de 2017. Em 20 de junho daquele ano, dias antes de Dodge ser apontada para o cargo pelo então presidente Michel Temer, Dallagnol diz aos colegas: “Bastidores: – Raquel Dodge se aproximou de Gilmar Mendes e é a candidata dele a PGR”, escreve o procurador. Em outra conversa, já em 2018, o coordenador da Lava Jato afirma que Dodge só não confronta Mendes porque “sonha” com uma cadeira no Supremo assim que seu mandato na PGR terminar. A suposta aproximação com o ministro do STF, no entanto, é só uma das queixas da Lava Jato de Curitiba com Dodge. Para os procuradores liderados por Dallagnol, a procuradora-geral é um obstáculo incontornável também por ser dona da caneta que tanto libera orçamento à força-tarefa como envia ao Supremo os acordos de delações premiadas que envolvem autoridades com foro privilegiado, como a de Léo Pinheiro. Curitiba depende de Dodge de uma forma ainda mais fundamental: já em contagem regressiva para deixar a PGR em 17 de setembro, é ela que determinará se a força-tarefa continuará existindo no ano que vem, uma vez que a atual autorização expira em 9 de setembro.

No chat, os procuradores reclamam que Dodge sairia de férias entre 3 e 17 de julho, sem resolver “pendências” relacionadas ao acordo. Pela agenda publicada no site do MPF, a procuradora, de fato, tirou férias no período: entre 4 e 18 de julho. No dia seguinte, o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol, propõe aos colegas, no mesmo chat, pressionar Dodge “usando” a imprensa “em off”, passando informação a jornalistas sem se identificar, uma estratégia várias vezes cogitada pelo procurador nas mensagens. “Podemos pressionar de modo mais agressivo pela imprensa”, propõe. Outra opção era encostar Dodge contra a parede e apresentar um prazo limite para o encaminhamento. “A mensagem que a demora passa é que não tá nem aí pra evolução as investigações de corrupção, se queixa. “Da saudades do Janot”, encerra.

Os motivos da saudade do ex-procurador-geral ficam evidentes nas mensagens entre Dallagnol e Rodrigo Janot. O antecessor de Dodge mantinha uma relação bem diferente com o coordenador da força-tarefa, ao menos nas conversas mantidas pelo Telegram. Em 16 de julho de 2015, Dallagnol atribui a Janot o sucesso da Operação Politeia, que cumpriu mandados de busca e apreensão em endereços do ex-presidente Fernando Collor (PTB-AL) e outros políticos com foro privilegiado. “Janot, o maior diferencial é que Vc, por características pessoais, permitiu que esse trabalho integrado acontecesse, a começar pela criação da FT e todo apoio que deu e dá ao nosso trabalho. Vc merece um monumento em nossa história. Grande abraço, Deltan”, escreveu. O coordenador da força-tarefa mostra nas mensagens uma relação mais próxima com o chefe, a quem parabeniza por artigos publicados na imprensa, convida para eventos, divide preocupações, responde prontamente e agradece: “Obrigado por confiar em nós”, escreveu Dallagnol em maio de 2016. Janot não se mostra tão entusiasta nas respostas. Frequentemente, respondia com joinhas (👍👍👍).

Se com Janot as conversas eram amistosas, com Dodge o coordenador da Lava Jato nunca chegou à liberdade dos emojis. Pelo contrário. Em 12 de agosto de 2018, o estremecimento na relação veio à tona de maneira direta no chat entre o procurador e a ocupante da Procuradoria-geral. Sem trocar nenhuma palavra, Dodge apenas envia um link para Dallagnol. Trata-se de uma nota publicada no jornal O Globo que afirmava que Dodge colecionava atritos com a Lava Jato. Dentre os problemas, cita a nota, está não ter autorizado uma viagem da força-tarefa à Suíça, onde se desenrola parte das investigações, e também a falta de uma resposta dela quanto ao pedido de suspeição de Gilmar Mendes feito pela equipe de procuradores do Rio.

No dia seguinte, Dallagnol responde à chefe negando passar informações a jornalistas. “É uma pena que problemas dentro da instituição acabem expostos na imprensa. Como lhe disse, não temos essa prática de notas”, afirma. Logo depois, não esconde a insatisfação. “Várias pessoas interessadas tomaram contato com essa informação sobre a negativa da ida para a Suíça, porque estavam interessadas, inclusive a PF que já estava autorizada a ir conosco. Já quanto às infos do RJ, tomei conhecimento pela nota”, escreveu. “Confio que terá sabedoria para ouvir frustrações com serenidade, avaliar criticamente o que é pertinente e usar isso para fortalecer os relacionamentos e o trabalho que é de todos nós”.

Para além dos conselhos dados por Dallagnol à procuradora-geral, as mensagens mostram que o descontentamento com Dodge ultrapassa as trincheiras da Lava Jato. “Raquel está destruindo o MPF, achincalhando a gente…[…] teria que ser incinerada publicamente, internamente e internacionalmente”, desabafou o procurador Anderson Lodetti, em abril deste ano, em um chat que reúne procuradores além da força-tarefa. O motivo era Dodge ter se calado inicialmente, quando, em abril deste ano, Alexandre de Moraes, do STF, ordenou buscas e apreensão contra militares e procuradores no amplo inquérito sobre fake news. Num passo criticado por especialistas, Moraes abre a investigação de ofício, ou seja, por iniciativa própria e sem a participação do Ministério Público.

Do El País