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Secretário de Comércio americano faz ameaça velada ao Brasil

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Ao concluir uma visita de três dias a São Paulo e Brasília, o secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, fez uma revelação importante: o governo americano compartilhou “informações reservadas” com “pessoas relevantes” no Brasil para expor como vulnerabilidades das redes 5G podem afetar sistemas de segurança dos países.

‘Exortamos todos os países a ficarem muito, muito atentos”, disse Ross ao Valor, em meio às tensões comerciais com a China, que envolvem não apenas tarifas, mas padrões tecnológicos. “A interconectividade das coisas é maravilhosa, mas cria vulnerabilidades. Para lidar com uma tecnologia tão transformadora, deve-se estar consciente dos riscos e das oportunidades.’

A advertência do secretário americano ocorre menos de dois meses após viagem do vice-presidente Hamilton Mourão a Pequim. Depois da passagem pela China, Mourão informou ao Valor que estava descartado um eventual veto à presença da Huawei no Brasil.

No único contato com a imprensa brasileira, Ross procurou baixar as expectativas de um acordo de livre-comércio entre Mercosul e EUA. Para ele, não há que se esperar um exercício de dez minutos e ainda não está decidido se serão dados pequenos passos ou um grande salto – ou seja, um acordo mais abrangente ou entendimentos setoriais.

“Temos uma boa química entre os presidentes Trump e Bolsonaro. Essa é a gênese da coisa toda”, afirmou. Nesta entrevista, Ross criticou a China e o funcionamento atual da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Leia os principais trechos.

Valor: O ministro Paulo Guedes disse que Brasil e EUA estão iniciando oficialmente negociações comerciais. O governo americano está pronto para começar discussões que envolvam a eliminação de tarifas ou prefere ficar em discussões sobre convergência regulatória e setores específicos?

Wilbur Ross: Você deve ter visto as palavras do presidente Trump no início desta semana. Ele está ansioso por essas negociações. Mas você também deve ser ciente de que discussões comerciais são muito complicadas. Foram 20 anos de negociação entre Mercosul e União Europeia. As pessoas não devem esperar que isso será um exercício de dez minutos, duas duas semanas ou dois meses. É um processo. Por status, nos EUA, o detalhamento das negociações é conduzido pelo USTR [escritório de representação comercial dos EUA]. Ele tem uma equipe de 200 pessoas dedicadas a isso. Há muitas questões que precisam ser examinadas, muitos detalhes a serem colocados em apreciação. O importante a ressaltar é que temos uma química muito boa entre os presidentes Trump e Bolsonaro. Essa é a gênese da coisa toda. É difícil negociar acordos complicados se você não confia na outra parte. Eles construíram uma relação de confiança e afeto mútuo. É um excelente pontapé inicial.

Valor: De qualquer forma, há disposição do lado americano de negociar um acordo amplo e abrangente, como disseram funcionários brasileiros?

Ross: O que não devemos é pré-julgar, dizer de antemão se teremos uma série de pequenos passos ou um grande passo. São detalhes técnicos e é prematuro responder agora.

Valor: Seria crucial, para um acordo comercial e para as relações dos EUA com a região, ter Mauricio Macri reeleito na Argentina?

Ross: [Risos] Como você sabe, os presidentes Trump e Macri têm um relacionamento muito bom… Não é segredo nenhum que há respeito e afeição entre eles. Isso continua.

Valor: Alguns funcionários do governo brasileiro falam em dor de cotovelo dos EUA pelo anúncio do acordo Mercosul-UE. É isso? Ross: Nós temos a maior economia do planeta e não temos nada para ter inveja da Europa. Eles é que gostariam de ter um desemprego tão baixo como o nosso, de estar na situação em que estamos, de ter 7,6 milhões de vagas de trabalho não preenchidas e apenas 6 milhões de trabalhadores desempregados. A ideia de que estamos com dor de cotovelo é simplesmente boba.

Valor: Mas o sr. parece cuidadoso e cauteloso quanto à abrangência de um acordo de livre-comércio com o Mercosul…

Ross: Acordos de livre-comércio são inerentemente complicados. No acordo entre Mercosul e UE, foram 20 anos para alcançar um compromisso em âmbito político, mas os termos finais do tratado ainda estão sendo trabalhados. O que eu comentei [em São Paulo] é a possibilidade de pílulas venenosas [“poison pills”] se converterem em barreiras para a capacidade dos sócios do Mercosul de lidarem com os EUA. Por exemplo: temos padrões diferentes nos EUA e na Europa para automóveis, alimentos, produtos químicos e farmacêuticos. Na medida em que os europeus convencerem os países do Mercosul a adotar apenas seus padrões, isso pode se transformar em um obstáculo para fazer um tratado com o Mercosul o ou com seus membros individualmente.

Valor: Como o sr. sabe, a China é o maior parceiro comercial do Brasil e o Mercosul acaba de fechar o acordo com a UE. Os EUA estão perdendo terreno no Brasil e na América do Sul?

Ross: Não concordo com sua afirmação. Deve-se olhar o valor agregado nas relações comerciais. Uma coisa é comprar apenas produtos primários. Nossas transações com o Brasil envolvem áreas de valor muito maior, como a aeroespacial. Assinamos um protocolo que torna o Brasil um aliado preferencial extra-Otan. Isso eleva o status para outro patamar. Ou seja, não se trata apenas da quantidade de dólares envolvidos, mas da qualidade do comércio. É por isso que reajo quando ouço que a China é o maior parceiro do Brasil. O Brasil certamente tem múltiplos parceiros comerciais. Não temos objeção nenhuma ao comércio de vocês com a China, com a Europa ou quem quer que seja. Mas estamos interessados em ampliar a nossa própria relação. Fomos os primeiros a aceitar a independência do Brasil em 1822. A Amcham está aqui celebrando seu 100º aniversário. Não somos recém-chegados ao Brasil.

Valor: Trump já mencionou como é difícil, para as empresas americanas, fazer negócios no Brasil. O sr. poderia dizer quais são os exemplos que mais preocupam Washington?

Ross: O mais importante são as soluções. Sempre soubemos que o Brasil é um país protecionista. Os brasileiros sabem disso, e os americanos, também. Não é novidade. A novidade é o desejo de resolver isso e mover-se em direção a um ambiente de livre-comércio.

Valor: Muita gente vê uma tentativa do governo Trump de sabotar a OMC e destruir o sistema multilateral de comércio. Como o sr. responderia a essa observação?

Ross: É uma observação incorreta. É como dizer que uma reforma tributária destruiria a cobrança de impostos. Reformar é o modo de manter organizações funcionando. A OMC não mudou sua maneira de operar desde que foi fundada décadas atrás. Temos grande discordância sobre o funcionamento do sistema de solução de controvérsias. Veja a disputa entre Boeing e Airbus sobre subsídios. Ela corre há 12 anos. Que tipo de solução é essa? É ridículo. O sistema tem que ser recalibrado. Segundo, a OMC não tem lidado decisivamente com segmentos inexistentes quando ela foi criada. Um exemplo é a economia digital. O conceito de uma entidade imparcial, que sirva como um xerife de práticas comerciais, é útil… Mas às vezes a implementação disso é meio desastrada. Por exemplo: quando a China entrou na OMC, em teoria, deveria seguir todas as regras. Mas não havia um mecanismo real de implementação caso a China não fizesse isso. O resultado é que os chineses não cumpriram até hoje com seus compromissos originais de fornecer todos os detalhes sobre seus subsídios e suas empresas estatais.

De Valor