Marcus Steinmeyer/UOL

“Bolsonaro é um ser que não tem amor”, diz Bela Gil

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O umbigo do presidente Temas caros à chef, a Amazônia, os índios e a defesa de suas reservas, estão na berlinda no país. Bela gravou programas de TV e desenvolve projetos com comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas. E se indigna —sem alterar o tom doce da voz— ao comentar o aumento das queimadas na Amazônia e o decreto presidencial que proíbe o emprego do fogo na região por 60 dias.

“Poxa, por que só agora? Por que não antes?” Atrevimento, superficialidade e petulância se misturam nas falas e atitudes de Jair Bolsonaro, segundo a chef, que se diz “realmente triste” pelo desrespeito com as populações indígenas. “É um ser que não tem amor, parece pelo menos. E isso me dá uma tristeza porque poder e amor não combinam muito. Ele poderia ser menos petulante e pensar mais nos outros. Pensar mais amorosamente em relação ao Brasil […] Como é que pode pensar em governar pensando primeiro no próprio umbigo e depois no clã dele?”

Eu acho que falta amor nele, é o que eu sinto. Ele se apega tanto ao poder, tanto, que me entristece muito.

Mistura (política) para bolo

O pai de Bela, Gilberto Gil, além de músico, foi ministro da Cultura. E Bela também ensaia seus jeitos de participar da política junto com a carreira de chef e apresentadora. Já participou de debates sobre agroecologia e o chamado PL do veneno (que flexibiliza o uso de agrotóxicos) no Congresso, fez receitas vegetarianas para escolas municipais de São Paulo e participou de projeto de lei para implementar uma alimentação mais saudável nos colégios estaduais do Rio.

Mas a política mão na massa mesmo ela faz é com massa de bolo. “Eu tenho uma linha de produtos alimentícios, uma linha de bolo. Mas eu não vou simplesmente fazer uma mistura para bolo com farinha de trigo e cacau, sabe? Eu vou colocar coquinhos nativos e tal, como babaçu e licuri, para ajudar as comunidades que vivem do extrativismo desses alimentos. É uma maneira de eu conseguir fazer com que essas pessoas fiquem na floresta, de fazer com que a floresta fique em pé”, diz Bela. “A melhor maneira de a gente preservar a biodiversidade é comendo a biodiversidade.”

Você pode substituir a churrascaria por uma feira agroecológica Bela entende que, na prática, a teoria é outra. E que comer a biodiversidade —ou seja, se alimentar bem, optar por produtos orgânicos e saudáveis— sai bem mais caro. Defende então políticas públicas que não permitam que “um macarrão instantâneo seja mais acessível do que um ramo de cenoura”. “Não dá! Não dá!”, desabafa. E segue lamentando a situação paradoxal em que uns não comem bem por falta de dinheiro, e outros, que têm dinheiro, se alimentam mal por opção. “A elite, que pode comprar o que quiser, joga esse luxo fora indo em rede de fast food, comprando comida junk. Se ela troca uma feira agroecológica por uma churrascaria, acho que falta uma consciência, uma responsabilidade social”, diz a chef vegetariana, que afirma haver, na sociedade brasileira, um preconceito com a comida saudável.

A gente precisa que as pessoas entendam que criança pode ser feliz comendo comida saudável, que não será um ser humano triste, um ser humano deprimido, porque não está comendo uma salsicha ou um brigadeiro.

Com ciência

Na hora de cozinhar, Bela diz preferir “mil vezes” óleo de coco a óleo de soja. Quando confrontada com os estudos que mostram que o óleo de coco não é tão saudável quanto se difundia por aí (e que pode ser até prejudicial), a apresentadora acredita que é preciso questionar até as verdades científicas.

“Eu acredito muito na ciência, mas acho que a gente tem que ter um olhar crítico. Posso comprovar cientificamente que o óleo de coco é bom ou ruim dependendo das minhas referências, do que eu quero achar”, diz, citando o livro “Uma Verdade Indigesta”, de Marion Nestle, como obra que aponta como a ciência pode ser manipulada pela indústria.

“Quando você vê um estudo falando que o óleo de coco é ruim, provavelmente quem patrocinou foi uma empresa de óleo de soja.” Apesar de ter seus ingredientes queridinhos (como óleo de coco e ghee), Bela é contra eleger certos alimentos como heróis ou vilões:

“Quando você fala que manteiga era ruim e agora é bom, as pessoas ficam realmente loucas”.

Patrulhamento

Outra coisa que costuma deixar algumas pessoas realmente loucas são os conselhos de saúde que Bela dá a seus milhões de seguidores nas redes sociais. A última polêmica a se somar à coleção da chef explodiu há três meses, quando a apresentadora recomendou pingar água oxigenada no ouvido para combater gripes e infecções no local. “Em casa, somos todos adeptos”, escreveu, com o adendo “converse com seu otorrino pra ver se ele acha ok”.

Médicos da internet e da vida real distribuíram broncas em Bela, dizendo que o tratamento caseiro não tinha comprovação científica e que poderia até comprometer a audição. Nessas horas, Bela ressalta que não quer virar médica, otorrino ou dentista. Sua preocupação, ela diz, como repetiria em vários momentos da conversa, é que o público tenha direito à informação. “Meu papel está em mostrar alternativas que, para algumas pessoas, podem ser muito diferentes, assustadoras. Mas eu não vou deixar de compartilhar uma informação que é valiosa por causa dessa pressão, desse patrulhamento. Eu uso minhas plataformas como uma janela de expansão para as pessoas.”

Desde que começou a compartilhar suas dicas na internet, cenas como essa se repetem. Foi assim quando sugeriu trocar a pasta de dente por cúrcuma e quando exibiu o conteúdo natureba da lancheira da filha. “Acho que a única coisa que ninguém falou foi sobre o meu desodorante, que eu mesma faço. Os dermatologistas ainda não me atacaram…”

Você expandir a mente de alguém não tem preço. É a melhor coisa do mundo.

Normal x Cesárea

Mesmo com o jeitinho calmo e macio de quem segue tranquila até quando se irrita, Bela não foge à uma boa polêmica. Ainda no campo da política que se faz na vida real, diz não ser contra o projeto de lei, de autoria da deputada Janaina Paschoal (PSL), que permite às gestantes optar por cesáreas no SUS, mesmo sem indicação médica, aprovado em agosto, em São Paulo. “Você ter o poder de escolha é muito lindo: você poder escolher um parto natural é muito lindo, você poder escolher uma cesárea também é muito lindo. É a mulher tomando posse do seu corpo.”

O problema, diz ela -que teve dois partos naturais, o segundo deles em casa- é a falta de informação. Bela reclama da cultura de informações falsas que leva as mulheres a terem medo do parto natural e apresentam essa alternativa como dolorosa, perigosa e insegura para mãe e bebê. “A gente é conduzida a querer a cesariana por falta de informação de que o parto natural pode ser bom, bonito, lindo, pode ser, enfim, a coisa mais maravilhosa do mundo.”

Eu acho o projeto de dar a oportunidade para as mulheres de escolher ter a cesárea maravilhoso. O problema é a mulher escolher a cesárea sem saber dos benefícios ou dos malefícios que pode ter. Ela precisa saber dos dois iguais.

Placenta acebolada

Se tem um assunto que mistura todos os temas centrais de Bela —alimentação saudável, maternidade, vida natural e, claro, polêmicas— em um só acontecimento esse assunto é a ingestão da própria placenta após o parto domiciliar do filho Nino. “O pós-parto do Nino foi muito incrível, melhor que o da Flor. No da Flor, eu não consumi a placenta. No do Nino, eu consumi. Por aí, se a gente fizer um estudo científico bem tosco, posso dizer que o consumo da placenta fez diferença”, brinca Bela.

A chef cita os diferentes usos da placenta, como a aplicação em cremes de rosto. “Na Ásia, na Nova Zelândia e na Austrália, cremes faciais têm placenta humana ou de vaca, ou de ovelha.” Consumir ou enterrar seriam as práticas mais comuns em tempos pré-hospitalares.

Bela juntou relatos sobre os possíveis benefícios da ingestão da placenta, na prevenção da depressão pós-parto e na reposição de vitaminas e minerais, com a habilidade de sua doula em fazer shakes com o órgão materno-fetal para tomar a decisão.

“Quando eu falo que consumi a placenta, as pessoas acham que eu peguei um fígado de boi, coloquei na panela e fritei acebolado. Não, eu não comi placenta acebolada. Foi um minipedaço da placenta numa vitamina de banana com pasta de amendoim e frutas vermelhas, que estava uma delícia!”

De UOL