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Deputado volta a chamar Moro de ladrão

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O deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) estava a poucos metros do ministro Sergio Moro, quando disse a ele no início de julho: “O senhor vai estar nos livros de história como um juiz que se corrompeu, como um juiz ladrão!” O parlamentar referia-se à atuação do ex-magistrado como julgador dos réus da operação Lava Jato, bastante questionada após a revelação pelo site The Intercept Brasil dos vazamentos de conversas com procuradores da força-tarefa de Curitiba.

Ao ataque do deputado, seguiu-se uma confusão na sala de audiência da Câmara, enquanto Moro deixava o recinto cercado por apoiadores. No dia seguinte, Braga foi ameaçado pela líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-SP), de ter seu nome encaminhado ao Conselho de Ética da Casa com pedido de cassação do mandato por quebra de decoro.

Demorou, mas o conselho notificou o deputado do PSOL há uma semana. Nesta entrevista ao UOL, Braga diz que se o processo não for arquivado ele terá uma boa oportunidade de reafirmar o que disse. Mais: afirma que a frase não foi apenas uma analogia. “Estou acusando ele [Moro] de ter cometido crimes”, diz o parlamentar.

A principal ilegalidade, argumenta Braga, é a de ter atuado em um processo sem a imparcialidade necessária, para depois conseguir a recompensa de ser indicado a um ministério no governo Jair Bolsonaro. O parlamentar diz acreditar na manutenção do mandato e não se intimida com a ameaça de cassação. “Vou defender o mandato porque é questão de Justiça, mas não vou vender a alma a ninguém por conta disso.”

UOL – Como vê a abertura de processo no Conselho de Ética?

Glauber Braga – Recebo com a certeza de que ele tem que ser arquivado. Não retiro uma palavra do que eu disse na Comissão de Constituição e Justiça, de que Moro é um juiz ladrão. Estou apresentando a minha certeza baseada em duas teses jurídicas. A primeira é a da imunidade parlamentar. A segunda, se eles não arquivarem, é a exceção da verdade, pois quem fala a verdade não merece castigo. Se necessário for, se houver continuidade nesse processo, eu vou pedir a utilização de todos os meios de provas disponíveis, inclusive a chamada das oito testemunhas a que tenho direito no Conselho de Ética. Já pedi ao presidente do conselho que prepare equipamentos e tecnologia para quem por ventura esteja fora do Brasil e possa vir a dar depoimento também como testemunha. Pode ser que tenhamos testemunhas que não estão no Brasil.

O senhor imaginava que esse processo fosse realmente aberto?

Eles anunciaram no mesmo dia ou no dia seguinte essa possibilidade. A líder do governo no Congresso inclusive disse que faria isso, já imaginava que poderia acontecer por causa das práticas intimidatórias do governo. Pensavam que isso poderia intimidar uma fala mais contundente em relação ao governo.

O senhor acusa Moro ter conduta criminosa ou fez uma analogia com o árbitro de futebol?

Estou acusando ele de ter cometido crimes. Entre os quais a utilização do cargo de juiz para receber benefício pessoal.

A minha analogia tem a ver, sim, com o juiz de futebol que está no estádio e toma partido de uma das equipes. Essa analogia foi clara.

Agora, acuso ele também de ter recebido recompensa para ter sido um juiz parcial. No caso de um juiz que fica de um dos lados e depois recebe uma recompensa, o nome desse crime é corrupção.

Se refere ao caso do julgamento do ex-presidente Lula?

Exatamente. A recompensa foi o Ministério da Justiça.

Quais foram os crimes que o senhor identifica na conduta do ex-juiz Moro?

Com as mensagens que já foram divulgadas pelo The Intercept e com aquilo que a gente vai ter como comprovar no conselho, vamos mostrar o conjunto de tipos penais onde a conduta do Sergio Moro pode estar inserida. Mais importante para mim que uma correlação com a conduta penal é a demonstração política da representação daquilo que ele fez. A mensagem de um juiz ladrão é a do juiz parcial, que tomou parte. Alguém pode perguntar: um magistrado que se comporta parcialmente em um processo e recebe uma recompensa está cometendo crimes? Sim, inclusive o crime de corrupção. Mas podemos falar da associação com agentes públicos para o cometimento de crimes. Tudo isso pode ser inserido no momento em que as provas forem encaminhadas para o Conselho de Ética.

O senhor pretende usar o material publicado pelo site The Intercept, com vazamentos de conversas entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato?

O que temos de jurisprudência dá demonstração de que a prova conseguida por meio ilícito pode ser utilizada para absolvição de condenações que foram feitas a partir de uma fraude. Mas, ao mesmo tempo, os próprios tribunais superiores ainda são reticentes em fazer uma condenação de agentes a partir de provas que foram alcançadas por meio ilícito. Não é novidade para ninguém que uma gravação telefônica não autorizada não é lícita. Mas o questionamento é: a partir do momento que o STF tomou a decisão de que essas provas não poderiam ser descartadas, isso dá viabilidade de que essas provas sejam usadas de alguma maneira? Como elas serão utilizadas os julgamentos futuros do próprio Supremo Tribunal Federal é que vão poder dizer. A gente não tem ainda um fechamento de questão sobre a forma de utilização das provas, especialmente dos diálogos que foram divulgados pelo Intercept.

O ministro Moro e o procurador Deltan Dallagnol não reconheceram a autenticidade de todas conversas.

Sabem que tiveram esse tipo de diálogo, e por isso estão já se defendendo juridicamente dizendo que as provas não são válidas. É por esse motivo que não reconhecem o teor das conversas. Mas eles sabem o que fizeram, sabem que os diálogos aconteceram. Por isso, fazem admissão seletiva em relação ao teor das conversas. É uma tática de defesa deles.

Como avalia o teor dos vazamentos?

Gravíssimo. Você tem um ministro da Justiça, até então juiz de direito, que se utilizou das suas prerrogativas e do seu aparato para ferir a democracia brasileira e facilitar a implementação do programa. Isso não é uma brincadeira. É um ataque brutal às instituições e à vontade popular, à soberania popular. É de uma gravidade sem precedentes na história do Brasil.

O senhor disse que foi ameaçado depois de chamar Moro de juiz ladrão. Pensou em amenizar as críticas?

Grupos de extrema-direita espalharam meu telefone pelo Brasil inteiro, nos grupos deles, então todo dia teve ameaças, invadiram meu celular… Mas não estou muito preocupado com isso. Vamos em frente.

Algumas pessoas reclamaram nas redes sociais que o senhor foi muito agressivo.

A agressividade vem de quem fere a democracia brasileira, de quem usa como presidente da República o tempo inteiro o seu espaço institucional para estimular violência e a eliminação física de seus adversários políticos. O que eu usei foi contundência, que eu repetiria e repetirei quantas vezes a gente tiver um caso da gravidade do que aconteceu com Sergio Moro.

Para fazer o enfrentamento contra esse tipo de comportamento, que fecha o regime, que utiliza dos seus aparatos, como fez Moro de maneira ilegal, eu não posso ter meias palavras. Como diria Leonel Brizola, eu não posso costear o alambrado. O enfrentamento e a fala têm que ser diretas. O fascismo não se enfrenta com meias palavras, e sim com a colocação das cartas na mesa. Porque eles vêm com muita agressividade. Se a gente não se defende e não reage com contundência, é como se a gente estivesse dando um estímulo a esse comportamento, que o tempo inteiro está sendo tocado por Jair Bolsonaro.

E não nos enganemos: Sergio Moro é parte fundamental dessa estrutura de sustentação da política que está sendo tocada por Bolsonaro.

Não vai ter falas minhas agressivas com parlamentares. Faço embate político pegando as figuras públicas, a representação de Bolsonaro, Guedes, Moro e companhia. Faço embate frontal com as figuras políticas que dão sustentação ao governo Bolsonaro? Sim, faço. Essa é uma das características do mandato.

Acha que é possível tirar o ingrediente de agressividade do debate político atual no Brasil?

Espero que o presidente da República faça isso, que volte atrás nas posições que ele tem adotado. Mas não tenho nenhuma ilusão de que essa expectativa se cumpra. Num cenário desse, se ele não deixar de fazer isso, não espere que o passo atrás venha do nosso lado. Se ele vier quente de lá, a gente vai estar fervendo do lado de cá.

O senhor acredita que isso é uma estratégia do presidente?

Sim. Ele quer manter os 30% [de aprovação] na agenda bolsonarista mais dura. Com isso, vai estimulando o tempo inteiro a construção de um exército de militantes de extrema-direita. Esse jogo, na nossa opinião, é combinado. Olavo de Carvalho está fazendo agora um curso gratuito para 80 mil policiais. Então, eles estão procurando formar uma base que dê sustentação por fora do Congresso para facilitar as tentativas de fechamento de regime. Deixam o Maia como principal interlocutor da agenda Guedes com o mercado. É um movimento que não é descasado, tem também uma capacidade de articulação. A gente tem que combater tanto a agenda bolsonarista, de fechamento de regime, de práticas políticas atrasadas e eliminação do adversários, quanto o que representa Maia na sua relação com o mercado para a implementação da agenda de desmonte do Estado nas suas garantias sociais, com reformas, privatizações e tudo o mais.

O senhor teme perder o mandato?

Acho que se eles tiverem um mínimo de responsabilidade a representação vai ser arquivada. Mas não vou fugir, me intimidar e nem tirar uma palavra do que eu disse. Se eles quiserem passar por cima de toda a razoabilidade e as garantias constitucionais para colocarem isso como um fato, vou na lógica de Geraldo Vandré, no Festival da Música de 1968: a vida não se resume a festivais. Ou seja, vou defender o mandato porque é questão de Justiça, mas não vou vender a alma a ninguém por conta disso. Continuarei fazendo a luta política como eu acredito que tem que ser feita.

A audiência realizada na Câmara na última quarta-feira foi interrompida quando o senhor perguntou ao ministro Paulo Guedes sobre ganhos bilionários no setor de educação que ele teria conseguido antes de assumir a pasta da Economia. Foi uma provocação?

Fiz perguntas que tinham que ser feitas. Se tem um ministro da Economia que está diminuindo R$ 8 bilhões da educação pública no Orçamento do ano que vem, num ano que já não conseguiu fechar as contas nessa área com os cortes que são conhecidos por todos, é fundamental o questionamento sobre as relações dele com o setor privado de educação e até que ponto isso é uma política de governo. O próprio Guedes falou sobre a captura que às vezes se verifica nos espaços públicos pelos interesses privados. Nessa linha, meu questionamento foi: há uma captura do interesse público na agenda que está sendo tocada pelo governo para beneficiar o setor privado de educação? Não adianta ele se irritar. Isso é uma pergunta que tem que ser respondida pelo ministro. Apenas afirmei fatos que já são públicos e foram publicados pela imprensa.

A irritação de Guedes o surpreendeu?

Ele estava na comissão com parlamentares que até então batiam palmas, elogiavam e sorriam. Quando um deputado questionou frontalmente a sua atuação e perguntou sobre as suas relações na política que está sendo tocada pelo ministério, ele reagiu para não responder. Tem perguntas que são incômodas, mas deveriam ser respondidas por qualquer agente público. Mas ele simplesmente não quis fazê-lo. Preferiu a irritação a responder objetivamente às perguntas feitas.

De UOL