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Diário é lição contra discurso de ódio da direita

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Após passar décadas no cofre de um banco, o diário de Renia Spiegel, adolescente polonesa e judia que descreveu suas experiências durante a 2ª Guerra, ganhou uma versão em livro que conta a história da “Anne Frank polonesa”, em referência à adolescente holandesa vítima do Holocausto e também autora de um diário famoso.

Assassinada em 1942, aos 18 anos, Renia teve seu diário recuperado depois da guerra por seu namorado,  Zygmunt Schwarzer, de 19 anos. Ele o entregou à mãe da adolescente no início dos anos 1950, quando a encontrou em Nova York.

Schwarzer descreve a morte de Renia em uma assustadora nota acrescentada ao diário. “Três tiros! Três vidas perdidas! Foi ontem à noite às dez e meia… Minha querida Renusia, o último capítulo do seu diário acabou”.

“Estava abalada. Nunca fui capaz de ler o diário”, relata sua irmã, agora chamada Elizabeth Bellak. E, mesmo hoje, conseguiu ler apenas alguns trechos, porque é “dilacerante demais”. Finalmente, foi sua filha, sobrinha de Renia, que tirou o diário do cofre.

“Eu me chamo Alexandra Renata (Bellak). Meu nome se deve a esta pessoa misteriosa que nunca conheci… Sentia curiosidade por conhecer o passado”, explicou a filha de Elizabeth, uma agente imobiliária de 49 anos.

As duas mulheres entraram em contato com o diretor de cinema Tomasz Magierski, que aceitou, inicialmente por educação, olhar o diário. “Não fui capaz de me soltar dele. Eu o li provavelmente em quatro, ou cinco, noites… Me acostumei com sua forma de escrever e, para ser sincero, me apaixonei por ele, por Renia”, disse o cineasta.

“O triste deste diário é que… você sabe como termina. Mas, quando você lê, espera que o final seja diferente”, lamentou. Os poemas o impressionaram. Em um deles, sobre um soldado alemã, Renia Spiegel mostra empatia. “Amaldiçoo milhares e milhões/ Mas por um, ferido, choro”.

História inspirou documentário

Magierski fez um documentário sobre as duas irmãs intitulado “Os sonhos destruídos” (em tradução livre) e, em colaboração com os Bellak, conseguiu que o diário fosse publicado na Polônia pela Fundação Renia Spiegel. Em setembro, os três assistiram à estreia em Varsóvia. Elizabeth chorou ao ouvir uma atriz cantar um poema de sua irmã.

“Nacionalismo, populismo, antissemitismo. Todos esses ‘ismos’ voltam. E nós não queremos que a morte de milhões de pessoas volte a se repetir”, disse à AFP. “Sabe que algumas pessoas nunca acreditaram no que aconteceu? Eu estava lá. Posso afirmar que aconteceu”.

Diário mostra cotidiano da perseguição aos judeus

Apenas um ano depois de seu primeiro beijo, a adolescente judia Renia Spiegel escreveu em seu diário uma oração pedindo a Deus que a deixasse viver. Era junho de 1942. Ela então iria completar 18 anos.

Os nazistas alemães acabavam de exterminar todos os judeus de um bairro de sua cidade de Przemysl, no sul da Polônia. Alguns se viram forçados a cavar seu próprio túmulo. “Para onde quer que se olhe, há sangue. Que ‘progroms’ tão terríveis. É um massacre, assassinato”, escreve ela em 7 de junho.

“Deus Todo-Poderoso, pela enésima vez me inclino diante de ti. Ajude-nos, salve-nos! Oh, Deus, nosso Senhor, deixe-nos viver, eu lhe suplico, quero viver!”, completa.

Um mês e meio mais tarde, seu namorado, Schwarzer, um judeu com visto de trabalho que lhe permitia se movimentar pela cidade, escondeu-a com os pais dele no sótão de uma casa fora do gueto judeu. Um colaborador os traiu, resultando na morte de Renia.

Renia começou o seu diário em 1939, aos 14 anos. Vivia na casa dos avós. Sua mãe estava em Varsóvia para promover a carreira cinematográfica de sua irmã caçula Ariana, apelidada de “Shirley Temple polonesa”.

A adolescente escreveu cerca de 660 páginas em vários cadernos. Conta o quanto sentia falta da mãe e que gostava do jovem Schwarzer de olhos verdes. Também compõe poemas e inclui parágrafos sobre a ocupação soviética e nazista de sua cidade.

Ela encerra cada volume da mesma maneira: pedindo ajuda à sua mãe e a Deus, como se fosse um mantra.

No início da guerra, sua irmã Ariana ficou bloqueada em Przemysl, onde passou o verão de 1939 na casa dos avós. Salvou-se graças ao pai de sua melhor amiga, que a levou de trem para Varsóvia.

Ajuda de cristão salvou irmã de Renia

“Um bom cristão me salvou a vida. Arriscou-se à pena de morte, me levando, como sua filha, para a casa da minha mãe”, declarou à AFP em Varsóvia a agora senhora de 88 anos que vive em Nova York.

Ela foi então batizada e passou a se chamar Elizabeth. Um oficial alemão, apaixonado por sua mãe, enviou as duas para um lugar seguro na Áustria. Depois da guerra, ambas emigraram para os Estados Unidos.

Schwarzer também sobreviveu, apesar ter sido enviado para o campo de extermínio de Auschwitz. Conta-se que o infame médico e criminoso de guerra Josef Mengele o escolheu para que lhe permitissem viver.

De ESTADÃO