Estrangeiros retiram maior volume da bolsa desde 1996

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Foto: reprodução

Os investidores estrangeiros realizaram a maior retirada mensal de recursos da bolsa de valores desde 1996. Em agosto, as saídas totalizaram R$ 10,79 bilhões, resultado de R$ 190,08 bilhões em compras de ações e de R$ 200,87 bilhões em vendas, segundo dados da B3 (a defasagem é sempre de dois dias). Essa é a maior retirada líquida do mercado à vista em um único mês desde o começo da série histórica analisada, em janeiro de 1996.

Até aqui, o maior volume de retirada do mercado à vista era o observado em maio de 2018, mês da greve dos caminhoneiros e da crise do diesel que derrubou o então presidente da Petrobras, Pedro Parente, um mês depois. Na ocasião, o fluxo havia ficado negativo em R$ 8,43 bilhões.

A cautela que persistiu ao longo do mês passado por causa do exterior se dissipou de forma localizada nos últimos pregões do mês. No pregão do dia 30, com a trégua na escalada de tensões entre China e EUA, os estrangeiros colocaram R$ 962,47 milhões na bolsa. Naquele dia, o Ibovespa subiu 0,61%, aos 101.135 pontos, aliviando as perdas de agosto a -0,67%. De todo modo, a visão dos analistas é de que esse foi um movimento pontual. A perspectiva ainda não é favorável para o ingresso de capital externo no mercado de ações, pelo menos no curto prazo, dadas as incertezas vindas da guerra comercial travada entre Estados Unidos e China.

Com o resultado de agosto, as saídas líquidas do investidor estrangeiro também tornaram-se recorde no acumulado do ano. Nos primeiros oito meses, houve retirada líquida de R$ 21,23 bilhões. O volume supera, inclusive, o observado em igual período de 2008, ano da quebra do banco Lehman Brothers, quando foram sacados R$ 16,5 bilhões da bolsa pelos não residentes. Aquele ano marcou o auge da saída de recursos estrangeiros da bolsa, com R$ 24,6 bilhões de saque de janeiro a dezembro.

Vale reforçar que os números do mercado à vista não contemplam a participação dos estrangeiros em outras operações, como as ofertas de ações, sejam iniciais (IPOs) ou subsequentes (follow-on). Também segundo dados da B3, as 19 ofertas de IPOs e follow-ons feitas neste ano somaram todas R$ 53,5 bilhões e, na média, 41% da distribuição ficou nas mãos dos estrangeiros, ou R$ 22 bilhões.

Segundo uma fonte de uma grande gestora independente com exposição ao mercado local e também no exterior, a entrada de recursos para a bolsa no Brasil pode acabar esbarrando nas ofertas de ações, que tendem até mesmo a concorrer com o mercado à vista em um ambiente de menor demanda por risco globalmente. No entanto, os dados do mercado à vista ajudam a medir o impacto da forte procura por segurança que os ativos experimentaram recentemente, sobretudo com o recrudescimento das tensões comerciais entre China e Estados Unidos e com o medo de uma recessão global.

Isso acontece porque, em linhas gerais, os estrangeiros que decidem participar de ofertas de ações estão buscando olhar empresas mais no detalhe para investimentos por um horizonte de prazo maior. Já os investidores do mercado à vista englobam, por exemplo, fundos que precisam ajustar suas posições no curto prazo, de acordo com aumento ou diminuição da demanda por risco no mundo.

“Existe uma expectativa de aquecimento das ofertas no Brasil, por causa das condições locais melhores, com juro baixo e agenda de reformas, e isso tende até a disputar a atenção dos investidores. Nós aqui na gestora vendemos ações para participar de algumas ofertas recentes de empresas de que gostamos, como a Centauro”, diz o profissional, que pede para não ser identificado. “Mas sem dúvida o estrangeiro reduziu a exposição ao risco num mundo com medo de recessão e com tensões comerciais, é um movimento que explica a pressão recente na renda variável.”

Ainda segundo o profissional, apesar da melhora recente lá fora e do interesse do investidor local, a bolsa brasileira não vai conseguir resistir a uma nova onda de aversão ao risco no exterior, se ela vier. “Devemos lembrar que nada mudou no cenário: tivemos uma escalada de tensões comerciais e agora uma melhora na retórica entre os governos, mas não uma solução para o problema. E, no ano que vem, temos eleições presidenciais nos EUA. O Brasil está bem posicionado com a sua agenda interna de reformas e privatizações, mas o país não é uma ilha isolada do mundo”, diz. “Se dados piorarem e apontarem para mais enfraquecimento mundial ou se os conflitos comerciais voltarem ao radar, o mercado aqui não resiste.”

Do Valor