Estudantes da GV questionam recomendação de texto de Mourão

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Foto: Sergio Lima/AFP

Virou polêmica na FGV de São Paulo o email enviado pelo vice-presidente da escola, Sérgio Quintella, à comunidade geveniana nesta segunda-feira (2). Ele recomenda a leitura de artigo do vice-presidente Hamilton Mourão defendendo a soberania brasileira sobre a Amazônia.

Alunos do diretório e do centro acadêmico escreveram uma carta nesta terça-feira (3) questionando o uso de um meio institucional para promover opinião política de Quintella.

Eles dizem ter sido elogiados por alguns coordenadores da FGV pelo tom da resposta.

A FGV diz ter considerado o artigo apontado por Quintella importante e “por isso recomendou a leitura do texto a colaboradores e alunos”.

Veja abaixo a carta escrita pelos estudantes na íntegra: 

Carta aberta para direção da Fundação Getulio Vargas

São Paulo, 03 de setembro de 2019

No final da tarde de ontem, dia 02 de setembro, o Vice-Presidente da Fundação Getúlio Vargas, Sérgio Quintella, enviou para todos os alunos e funcionários da fundação um e-mail com o texto “A nossa Amazônia”, escrito pelo vice-presidente da República Hamilton Mourão e publicado em 28 de agosto no jornal O Estado de São Paulo.

No corpo do e-mail, o Vice-Presidente afirma que tal artigo “merece ser lido por todos os alunos e funcionários da fundação” devido à sua “enorme importância”. O Diretório Acadêmico Getúlio Vargas e o Centro Acadêmico Direito GV vêm com extremo receio o envio de tal e-mail para a comunidade da FGV.

Em primeiro lugar, é importante dizer que o DAGV e o CAGV respeitam a liberdade de opinião e de expressão, além de sempre buscarem fomentar o debate entre seus associados. Ainda assim, aproveitamos a oportunidade para dizer que nossas instituições não concordam integralmente com as opiniões veiculadas por Mourão (e, ao que tudo indica, referendadas pela vice presidência da FGV). A soberania nacional brasileira é um valor relevante e que precisa ser defendido por aqueles que lideram o país. Porém, o discurso de “proteção à soberania nacional” não pode ser utilizado como desculpa para não enxergarmos o óbvio: o nível de devastação da floresta amazônica é sem precedente e o governo Bolsonaro tem se omitido na defesa da região, quando não age diretamente contra ela. Foi assim, por exemplo, com a demissão do ex-presidente do INPE, Ricardo Galvão, simplesmente por conta da divulgação de dados sobre o desmatamento, ou com a falta de ações efetivas contra as queimadas na região – em agosto deste ano, o número de focos de queimada foi o maior dos últimos 9 anos.

Defender a soberania brasileira sobre a Amazônia é, acima de tudo, lutar pela preservação de sua biodiversidade, respeitar e proteger os direitos dos seus povos nativos e promover um desenvolvimento sustentável. O descaso do governo Bolsonaro e o discurso de Mourão demonstram que o país está longe desses ideais.

No entanto, mais do que o debate sobre a Amazônia, o ato em questão é ultrajante por tentar impor, através de um veículo de comunicação oficial da Fundação Getúlio Vargas, uma determinada opinião sobre os alunos, professores e funcionários. Ao dizer qual texto merece ser lido, estaria Quintella dizendo, por extensão, quais não merecem ser lidos, ou seja, quais opiniões merecem ou não ser consideradas por nós, alunos da FGV? O DAGV e o CAGV, como instituições que têm em seu cerne a defesa da universidade Livre e Autônoma, consideram que tal imposição – por mais implícita e sutil que seja – é profundamente alarmante e indica que a direção de nossa fundação pode estar se aproximando de um caminho perigoso e antidemocrático.

Além disso, é importante ressaltar que a postura do vice-presidente da fundação infringe diretamente o artigo II.4, alínea d, do Código de Ética e Conduta da FGV, que afirma que é dever do destinatário “manter a neutralidade nos canais oficiais da FGV nas redes sociais, sobre assuntos de natureza polêmica envolvendo política, religião e questões sociais e culturais”. Não haveria problema se o vice-presidente optasse, em sua vida privada, a expressar suas opiniões sobre a política atual; o grande problema é que tal posicionamento tenha sido veiculado em um meio de comunicação oficial da fundação.

Por fim, é válido fazer algumas perguntas à Fundação: o texto do vice-presidente Mourão reflete o posicionamento oficial da FGV sobre o tema da Amazônia? Se sim, faz sentido que nossa fundação, historicamente importante no desenvolvimento político e econômico do país, apresente posicionamentos oficiais sobre temas da política brasileira sem realizar um amplo debate entre todos os setores da faculdade, inclusive seu corpo discente? Se não, pode um funcionário da fundação usar meios oficiais de comunicação para divulgar materiais com conteúdo patentemente ideológico, sem que seja aberto um canal de debate com toda a Universidade? E o que fazer com um funcionário que infringe diretamente o Código de Ética e Conduta da FGV?

Assim como em toda sua história, o DAGV e o CAGV seguirão lutando e se posicionando por uma universidade crítica, democrática e autônoma, sempre fiscalizando a direção e coordenação, defendendo os interesses de nossos alunos e buscando uma sociedade livre e justa.

Diretório Acadêmico Getúlio Vargas
Centro Acadêmico Direito Getúlio Vargas

Da FSP