Livro complica vida de Bolsonaro

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Em entrevista a GaúchaZH, o jornalista Luiz Maklouf de Carvalho, autor do livro “O Cadete e o Capitão”, conta como foi a apuração que resultou na obra sobre os 15 anos do hoje presidente Jair Bolsonaro no quartel. O livro-reportagem questiona a absolvição do então capitão, julgado pelo Tribunal Superior Militar (TSM) sobre caso que envolvia explosões em instalações militares em protesto contra o baixo soldo. Leia os principais trechos.

Foi com a descoberta do áudio com a gravação das cinco horas de sessão secreta de julgamento de Bolsonaro que você percebeu que tinha um rico material em mãos?
O material sem o áudio já valeria a pena, porque é muito raro ter esse tipo de ocorrência sobre um fato do passado a que ninguém nunca deu bola antes, com detalhes, e você, de repente, ter tudo (nas mãos). Com o áudio, melhorou ainda mais o interesse pelo material. É como se fosse uma coisa viva. Tu leres algo de 30 anos atrás é uma coisa, agora ouvir ministros militares do Superior Tribunal sobre um caso delicado, falando à vontade, com aquela nitidez toda, foi um upgrade decisivo para entender o episódio. Sem o áudio, eu não teria chegado a determinadas conclusões. Ele complementa de maneira impecável a papelada.

O fato de a sessão ser sigilosa contribuiu para que os ministros se sentissem à vontade para dizer palavras de baixo calão que, provavelmente, não falariam em um julgamento aberto?
Com certeza não falariam. Alguns ministros, ao cometerem essas barbaridades, começam dizendo: “Como estamos em uma sessão secreta…”.

Na sua opinião, faltou qualidade técnica das Forças Armadas nos dois primeiros exames grafotécnicos, cujos resultados foram inconclusivos para responsabilizar Bolsonaro?
Do ponto de vista técnico, foi um fiasco absoluto. Basta dizer que o Exército teve a coragem de apresentar um laudo feito em cima de um xerox, aquele primeiro, que é uma coisa absolutamente inaceitável do ponto de vista da seriedade de uma perícia. O segundo (laudo), embora tenha sido feito em cima dos originais, não houve maior preocupação em aprofundar. O que fica claro no laudo do órgão realmente técnico, o Instituto de Criminalística da

Polícia Federal (PF), é que ele partiu para a obviedade de colher novos materiais (da escrita de Bolsonaro). Isso é chave no entendimento dos laudos. Quando a PF entrou na história, ela foi lá, durante o julgamento do conselho de justificação, deu lá umas folhas em branco e mandou o Bolsonaro escrever dezenas de vezes as mesmas palavras que constam do croqui. Ou seja, foi buscar elementos que fortalecessem a perícia, que dessem mais elementos para a perícia. Aí, saiu aquele laudo segundo o qual a autoria do croqui era dele (de Bolsonaro). Essas evidências fizeram o Exército rever o laudo. Realmente, houve provavelmente um espírito de corpo. A rigor, o que se tem são dois laudos contra Bolsonaro. É 2 a 0. Um da PF que afirma que foi ele (o autor), o segundo, o laudo do Exército 58/87, que muda qualitativamente o resultado do laudo anterior, que deixa de ser inconclusivo e passa a ser conclusivo contra o Bolsonaro. É o que me baseio para afirmar que o tribunal viu um empate. Foi Bolsonaro quem levou essa ideia.

Ainda havia uma desconfiança muito grande entre a imprensa e as Forças Armadas à época. O senhor acha que mudou essa relação de lá para cá?
Naquela época, fica claro que havia uma hostilidade muito grande por esse setor remanescente da ditadura. Hoje, não sei. A hostilidade que a gente vê em relação à mídia está mais focada no próprio presidente, que transformou a mídia em um dos adversários principais, lamentavelmente, do que nas Forças Armadas propriamente ditas. Embora tenha um endosso aqui e ali, não dá para dizer que, como corporação, aconteça isso.

Você tem sido atacado pelas redes sociais por causa do livro?
Absolutamente, nenhum (ataque). Já vai para mais de um mês que o livro foi lançado e até agora nenhuma manifestação do presidente, do Planalto. O livro é factual, documentado, para mim está consolidado que a tese errada que existia até o livro sair foi definitivamente jogada às traças. Ou seja, acabou com essa história de empate, de “in dubio pro réu” (princípio jurídico da presunção da inocência, que diz que, em casos de dúvidas como insuficiência de provas, se favorecerá o réu), de que a repórter era incompetente. Ou seja, toda a linha de defesa que o hoje presidente tinha sobre esse assunto foi completamente derrubada pela reconstituição dos fatos no meu livro. Acho que o silêncio se deve um pouco a isso. E também ao fato de que é um livro sóbrio, eu fugi de bate-boca, tem poucos adjetivos. Um presidente que vive falando sobre tudo, em relação ao livro ele ficou calado.

Bolsonaro ou a assessoria de comunicação do Planalto responderam algo em relação aos seus pedidos de entrevista? Você tem ideia se o presidente leu o seu livro?
Fiz vários pedidos através de e-mail para as assessorias diretas da Presidência da República, para ele próprio no sistema de comunicação direta “Fale com o Presidente”. Como fui filmado pelo coronel Julio Lemos, a minha revelia, me dirigi nesse vídeo diretamente ao presidente, pedindo a entrevista. Mandei e-mail para cada um dos três filhos, para a ex-mulher, mensagem no Facebook. Para o Centro de Comunicação do Exército. Nada de resposta. (Se Bolsonaro leu o livro), não tenho a menor ideia. É uma coisa de interesse público. Não é um conto de fadas, é uma história real, foi um episódio significativo da vida dele, mostra bastante sobre a personalidade dele naquele momento, e hoje ele é o presidente da República. Ele deve explicações. O livro diz que ele contou, durante a vida inteira, uma versão não verdadeira, para ser gentil. Isso está derrubado. Nada era verdade. Se há um silêncio oficial em relação a isso, eu imagino que ele tenha concordado.