Pedro Ladeira/Folhapress

“Não quis dramaticidade”, diz Janot sobre caso Gilmar

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No dia em que sentou na cadeira de procurador-geral da República, em 17 de setembro de 2013, Rodrigo Janot queria que sua gestão ficasse conhecida como a que promoveu mudanças no sistema penitenciário brasileiro. Era o máximo que ambicionava, afinal, o País vivia a ressaca do caso do mensalão. Quatro anos e uma Operação Lava Jato depois, Janot deixou o cargo após alguns feitos inéditos, como oferecer duas denúncias contra o então presidente da República e pedir a prisão de um senador, além de comandar ações que resultaram na condenação de políticos influentes e grandes empresários.

No caminho, fez muitos inimigos, mas também colecionou muitas histórias. Parte delas está no livro Nada Menos que Tudo, escrito em parceria com os jornalistas Jailton de Carvalho e Guilherme Evelin, que será lançado em outubro com relatos em primeira pessoa sobre os bastidores dos principais capítulos de sua gestão.

A mais rumorosa delas, no entanto, é descrita de forma genérica e sem o nome dos envolvidos. Janot preferiu relatar a jornalistas que, em maio de 2017, foi armado ao Supremo Tribunal Federal com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes – a informação, antecipada pelo Estado, resultou na apreensão de uma pistola .40 do procurador pela Polícia Federal, entre outras medidas. “Não queria dar dramaticidade a esse fato no livro”, justificou. A ausência de um relato detalhado do episódio que deixou o País boquiaberto não significa, porém, que o livro não tenha histórias saborosas.

Uma delas aconteceu quando foi deflagrada a operação para cumprir o mandado de prisão do então senador petista Delcídio Amaral. Nas primeiras horas daquele 25 de novembro de 2015, Janot teve de ligar para a casa do então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), e acordá-lo com a notícia de que iria prender um senador. Após um longo silêncio do outro lado da linha, o procurador disparou: “Não é o senhor, não”. “Quando eu disse que seria Delcídio Amaral ele pareceu subitamente aliviado e a conversa fluiu normalmente.” Naquele tempo, Renan já era alvo de ações penais no Supremo.

Em suas memórias, Janot descreve a reação de políticos que passaram à condição de investigados. “Uns ficam agressivos, outros tentam desqualificar a investigação. Outros apelam para a emoção e choram.”

Ao deputado Aécio Neves (PSDB), mineiro como o ex-procurador, Janot reserva um relato à parte em momentos diferentes do livro. O ex-procurador diz que Aécio foi “um dos que mais se empenharam” para não ser investigado. E, para isso, valeu-se de visitas à sua sala – nas quais citava a mãe, a família e, não raro, chorava –, de oferta de cargos públicos e do envio de cartas. Em uma delas, relata, Aécio escreveu “my life is in your hands” (minha vida está em suas mãos). “Tenho essa carta comigo, de próprio punho. É um documento histórico”, afirmou. “Talvez, ao longo da história, isso diga algo sobre o tamanho de alguns homens públicos”, escreve.

Janot também cita os principais reveses no cargo: as críticas por ter dado perdão judicial ao empresário Joesley Batista, a prisão do procurador Ângelo Villela e o episódio em que um integrante de sua equipe foi acusado de fazer jogo duplo, no MPF e na defesa da J&F. E defende sua atuação nos episódios.

Além disso, critica o ritmo dado por sua sucessora, Raquel Dodge, à operação (“A diminuição de ritmo das investigações na Lava Jato é visível”), pergunta sobre políticos que, embora alvo de investigações, até o momento escaparam de condenações (“Qual é a origem do poder deles no Judiciário?”), e reflete sobre sua gestão. “Essa ruptura não é feita de um dia para a noite. É um processo. E, como todo processo, há avanços e recuos. A medida que temos que fazer é o quanto avançou e o quanto recuou. E se a diferença entre avanço e recuo foi positiva ou negativa. Acho que estamos no azul ainda”, disse à reportagem.

Segundo ele, o livro tem a função de ser um registro histórico sobre acontecimentos que marcaram a Lava Jato para um período após “o frescor dos fatos.” “A ideia do livro é isso. É fazer um registro histórico, porque não estarei mais aqui quando este julgamento vier. É a minha voz. Meu testemunho está aí. Me julguem.”

Aposentado do MPF, Janot nega intenção de concorrer a cargo público. Ele quer dar aula e aguarda o fim da quarentena de três anos para advogar – descarta veementemente a área penal. A partir de setembro de 2020, poderá atuar nos tribunais superiores. Qual seria a recepção dos tribunais após a afirmação do futuro advogado de que, num determinado momento, ele pensou em tirar a vida de um ministro do Supremo?

Nada Menos que Tudo.

De ESTADÃO