Odebrecht montou plano para abafar a Lava Jato

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Foto: Folhapress

Eram meados de 2014 e as investigações da operação Lava Jato estavam cada vez mais perto de implicar a Odebrecht no esquema de corrupção que atingiu a Petrobras. Executivos da empresa sabiam do risco que corriam. Preocupavam-se com as contas abertas na Suíça para pagamento de propinas em favor de benefícios à empreiteira.

Marcelo Odebrecht, então presidente do grupo, e Maurício Ferro, ex-diretor jurídico do conglomerado, resolveram agir.

De acordo com investigações da PF (Polícia Federal), eles articularam um plano para tentar evitar que informações de autoridades suíças fossem utilizadas na investigação da Lava Jato no Brasil.

O plano foi detalhado pelo próprio Marcelo Odebrecht em depoimento à PF em setembro do ano passado. Incluiu uma reunião com o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a contratação de um advogado com trânsito no ministério e até o uso da influência e prestígio de um jurista ex-ministro da Justiça.

Barreiras aos suíços

A ideia da Odebrecht era convencer o governo de que o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) não deveria facilitar a colaboração suíça. O órgão é ligado ao Ministério da Justiça. É ele quem faz a intermediação de pedidos de informações a outros países para investigações no Brasil.

Cardozo negou ao UOL ter atuado em favor da Odebrecht contra a Lava Jato. Disse, aliás, que indeferiu um pedido feito pela companhia a respeito da colaboração internacional com a operação brasileira.

As informações sobre o plano da Odebrecht foram usadas pela PF para embasar a operação Pentiti, a 64ª fase da Lava Jato. Na operação, a PF incluiu como um dos investigados Maurício Ferro, que está preso desde o último dia 21.

Ferro foi um dos executivos do grupo Odebrecht que não fechou um acordo de delação premiada com a Justiça. Por conta disso, apurações sobre supostos crimes cometidos por ele seguem em curso. Ele foi detido da 63ª fase da Lava Jato, realizada em agosto.

Procurada pelo UOL, a defesa de Ferro não respondeu.

Palocci revela preocupação da Odebrecht

A primeira informação sobre o plano da empreiteira para tentar barrar o uso das informações suíças sobre contas do grupo foi revelada à PF pelo ex-ministro Antonio Palocci. Em abril de 2018, o ex-integrante de governos petistas disse em delação premiada que conversou com Marcelo Odebrecht “sobre iniciativas para impedir que dados da Suíça sobre a Odebrecht chegassem formalmente ao Brasil”.

Segundo Palocci, Marcelo lhe mostrou documentos sobre a possibilidade de barrar a colaboração das autoridades da Suíça com o Brasil.

Por conta da delação de Palocci, Marcelo Odebrecht foi convocado pela PF em setembro para dar sua versão sobre o caso.

Ele não só confirmou a tentativa de obstruir as investigações da Lava Jato, como entregou à PF emails trocados com Ferro a respeito da ação da empresa contra a colaboração internacional.

Empreiteiro confirmou plano

Marcelo disse que, logo que a Lava Jato começou a atingir grandes empreiteiras, a Odebrecht estava mobilizada para barrar a chegada de informações sobre contas suíças. “À essa altura do campeonato, o nosso tema era bloquear as informações da Suíça”, disse ele, em depoimento.

O executivo afirmou que a companhia, então, contratou o advogado Pedro Serrano, que já foi filiado ao PT e é amigo de Cardozo, com o objetivo de se aproximar do então ministro da Justiça. A ideia era que Serrano conseguisse anular a colaboração.

Serrano confirmou ao UOL sua relação pessoal com Cardozo e sua atuação em defesa da Odebrecht relacionada à colaboração da Suíça. O advogado ressaltou, contudo, que sua atuação sempre ocorreu dentro da legalidade.

“Protocolei um pedido de informação e entrei com um mandado de segurança no STJ [Superior Tribunal de Justiça]. Isso é público. Não há nada de irregular”, explicou Serrano. “Sou advogado da Odebrecht em diferentes causas desde 1992 e ainda presto serviços à empresa. Não fui contratado só por conta da Lava Jato.”

Ferro assume negociação, diz Odebrecht

Ainda segundo Marcelo Odebrecht, quem agiu de forma mais direta contra a chegada das informações sobre as contas foi Maurício Ferro. “Todos esses assuntos eram conduzidos por Maurício”, afirmou. “Quando começou a Lava Jato, eu disse a alguns executivos investigados: daqui para frente vocês se reportam para o Maurício.”

Marcelo Odebrecht entregou à PF a cópia de emails trocados com seu cunhado, que é advogado, sobre a ação da empresa a respeito das contas.

“Os emails permitem inferir que a atividade de Ferro ultrapassava limites éticos e legais da regular atividade advocatícia”, diz a PF. “Tratavam-se de articulações para buscar inviabilizar que documentos regularmente encaminhados pela Confederação Helvética viessem a ser utilizados em processos contra executivos do grupo Odebrecht.”

Ferro, acompanhado por Serrano, chegou a se reunir com Cardozo no Ministério da Justiça em fevereiro de 2015. O ex-ministro confirmou ao UOL que Ferro o procurou para falar sobre a colaboração suíça à Lava Jato.

Segundo Cardozo e Serrano, a Odebrecht queria ter acesso a documentos sobre os procedimentos seguidos para o envio das informações sobre as contas suíças. Serrano disse que, caso fossem constatadas irregularidades, provas enviadas poderiam ser anuladas. “Isso é um questão legal. Não tem nada de escuso neste pedido”, afirmou.

O pedido da Odebrecht foi indeferido pelo então ministro da Justiça. Isso, segundo ele, comprova que nada foi feito de forma irregular.

“Não há qualquer fundamento na realidade da ideia de que, no caso, o eu pudesse ter agido em obstrução à Justiça”, informou Cardozo.

Influência de ex-ministro

Ainda segundo Marcelo, a Odebrecht também tentou recorrer à influência do ex-ministro da Justiça, Marcio Thomaz Bastos, para obstruir as investigações contra a empresa. O advogado, que morreu em novembro de 2014, chegou a trabalhar na defesa da empresa no início da Lava Jato.

Bastos tinha trânsito no governo, na polícia e na Justiça.

Palocci também afirmou em delação que Bastos conversou com membros do governo sobre a operação. “E eu me lembro que ele dizia: ‘Olha, a Lava Jato vai ser a operação mais grave do ponto de vista de atingir políticos e empresas já feita no Brasil… O que está se preparando é uma operação de grande porte e com contornos excepcionalmente novos e que não vai se conseguir segurar lá na frente… Ou se faz alguma coisa agora ou não vai se conseguir fazer lá na frente…”, relatou Palocci

O plano de Odebrecht, entretanto, não teve resultados práticos. Os documentos suíços acabaram sendo mesmo enviados ao Brasil e usados em processos judiciais.

Procurada, a empresa declarou que “desde que assumiu o compromisso, em março de 2016, de fazer uma colaboração definitiva com as investigações da operação Lava Jato, a Odebrecht tem colaborado de forma permanente e eficaz com as autoridades”. Informou também que a companhia “está inteiramente transformada”, “usa as mais recomendadas normas de conformidade e segue comprometida com uma atuação ética, íntegra e transparente”.

A PF informou à Justiça que ainda precisa avançar em investigações para determinar a responsabilidade de cada um dos envolvidos no plano da Odebrecht.

Por isso, chegou a pedir buscas em endereços ligados a Ferro. As buscas foram negadas pela Justiça pois, quando o executivo foi preso, já haviam sido recolhidas possíveis provas de sua suposta atividade ilegal.

Do UOL