Por emprego, candidatos passam a noite em fila de mutirão em SP

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Foto: Felipe Rau/Estadão

O toldo de proteção contra o sol ainda estava parcialmente montado quando o primeiro candidato a uma vaga de emprego chegou no Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, na tarde de segunda-feira, 16, e começou a fila na véspera do quarto mutirão de emprego promovido pelo União Geral dos Trabalhadores (UGT), em parceria com o Sindicato dos Comerciários e o Sindicato dos Padeiros.

Alguns chegaram equipados com lençol para passar a madrugada na fila ou maquiagem para disfarçar as olheiras diante do recrutador, assim como também havia gente que descobriu no susto que o mutirão seria realizado nesta terça, 17, e resolveu ficar pelo centro para garantir uma senha que dá direito a participar da triagem de candidatos.

Por mais que o desemprego tenha recuado no segundo trimestre deste ano, o País ainda tem 3,347 milhões de pessoas em busca de emprego há dois anos ou mais, segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua.

A expectativa é oferecer 5,2 mil postos de trabalho neste mutirão, incluindo vagas temporárias de fim de ano. Entre as 42 empresas que participam estão Grupo Pão de Açúcar, Carrefour, Dia e Atento.

Há vagas no comércio, como caixa de supermercado e repositor de produtos, e no setor de erviços, como conserto de carros, limpeza e portaria. A média dos salários é de R$ 1,5 mil. A expectativa dos organizadores é atender 1,5 mil pessoas por dia até a próxima sexta-feira, 20, com distribuição de senhas a partir das 8 horas.

Estado conversou com os dez primeiros da fila na noite de segunda. A maioria perdeu o emprego quando a antiga empresa precisou cortar gastos. Confira os relatos.

José Roberto Domingos, de 50 anos, foi quem começou a fila às 13h40 de segunda-feira. O ex-segurança estava distribuindo currículos pelo centro de São Paulo e, prestes a pegar o metrô Anhangabaú para voltar para casa, em Parada de Taipas, na zona norte, decidiu passar no Sindicato dos Comerciários, a poucos passos do metrô, para se informar sobre o novo mutirão.

Ao descobrir que seria logo no dia seguinte, resolveu ficar para tentar a primeira vaga fixa desde maio de 2018, quando um corte de gastos atingiu seu emprego e passou a vender água na rua. Perguntado como faria para passar a madrugada, respondeu: “Na fé e perseverança”.

Vania Lucia da Silva, de 53 anos, e Isamar Silva Cruz, de 30, são amigas de mutirão desde março deste ano, quando se conheceram no feirão de emprego que reuniu cerca de 15 mil pessoas no Vale do Anhangabaú.

“Estou me sentindo até em um hotel cinco estrelas”, disse Vania sobre o fato de, desta vez, haver um toldo de proteção contra o sol e uma grade para organizar a fila de candidatos. Ela, que era auxiliar de cozinha em uma creche até o último mês de agosto, disse que levava cerca de R$ 2 na carteira para tomar um café durante a madrugada e esperava encontrar uma vaga na área de serviços gerais.

Isamar, que está há 10 meses à procura de emprego, levou um lençol para aguentar a espera. A fábrica de brinquedos em Guarulhos onde trabalhava como auxiliar de produção demitiu 30 trabalhadores e desde então não tem trabalho fixo. Agora, busca um posto de ajudante-geral.

André Luiz Lau, de 43 anos, era office boy em uma entidade filantrópica de apoio a crianças com câncer. Era o responsável por passar na casa dos doadores e receber os donativos até que, por um corte de gastos, foi mandado embora em 2018.

Os irmãos Gabriel e Ester Passos Duarte Gois, de 22 e 20 anos respectivamente, estão em busca do primeiro emprego de carteira assinada. “Se a gente vier cedo, mostra que estamos batalhando por uma vaga”, acredita Gabriel.

Ele já trabalhou na loja de sapatos infantis do pai como vendedor e estoquista. Mas, com a queda nas vendas, quer algo fixo, na área de auxiliar-administrativo. Ester quer ser caixa ou atendente.

Elton Cristian Comissário, de 41 anos, está acostumado a não dormir durante a madrugada. Ex-controlador de acesso, saiu há cinco anos do emprego porque a carga de 12 horas de trabalho o impedia de ficar com a família e estudar. Tentou ganhar dinheiro como “marido de aluguel” autônomo, fazendo reparos em instalações domésticas, mas seus clientes foram rareando. Topa todo tipo de emprego, menos nas áreas administrativa ou vendas, pois não têm experiência.

Soube do mutirão por mensagens de WhatsApp e se certificou no site oficial da UGT de que não se tratava de nenhuma fake news. “Às vezes, aparecem anúncios de emprego no Facebook que fazem o seu olho brilhar. Mas quando você vai ver, é para se cadastrar em site ou é só propaganda.”

Cleide Ferreira, de 46 anos, era operadora de loja até fevereiro deste ano: “Chegou o meu dia e fui demitida”. No última mutirão ela não chegou a tempo de pegar uma senha, por isso, quando descobriu dois dias atrás que um novo mutirão estava marcado, resolveu garantir seu lugar com muita antecedência.

Rodrigo Santos Pereira da Silva, de 37 anos, espera ser “ex-desempregado” na próxima vez em que for entrevistado. Atualmente, ele é ex-fiscal de prevenção e perda de supermercado e quer um novo emprego na área ou uma vaga como auxiliar de produção.

Anderson Chagas, de 28 anos, disse que chegou cedo para pelo menos ter uma chance de se apresentar para as empresas. Como ia passar a madrugada na fila, foi equipado com maquiagem para esconder as olheiras na hora da entrevista. Chagas, que é artista visual de formação, topa cargos fora da sua área. “O desespero é tão grande que qualquer trabalho é bem-vindo. Não estou sendo exigente.”

Do Estadão