Adriano Machado/Reuters

Professores derrubam censura de Doria a livros

Todos os posts, Últimas notícias
Adriano Machado/Reuters
Adriano Machado/Reuters

A justiça determinou nesta terça-feira (10), por meio de decisão liminar, a suspensão do recolhimento das apostilas de ciências dos alunos do 8º ano do Ensino Fundamental da rede estadual de São Paulo. O material didático foi recolhido na última terça-feira (3) a pedido do governador João Doria (PSDB) que considerou o conteúdo da apostila como uma “apologia à ideologia de gênero”.

A decisão julgou uma ação popular proposta por um coletivo formado por professores e pesquisadores de universidades públicas do estado de São Paulo contra Doria, a qual pedia a anulação do ato do governador que mandou recolher o material.

A apostila explica os conceitos de sexo biológico, identidade de gênero e orientação sexual. Também traz orientações sobre gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.

A juíza Paula Fernanda de Souza considerou o pedido de liminar procedente e determinou a suspensão do recolhimento das apostilas. Com relação ao material que já havia sido recolhido, a decisão determinou que as apostilas devem ser conservadas e devolvidas aos estudantes dentro do prazo de 48 horas. Em caso de descumprimento, o governo poderá pagar multa.

“Não há dúvidas que a retirada do material suprimiria conteúdo de apoio de todo o bimestre de diversas áreas do conhecimento humano aos alunos do oitavo ano da rede pública, com concreto prejuízo ao aprendizado”, disse a juíza em sua decisão.

Além disso, a decisão também considerou que “a lesão ao patrimônio público e ao erário estão suficientemente demonstradas, eis que o caderno foi distribuído a todos os alunos da rede pública (cerca de 330 mil apostilas), com evidente custos aos cofres estaduais, após regular aprovação dos órgãos estatais responsáveis”.

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo disse que não foi notificada sobre a decisão do Tribunal de Justiça. Disse ainda que “recolheu o material em questão por entender que a abordagem ‘ninguém nasce homem nem mulher’ expressa na apostila é equivocada por não apresentar fundamentação cientifica”.

Recolhimento

O recolhimento das apostilas foi determinado nessa terça (3) pelo governador João Dória. “Fomos alertados de um erro inaceitável no material escolar dos alunos do 8º ano da rede estadual. Solicitei ao Secretário de Educação o imediato recolhimento do material e apuração dos responsáveis. Não concordamos e nem aceitamos apologia à ideologia de gênero”, escreveu Doria pelo Twitter.

Em nota, a Secretaria de Educação de São Paulo argumentou que o termo “identidade de gênero” estaria em desacordo com a Base Nacional Comum Curricular do MEC e com o Novo Currículo Paulista aprovado em agosto, e que a apostila é complementar aos estudos dos alunos.

Em 2017, o Ministério da Educação tirou o termo “orientação sexual” da terceira e última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino infantil e fundamental, que passou a valer em 2019. De acordo com o documento, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiria orientações específicas sobre orientação sexual e identidade de gênero.

Para a professora FGV Cláudia Costin e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais (CEIPE), “[A base] não só não menciona, mas ela não proíbe. Ao traduzir a base em currículos estaduais, os currículos podem ou não introduzir uma questão sobre isso, o que não impede que professores ou até escolas abordem o tema.”

Ideologia de gênero

O termo “ideologia de gênero” utilizado pelo governador João Doria surgiu na década de 90 e início dos anos 2000 em uma ala conservadora da Igreja Católica, segundo o Centro de Estudos Multidisciplinares Avançados da Universidade de Brasília (UnB).

O termo foi formulado como uma reação ao feminismo por grupos neofundamentalistas católicos, segundo os quais a luta feminista atinge a tradicional família cristã. Mas, de acordo com a UnB, o termo contraria, inclusive, disposições do Concílio Vaticano II, quando vários temas da Igreja Católica foram regulamentados na década de 1960.

Depois, em 2000, a expressão aparece em documento da Cúria Romana, com a publicação de “Família, Matrimônio e Uniões de fato”.

O termo não é reconhecido pelo mundo acadêmico. A expressão é utilizada por conservadores contrários aos estudos de gênero iniciados entre décadas de 1960 e 1970 que buscavam a diferença entre o sexo biológico e o gênero na Europa e nos Estados Unidos.

Para esses estudiosos, ser um homem ou uma mulher não depende apenas da genitália ou dos cromossomos, mas de padrões culturais e comportamentais. Tais padrões, segundo os teóricos da área, são adquiridos na vida em sociedade. Já os grupos conservadores consideram que as conclusões desses estudos sobre o gênero não obtiveram validação das ciências exatas e biológicas.

MP investiga

O Ministério Público de São Paulo instaurou um inquérito na última quarta-feira (4) para apurar o recolhimento das apostilas. A promotoria apura a possível violação do direito à educação e aos princípios constitucionais do ensino, além de eventual lesão ao erário.

O MP enviará um ofício à Unidade de Atendimento aos Órgãos de Controle Externo questionando sobre os fundamentos jurídicos para o recolhimento das apostilas e se os docentes da rede e órgão colegiados de gestão democrática foram consultados antes da ação ser realizada.

Além disso, a promotoria também solicitará informações a respeito dos valores pagos para edição, impressão, distribuição e armazenamento das citadas apostilas, especificando as empresas contratadas ou setores da administração pública mobilizados para a realização de tais atividades.

Em nota, a Secretaria Estadual da Educação informou que “está à disposição do Ministério Público Estadual para prestar todos os esclarecimentos necessários”.

De G1