Trump mandou Bolsonaro apresentar resolução contra Maduro

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Foto: reuters

O governo de Jair Bolsonaro foi solicitado pela Casa Branca a apresentar uma resolução contra o regime de Nicolas Maduro, na ONU. A ideia é de que seja criada uma investigação internacional para examinar os responsáveis por crimes na Venezuela, ampliando a pressão sobre Caracas.

Entre membros do governo contrários à decisão do Brasil de acatar o pedido americano, o gesto americano foi interpretado como uma verdadeira “instrução” que o novo Itamaraty teria de cumprir diante das relações entre a Casa Branca e o Planalto. Procurado pela reportagem, o Itamaraty se manteve em silêncio.

O projeto irá à votação na semana que vem. Até hoje, apenas países como Coreia do Norte, Síria Mianmar, Sudão ou Burundi foram alvos de mecanismos similares e, na prática, o mecanismo coloca a crise venezuelana em um novo patamar de pressão.

Mas a ideia conta com uma forte resistência da Rússia, China e mesmo países latino-americanos, enquanto governos europeus preferem uma estratégia menos ofensiva contra Maduro.

O UOL apurou com quatro fontes diferentes do governo brasileiro que a ideia teve origem no Departamento de Estado norte-americano, solicitando que o projeto fosse abraçado pelo Brasil e outros países sul-americanos, o que acabou ocorrendo.

O Itamaraty, então, transformou com o governo do Peru em uma iniciativa do Grupo de Lima. Nem todos os latino-americanos, porém, aceitaram. Uruguai e Equador, por exemplo, se recusaram a se somar à iniciativa, enquanto o México e Cuba também alertaram que não apoiariam.

Sem um assento no Conselho de Direitos Humanos da ONU, o governo de Donald Trump foi buscar entre os membros do órgão governos que poderiam encampar a proposta, cujo objetivo é o de enquadrar o regime de Maduro em termos de violações de direitos humanos.

Tradicionalmente, a Casa Branca se utilizou de governos frágeis como o da Guatemala e do Paraguai para apresentar projetos de resolução na ONU que fossem de seu interesse. A meta, na maioria das vezes, era a de dar um sinal de que apresenta proposta vinha “da própria região”.

Desta vez, o canal utilizado foi a diplomacia brasileira que, desde o início do governo Bolsonaro, se mostrou alinhada com os interesses do Departamento de Estado. Para diplomatas estrangeiros, a influência de Washington é “reveladora” da nova fase da política externa brasileira e demonstraria uma nova forma de atuação do Brasil nos fóruns internacionais.

Ao longo dos últimos sete meses, o chanceler Ernesto Araújo fez seis visitas aos EUA, uma frequência que tem chamado a atenção de diplomacias em outras partes do mundo.

Observadores alertam que uma eventual derrota do projeto no momento da votação, porém, se transformaria em um custo político apenas para o Brasil, e não para o governo americano.

Ao UOL, o chanceler venezuelano, Jorge Arreaza, declarou que o Brasil estava demonstrando “submissão total” aos interesses de Trump.

Negociação

O projeto “brasileiro” passou a ser alvo de uma negociação desde sexta-feira. Numa reunião na ONU na semana passada, em que o UOL esteve presente, o racha na comunidade internacional ficou claro.

Uruguai, Equador, Cuba e México alertaram que são contrários à iniciativa, apontando que a criação da investigação internacional poderia isolar ainda mais o governo Maduro e levar Caracas a romper a cooperação que hoje existe com a ONU para monitorar a situação de direitos humanos.

Desde meados do ano, a ONU conta com a autorização de Maduro para ter um escritório que observe as violações de direitos humanos no país, um apelo que era feito pela entidade por quatro anos.

O temor é de que, se houver uma aprovação do novo texto com a criação de uma investigação internacional, Maduro poderia simplesmente fechar o escritório da ONU e, ainda, não permitir a entrada da missão internacional proposta pelo Brasil.

“Se vocês querem mesmo contribuir para a normalização, precisamos buscar formas de diálogo”, disse a delegação russa, chancelada pela China.

O processo continuou nesta segunda-feira, uma vez mais com um choque frontal entre os aliados de Maduro e os aliados de Trump. Enquanto a negociação ocorria, representantes de Juan Guaidó estavam na sala.

Ao tomar a palavra, os russos pediram que os governos fossem “cuidadosos” com o impacto do texto que irão eventualmente aprovar e que espaço fosse deixado para os esforços da Noruega em tentar uma aproximação entre Maduro e Guaidó. “Será que necessitamos isso?”, questionou. Moscou alertou que um exemplo de como uma investigação internacional não ajuda é o caso de Mianmar, também alvo de um mecanismo similar.

Em resposta, a delegação peruana alertou que aquele não era o local para falar da situação política. Mas sim de direitos humanos.

Moscou retrucou. “Não podemos separar a situação política da situação de direitos humanos”, alertou. Para o Kremlin, existe o risco de que o projeto acabe “arruinando” a possibilidade de diálogo entre as partes no conflito. “Se quiserem resultados, pensem”, afirmou a delegação russa.

O governo do Uruguai também pediu a palavra para advertir que não acreditava que esse seria o momento para aprovar tal projeto. Segundo Montevidéu, a ONU acaba de ganhar acesso na Venezuela e precisaria de mais tempo para avaliar o que de fato está ocorrendo. 
Além disso, os uruguaios alertam que o últimos relatório da alta comissária da ONU para Direitos Humanos, Michelle Bachelet, tal mecanismo sugerido pelo Brasil não é proposto.

A resistência também vem da UE, que alerta para o impacto da criação da investigação internacional. A sugestão de Bruxelas é de que Bachelet seja convidada a apresentar uma atualização sobre a situação na Venezuela, antes da conclusão do ano de 2019. A UE também defende que haja uma missão específica para avaliar execuções sumárias no país.

Apenas se não houver uma cooperação por parte dos venezuelanos é que, então, a ONU deveria criar uma investigação internacional.

O governo da África do Sul também mostrou sua resistência ao projeto, alertando para o risco que tal gesto representaria para a missão da ONU já presente na Venezuela.

Do UOL