Jardiel Carvalho /Folhapress

A central de fake news de Bolsonaro em SP

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O deputado estadual paulista Gil Diniz (PSL), conhecido como Carteiro Reaça, montou uma central de fabricação e distribuição de dossiês e memes (montagens com fotos e textos) apócrifos para atacar adversários. Diniz é considerado o braço direito da família Bolsonaro em São Paulo.

Folha teve acesso a conversas de um grupo de WhatsApp, chamado de “Gabinete Gil Diniz”, em que o então deputado eleito orienta e discute com auxiliares a confecção das peças.

As mensagens obtidas pelo jornal foram trocadas no período em que antecedeu a eleição para a Mesa Diretora da Assembleia, em 15 de março deste ano, mesma data em que o parlamentar tomou posse.

Os deputados Cauê Macris (PSDB) e Janaina Paschoal (PSL), correligionária do Carteiro Reaça, concorreram na eleição, vencida pelo tucano. “Amigo meu fez agora pouco, se alguém quiser usar nas redes, ajuda muito”, afirma Diniz em uma mensagem, referindo-se a alguns memes.

Numa das montagens, aparece o tucano Macris discursando com bandeiras do PT ao fundo e o slogan #MacrisNão. Em outra, o adversário de Janaina foi amarrado por Fred Jones, personagem fictício do desenho animado Scooby-Doo. Com cara de reprovação, Fred segura a prova do “crime”: uma bandeira do PT.

Na sequência, Bruno Costa de Jesus, que após a posse do deputado seria nomeado secretário especial do gabinete, responde: “Ótimo, vamos viralizar”. Sonaira Fernandes de Santana, também futura funcionária do parlamentar, afirma: “legal!”.

No dia 12 de fevereiro, Gil Diniz repassa para a equipe uma imagem do governador João Doria (PSDB) na qual também há referências a aliança de PT e PSDB na disputa pelo comando da Assembleia.

O deputado eleito comenta: “Pessoal, precisamos criar mais material assim”. Bruno Jesus responde: “Esse material é de suma importância nesse momento”. Uma outra pessoa, identificada como Gaúcho 2, diz: “Podexa”. Gaúcho 2 é Diego Martins dos Santos, o artista gráfico que produz os memes.

Três dias depois da eleição, Gaúcho foi contratado para trabalhar no gabinete do deputado Diniz como auxiliar parlamentar. Ficou apenas um mês no cargo e recebeu R$ 3.699,06 de remuneração.

Em entrevista à Folha, Gaúcho confirma que trabalhou para o deputado. “Trabalhei auxiliando eles no que eles me pediam”, disse. “Conforme eles pediam alguma ação, eu fazia para eles, entendeu?”.

Gaúcho admitiu que recebia demandas para fazer montagens contra adversários de Gil Diniz. “Foi exatamente isso que aconteceu”, disse. “Só que nem sempre, na verdade, que eu saiba, nenhuma das artes, a princípio, foi ao ar”, afirmou. “Normalmente era eles que pediam para eu fazer [as montagens].”

Gaúcho diz que fez montagens, mas nega que tenha divulgado o material.

Outra pessoa que atuou ativamente nas conversas com o deputado é Felipe Carmona Cantera, que hoje é assistente especial de Diniz. Em uma mensagem, afirma que precisa de um prazo maior para concluir suas investigações. Na sequência sugere que Diniz, “por conta do tempo”, faça duas versões de “você conhece Cauê Macris?”, montagem que foi distribuída nas redes sociais.

“A primeira é essa que já passei, e a próxima edição seria sobre os doadores”, afirma. Sonaira Santana, responde: “Vou te ligar de um telefone final 8068”. Em outro momento, Bruno Jesus diz para o deputado: “tem uns [memes] que são bens pesados, ótimo para mostrar as tramoias de modo que o povo entenda”.

Outro alvo do Carteiro Reaça, de acordo com as conversas obtidas pela Folha, era o deputado estadual Enio Tatto (PT), que disputava com Major Meca (PSL) a eleição para a 1ª secretaria da Assembleia.

“Tenta montar alguma coisa no sentido de Major Mecca x Enio Tatto”, pede a Gaúcho, que responde “ok”. Num dos memes surge o ex-presidente Lula, ao lado de Tatto, e a seguinte frase: “Tatto é como eu. Eu apoio!”.

Gildevânio Diniz ganhou o apelido de “Carteiro Reaça” dos colegas dos Correios, onde trabalhava, por conta do jeito contestador e das críticas ao que chamava de “aparelhamento estatal do PT”. Os amigos criaram uma página para o personagem no Facebook e deram para Diniz administrar. Em 2015, com a popularidade crescente, passou a assessorar o deputado federal Eduardo Bolsonaro.

Na semana passada, Diniz foi acusado por Alexandre Junqueira, um ex-assessor do seu gabinete na Assembleia, de cobrar de seus funcionários a devolução de parte da remuneração. A prática é conhecida como “rachadinha”. Diniz afirmou à Folha que a acusação é falsa e que foi feita por um ex-assessor que foi exonerado por não se adequar à rotina do gabinete.

“É importante notar que este ataque surge quando coloquei meu nome à disposição para a disputa pela Prefeitura de São Paulo”, declarou. O Ministério Público abriu uma investigação sobre o caso.

A deputada federal Joice Hasselmann (PSL) tem denunciado o uso de uma estrutura sediada no Palácio do Planalto para coordenar “milícias digitais” usadas contra desafetos do governo. Ela diz que essa rede, que passou a tê-la como alvo e seria chefiada pelos filhos de Bolsonaro, teria 20 perfis no Instagram alimentando uma rede de cerca de 1.500 páginas.

O presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Cauê Macris, disse que o nível da disputa para a presidência da Casa “foi um dos mais baixos da história”, mas que, após a vitória na eleição, “colocou uma pedra sobre o assunto”.

OUTRO LADO

Folha procurou a assessoria de Gil Diniz para obter um posicionamento do deputado e de seus assessores.

Em nota, ele disse que até o dia 15 de março não havia nenhum funcionário lotado no gabinete.

“Os fatos relatados durante a disputa pela presidência da Alesp ocorreram em fevereiro. A nomeação se deu apenas em 18 de março. As ações durante a disputa da presidência, portanto, foram feitas de maneira voluntária”, afirmou.

Sobre as montagens contra os adversários, o deputado disse que “até o presente momento não fomos informados de que a produção de memes representa alguma modalidade de crime, ainda mais quando produzidos de forma voluntária e distribuído entre amigos”.

O parlamentar também disse que encaminhou uma representação contra o deputado Cauê Macris ao Ministério Público. “Isso ocorreu em fevereiro, e foi amplamente noticiado pela imprensa.”

FSP