A volta por cima da esquerda

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Foto: Patricia de Melo Miranda

A geringonça que levou António Costa ao cargo de primeiro-ministro de Portugal parece ter rendido frutos.

O acordo do Partido Socialista com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista recebeu esse curioso nome devido ao ceticismo geral dos portugueses com as chances de sucesso do arranjo, fechado após o último pleito, em 2015.

Quatro anos mais tarde, os resultados das eleições realizadas neste domingo (6) mostram que as intensas negociações entre os membros da coalizão valeram a pena.

“Os portugueses gostaram da geringonça… é verdade, gostaram mesmo. E desejam a continuidade da atual solução política agora com um PS mais forte”, disse Costa.

O seu Partido Socialista, de centro-esquerda, deve se manter no poder —conquistou 20 cadeiras a mais, somando 106. Ainda precisará formar uma coalizão com outras legendas, e, por isso, há chances de a geringonça voltar à cena.

A ultraesquerda, no entanto, pode virar um empecilho. Os partidos vêm pedindo mais investimento público e acusam Costa de ter se aproximado da direita.

Os líderes do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português se disseram abertos a repetir a aliança e a apoiar o nome de Costa para seguir como primeiro-ministro. Como condição, pedem que se comprometa a melhorar a vida dos trabalhadores.

“Não há obstáculos para o presidente apontar o premiê [Costa] e o governo ser formado e começar a trabalhar”, afirmou Jerónimo de Souza, líder dos comunistas. “Firmaremos nossa posição dependendo das escolhas do Partido Socialista, nos instrumentos orçamentários e nos conteúdos das propostas legislativas.”

O partido do primeiro-ministro foi impulsionado nas urnas pela recuperação econômica de Portugal. Em 2011, o país sofria com os reflexos da crise financeira global de 2008. O então premiê, José Sócrates, recorreu ao FMI (Fundo Monetário Internacional) e à União Europeia e fechou um acordo de 78 milhões de euros.

Em 2013, o desemprego bateu recorde e chegou a 17,5%. —o maior índice registrado pelo Brasil nos últimos dez anos é de 12,7%, em 2017, e atualmente está em 11,8%.

Quando assumiu, em 2015, Costa foi na contramão da austeridade aplicada por Grécia e Irlanda: reverteu cortes nos salários e pensões e ofereceu incentivos às empresas.

Atualmente, o desemprego está em 6,3% e o PIB registrou crescimento nos últimos quatro anos acima da média dos países da União Europeia.

Um escândalo envolvendo o ex-ministro da Defesa não comprometeu o sucesso eleitoral do partido de Costa. José Azeredo Lopes foi indiciado por ter ajudado a encobrir responsabilidades em um roubo de armas do Exército, em 2017.

O caso foi explorado por candidatos da oposição, que acusa os socialistas de envolvimento em esquemas de corrupção envolvendo licitações e contratações de familiares.

O Partido Social Democrata (PPD-PSD), principal legenda da oposição, conquistou o segundo maior número de cadeiras no Parlamento —embora tenha perdido 12, ficou com 77.

A onda de popularidade dos partidos ecológicos na Europa também se refletiu nos resultados do pleito. O Pessoas – Animais – Natureza (PAN), que também integrou a geringonça, cresceu e conquistou mais três cadeiras, totalizando quatro.

“É um resultado muito bom. Ainda gostaria que fosse melhor, porque o país precisa agir mais rapidamente para enfrentar a emergência climática”, disse Paulo Santos, 43, um apoiador que participava do comício do partido após o fechamento das urnas.

Ainda na esteira da tendência europeia, o Chega, de ultradireita, conquistou um assento. Entre suas propostas estão eliminar o cargo de premiê, permitir a prisão perpétua e a castração química de pedófilos,e extinguir o Ministério da Educação.

A eleição também fez vítimas. Assunção Cristas, líder da legenda de direita CDS-Partido Popular, anunciou que renunciará ao cargo. Os direitistas, que tinham 18 cadeiras, devem ficar com cinco.

“Durante quatro anos, o CDS foi uma oposição forte e construtiva a um governo socialista […]. Muitas vezes sentimos que fomos uma voz isolada no Parlamento. Construímos um projeto alternativo para o país que, claramente não foi escolhido nestas eleições”, disse a apoiadores.

CANDIDATA NEGRA GANHA ASSENTO NO PARLAMENTO
Joacine Katar Moreira, primeira mulher negra a se candidatar a premiê de Portugal, conquistou um lugar no Parlamento. Assim como ela, que é do Livre, representantes de outras siglas pequenas, como Chega! e Iniciativa Liberal também conquistaram assentos.

Da FSP