Auditor fiscal preso distribuiu arquivos da Lava Jato

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Foto: Wilton Junior/Estadão Conteúdo

 

Preso na Operação Armadeira, o auditor fiscal Marco Aurélio Canal relatou temer por sua segurança após ter seu nome divulgado pelo ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), no caso de dossiês sobre autoridades.

Para se proteger, ele disse ter gravado documentos sigilosos da Receita Federal e distribuído a amigos e familiares para o caso de algo ocorrer com ele. O objetivo era que seu trabalho na Operação Lava Jato fosse preservado em caso de algum ato violento.

A informação consta de uma escuta telefônica sigilosa feita pela Polícia Federal com autorização judicial, cuja transcrição a Folha teve acesso. Agentes viram no compartilhamento dos arquivos uma possibilidade de vazamento de informações sigilosas.

“Importante ressaltar que Canal fala ter feito backup de tudo relativo à Lava Jato e enviado para quatro pessoas, sendo estas do trabalho e da família. Pelo exposto, entendemos ser de extrema importância a busca de tais backups e a identificação dos que os guardam, uma vez que em mão alheias poderiam gerar uma série de vazamentos”, afirma a informação policial.

Ex-supervisor nacional da Equipe Especial de Programação da Lava Jato (grupo responsável por aplicar multas aos acusados da operação por sonegação fiscal), Canal foi preso na quarta (2) sob suspeita de pedir propina a investigados para evitar a aplicação de sanções tributárias.

O auditor se tornou pivô da polêmica entre Gilmar e a força-tarefa da Lava Jato fluminense após seu nome ser identificado como destinatário dos documentos produzidos sobre o ministro, seus familiares e outras 133 autoridades.

Embora não atuasse nas investigações, mas sim nas autuações contra os alvos após as operações, seu envolvimento no caso levou o ministro a afirmar que a Receita fora usada pelos procuradores para investigá-lo irregularmente.

Canal passou a ser alvo de investigações em dezembro de 2018, antes de ter o nome ligado ao caso dos dossiês, o que ocorreu em fevereiro deste ano. A conversa relatada pela PF ocorreu em julho, logo após uma entrevista do ministro à GloboNews. Nela, Gilmar cita o nome de Canal e dá a entender que ele atuara a mando de procuradores.

O auditor fiscal conversou sobre o tema com o ex-cunhado Carlos Elias Gonçalves, juiz em Teresópolis.

“Tô na operação [Lava Jato] desde o início. Ele expôs o meu nome que tava incógnito até então. […] As pessoas que a gente mexe de núcleo político é pesado. Tu mexe com o PMDB [hoje MDB] do Rio. […] Eu não tô mais oculto no papel das operações. E eu tô muito preocupado porque já morreu muita gente ligada a essa operação e, sei lá”, disse o auditor, segundo a transcrição da PF.

“Então eu tomei uma medida. Eu [fiz] backup [de] tudo. Todas essas incidências. Tudo desse trabalho Lava Jato. Essas incidências também embora não tenha participado diretamente”, afirmou Canal, sem deixar claro se fazia referência aos documentos sobre as 134 autoridades, entre elas Gilmar.

Ele afirmou ter repassado os documentos a quatro pessoas, entre familiares e amigos do trabalho. O diálogo sugere que o objetivo é preservar o trabalho caso ele seja alvo de algum atentado.

“Se acontecer alguma coisa comigo cara, orientar imprensa, Polícia Federal, de você orientar de como fazer uma comunicação desses fatos, porque de certa forma a Receita não dá, como vocês têm, proteção. […] Não dá nem proteção institucional, tá todo mundo preocupado com a própria cadeira”, afirmou o auditor.

“Eu acho que alguém tá dando é a minha cabeça”, afirmou ele.

Canal também relata sua versão sobre o vazamento dos dados do ministro. Segundo ele conta ao ex-cunhado, os dados saíram da Receita por engano –versão semelhante à oficial.

“O colega errou. O colega da execução abriu o sigilo do dossiê de programação confundindo com um dossiê de atendimento e o contribuinte diligenciado teve acesso à informação. Foi um erro. Ele abriu o sigilo do processo errado. […] Mas não foi de dolo, porque teve acesso à análise. Se alguém de dentro quisesse vazar teve acesso à análise, não precisava ele se registrar dessa maneira. É um bom fiscal cara, um moleque bom. E assim, cometeu esse erro”, disse ele.

O ex-supervisor é suspeito de ter cobrado uma propina de R$ 4 milhões a dirigentes da Fetranspor (federação das empresas de ônibus do Rio de Janeiro) e 50 mil euros a Ricardo Rodrigues, acusado de fraudar fundos de pensão que se tornou delator.

O advogado Fernando Martins, responsável pela defesa de Canal, não quis comentar a gravação. Ele reafirmou que a prisão de seu cliente é ilegal.

“Trata-se de mais uma prisão ilegal praticada no âmbito da denominada Operação Lava Jato, eis que de viés exclusivamente político, atribuindo a Marco Canal responsabilidades e condutas estranhas a sua atribuição funcional e pautada exclusivamente em supostas informações obtidas através de ‘ouvi dizer’ de delatores”, afirmou o advogado, em nota.

Folha