Bolsonaro se sustenta no populismo virtual

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Foto: Sérgio Lima/Poder360

Em entrevista ao Estado, o presidente Jair Bolsonaro garantiu que a gestão da economia em seu governo “é 100% com Guedes” (referência ao seu ministro da Economia, Paulo Guedes), depois de dizer que não pode nem pretende interferir nessa área. No entanto, Bolsonaro informou que às vezes dá “sugestões” a seu ministro, transmitindo a Paulo Guedes o que o presidente chamou de “anseio popular”.

Esse “anseio popular”, segundo Bolsonaro, é medido pelo que ele capta “nas mídias sociais”, que diz consultar madrugada adentro. Quando se depara com alguma recomendação ou reclamação que considera pertinente, o presidente conta que imprime a mensagem e a envia a Paulo Guedes – e então “o ministro dá uma satisfação”.

Sabe-se, desde a época da campanha eleitoral, que o presidente Bolsonaro não tem familiaridade com os temas mais importantes da economia, deixando essas questões sob responsabilidade de Paulo Guedes.

Uma vez no exercício da Presidência, contudo, é imprescindível que Bolsonaro lidere seus ministros na direção do programa vencedor nas urnas – pois, afinal, foi ele o eleito com quase 56 milhões de votos, e não seus auxiliares. Por isso é natural que o presidente considere necessário nortear até mesmo o ministro que “é 100%” gestor de sua área, como é o caso de Paulo Guedes.

Dito isso, preocupa o modo como o presidente Bolsonaro escolheu interferir na administração da área econômica. Com naturalidade, Bolsonaro admite que dá atenção a manifestações de seus seguidores nas redes sociais e que são essas manifestações que orientam suas decisões ou observações a respeito da condução da economia – o presidente chega a encaminhar ao ministro Paulo Guedes as mensagens que leu na internet, cobrando providências.

Na entrevista, Bolsonaro disse que não consegue mais sair às ruas para sentir o pulso da população, como fazia quando era deputado federal. Mesmo que o fizesse, contudo, muito dificilmente teria condições, nesse contato, de perceber o real “anseio popular”, pois algumas dezenas de admiradores não representam o conjunto dos brasileiros.

É claro que, de tempos em tempos, o dirigente deve deixar o perímetro de seu gabinete para auscultar o povo que governa, mas numa sociedade complexa e multifacetada como a brasileira não é recomendável que uma simples conversa com eleitores se converta em política de Estado, pois é óbvio que esses eleitores são apenas uma fração do todo nacional.

Essa limitação é ainda mais evidente nas ruas virtuais, isto é, nas redes sociais. Ali, as rachaduras da sociedade se tornam explícitas, sem qualquer hipótese de conciliação de pontos de vista divergentes. Hooligans políticos nutrem entre si profundo ódio, como se a existência de um dos grupos dependesse da aniquilação dos outros. A democracia é simplesmente irrealizável num ambiente com tal animosidade.

É evidente, assim, que os arroubos de militantes virtuais não podem ser levados em consideração por aqueles sobre quem recai a responsabilidade de governar para todos. Políticas públicas formuladas ao sabor da gritaria nas redes sociais se prestam a saciar os extremistas, mas dificilmente cumprirão sua função de resolver os problemas do País.

Quando um presidente da República admite que não apenas dá ouvidos ao que se diz nas virulentas redes sociais, como espera que seus mais importantes ministros levem em conta as demandas daí originadas, constata-se a emergência de um novo tipo de populismo.

No lugar das antigas massas manipuladas pelo líder populista, surgem as raivosas hostes virtuais que, malgrado minoritárias e sem mandato, se julgam presentes no Palácio do Planalto.

Cabe ao presidente da República, bem como às demais instituições republicanas, proteger o edifício democrático da ameaça representada por esse populismo virtual.

Para isso, é preciso valorizar os mecanismos de representação política – os únicos capazes de traduzir os interesses de todos os brasileiros – e tomar decisões de Estado com base exclusivamente na realidade, e não na algaravia irresponsável dos manifestantes de Twitter.

Do Estadão