Campanha de ministro foi irregular, diz dirigente do PSL

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Uma dirigente do PSL de Minas Gerais afirmou em depoimento à Polícia Federal que gastos de campanha do hoje ministro Marcelo Álvaro Antônio (Turismo) foram pagos por meio de dinheiro vivo entregue a ela dentro de uma caixa branca da grife Lacoste a dois dias da eleição de 2018.

Ivanete Maria da Silva Nogueira —vice-presidente da sigla em Conselheiro Lafaiete, a cerca de 100 km de Belo Horizonte— falou à PF em duas ocasiões, a segunda em 27 de agosto, quando entregou documentos de comprovação da contratação em 2018 de panfleteiros e de um salão para o lançamento, na região, da então campanha de Álvaro Antônio a deputado federal.

Segundo ela, um assessor do ministro não quis receber os recibos dos serviços prestados. De acordo com as investigações, nenhum desses casos figura na prestação de contas entregue à Justiça pelo ministro ou pelo PSL.

Os depoimentos de Ivanete fazem parte do inquérito e agora estão com a Promotoria e com a Justiça de Minas —que decretou segredo de Justiça sobre o caso.

Álvaro Antônio foi indiciado e denunciado nas apurações das candidaturas laranjas do PSL sob a acusação de três crimes. O esquema foi revelado pela Folha em fevereiro.

A PF sugeriu a abertura de um novo inquérito para apurar a suspeita específica de caixa dois na campanha do ministro. O relato da dirigente do PSL é um dos indícios que a polícia coletou para esse pedido da segunda apuração. Cabe ao promotor do caso, Fernando Ferreira Abreu, requisitar formalmente essa investigação.

No depoimento, Ivanete afirma que contratou vários panfleteiros para as campanhas de Álvaro Antônio e de Celton Mesquita, candidato a deputado estadual.

Além disso, diz que promoveu a reunião de abertura da campanha dos dois em 10 de setembro. A dirigente apresentou fotos do evento com a presença do hoje ministro e o contrato feito em nome e com o CNPJ de sua campanha.

Segundo Ivanete, Álvaro Antônio afirmou a ela, pessoalmente, “que todas as tratativas referentes ao pagamento da campanha seriam realizadas com Jandir, seu assessor”, em referência a Jandir Vieira Siqueira, hoje membro do diretório estadual do partido.

“No dia 5 de outubro de 2018 [dois dias antes da eleição], Jandir entregou à declarante a quantia de R$ 17 mil em dinheiro […] A quantia estava guardada em uma caixa branca da marca Lacoste”, afirma trecho da transcrição do depoimento.

Ainda segundo Ivanete, ela entrou em contato com Jandir, após as eleições, “para entregar os recibos do pessoal que havia trabalhado na campanha de Marcelo, mas Jandir disse que não precisava e que estava tudo ok. […] Depois disso, Jandir não atendeu mais as ligações”.

A dirigente disse que a entrega do dinheiro foi testemunhada por um irmão do ministro, Ricardo, uma assessora do gabinete dele, de nome Gricielly, e por Mateus Von Rondon, hoje assessor especial do ministro, também indiciado e denunciado na investigação do laranjal do PSL.

Nenhuma das pessoas que receberam pelo serviço figura na prestação de contas dos candidatos ou na do PSL-MG, segundo a investigação.

Em uma das fotos apresentadas pela dirigente para comprovar seu relato aparece Jandir, o assessor de Álvaro Antônio, que, segundo ela, fez o pagamento na caixa da Lacoste.

A depoente afirmou ainda que ficou sem receber pela intermediação do serviço prestado, mesma situação de outras duas pessoas, segundo ela. A contratação de Ivanete também não aparece nas prestações de conta.

A segunda investigação sugerida pela PF tem também como base outros elementos encontrados ao longo da primeira fase da apuração.

Entre eles, há uma planilha que lista pagamentos recebidos por serviços eleitorais em que aparece o nome do candidato beneficiado e duas colunas, uma intitulada “NF” (no entendimento de investigadores se referindo a nota fiscal) e outra com o título “out” (se referindo, na compreensão da PF e do Ministério Público, a pagamento “por fora”).

Há na tabela referência a material de campanha para o presidente Jair Bolsonaro.

Como revelou a Folha no último domingo (6), a planilha apreendida e um depoimento de um ex-assessor de Álvaro Antônio sugerem que dinheiro do esquema de candidatas laranjas de Minas foi desviado para abastecer, por meio de caixa dois, as campanhas de Bolsonaro e do ministro.

O depoimento foi dado por Haissander Souza de Paula, assessor de Álvaro Antônio à época e coordenador de sua campanha no Vale do Rio Doce (MG). Ele disse à PF que “acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas, na verdade, foi usada para pagar material de campanha de Marcelo Álvaro Antônio e de Jair Bolsonaro”.

Não há ação por parte da PF no que diz respeito às menções de dinheiro para material de campanha para Bolsonaro.

OUTRO LADO
Procurada, a defesa do ministro do Turismo afirmou que Ivanete não trabalhou em sua campanha e que o depoimento dela à PF “não procede”.

“O que pode ter ocorrido eventualmente é a distribuição e panfletagem, por parte de Ivanete, de algum material gráfico consistente nas chamadas ‘dobradinhas’, neles contendo a imagem do então candidato a deputado estadual Celton Mesquita e do Marcelo Álvaro como candidato a deputado federal”, disse o advogado Willer Tomaz.

“Ou seja, trata-se de campanha no interesse de Celton Mesquita, mas com residual apoio à candidatura de Marcelo. É exatamente o que ocorre com todos os candidatos de todos os partidos que se utilizam da imagem dos seus candidatos a cargos majoritários, e nem por isso se diz que a campanha se deu no interesse exclusivo do candidato.”

Ainda segundo o advogado, Ivanete possui demanda em que cobra só de Mesquita os valores da campanha de 2018. “Vale lembrar ainda que consta do inquérito que essa senhora demandou apenas o Celton Mesquita cobrando pelos serviços prestados na campanha, o que comprova a inexistência de qualquer vínculo entre ela e Marcelo Álvaro.”

A Folha não localizou a defesa de Celton Mesquita.

VEJA COMO FUNCIONOU O ESQUEMA
Qual a origem da suspeita de esquema envolvendo candidatura laranja do PSL?
A Folha revelou, em 4.fev, que o ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em MG, patrocinou um esquema de candidaturas de laranjas no estado, abastecidas com verba pública do PSL, em 2018

Como funcionou esse esquema?
Álvaro Antônio era presidente do ​PSL em Minas e tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. As quatro candidatas receberam R$ 279 mil de verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro

Quais as evidências de que as candidaturas eram de laranjas?
Não há sinais de que elas tenham feito campanha efetiva durante a eleição. Ao final, juntas, somaram apenas cerca de 2.000 votos, apesar do montante recebido para a campanha.
Em buscas realizadas pela PF em MG no fim de abril, os policiais não encontraram nas gráficas citadas nas prestações de contas nenhum documento que indicasse que elas de fato prestaram os serviços declarados à Justiça Eleitoral

O que foi apurado até agora?
A PF afirmou que há indícios concretos de que houve irregularidades na prestação de contas das campanhas e que Álvaro Antônio era a cabeça do grupo que organizou o esquema. A suspeita é que os valores relatados foram desviados para outros candidatos ou para terceiros. Um depoimento e uma planilha obtidos pela PF sugerem que recursos do esquema foram desviados para abastecer, por meio de caixa dois, a campanha de Jair Bolsonaro e a de Álvaro Antônio

Qual a origem da suspeita de caixa dois?
O coordenador da campanha do ministro a deputado federal disse à PF que acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas foi usada para pagar material de campanha de Álvaro Antônio e de Bolsonaro. Em uma planilha há referência ao fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro com a expressão “out”, o que significa, na compreensão de investigadores, pagamento “por fora”

Álvaro Antônio foi alvo de denúncia sob que acusação?
Ele é acusado de falsidade ideológica eleitoral, apropriação indébita de recurso eleitoral e associação criminosa. O ministro nega ter cometido irregularidades

Da FSP