Doria pede perdão a bolsomínions

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Foto: Alex Santos

A discussão do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), com manifestantes contrários a ele, na noite desta terça (15), repercutiu mal entre policiais militares e aposentados.

Entidades que representam as duas categorias repudiaram as falas do tucano, que acabou pedindo desculpas e admitindo nesta quarta (16) ter se excedido.

Em evento de gastronomia em Taubaté (SP), Doria foi recebido com um protesto de seis apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PSL). O grupo trazia faixas que diziam: “Pinóquio do pau oco” e “Doria surfou na ‘onda Bolsonaro’”.

Quem estava à frente do protesto, criticando o governador em um microfone, era Eden Freire, 54, policial militar já fora de atividade e ligado ao Movimento Conservador.

Alertado por aliados locais sobre o perfil de Freire, Doria voltou seus ataques a policiais inativos para responder à manifestação.

“Povo trabalhador, levante seu braço, mostre que você trabalha. Mostre que você gosta de Taubaté. Mostre aqui para esses vagabundos que não têm o que fazer”, disse Doria no palco ao público do evento.

E dirigindo-se ao grupo de manifestantes: “Enquanto vocês descansam, os policiais de trabalho estão trabalhando, arregaçando a manga para trabalhar, não estão fazendo política”. “Vai pra casa, vagabundo. Vai pra sua casa, vai comer sua mortadela com a sua mãe, seu sem vergonha. Eu respeito é policial que trabalha”, completou.

“Eu não sou vagabundo. Mesmo trabalhando 30 anos na PM, eu continuo contribuindo, 11% do meu salário vai para a Previdência”, disse Freire à Folha.

Em um vídeo divulgado na noite desta quarta, Doria disse que foi hostilizado com ofensas, mas reconheceu ter se excedido e pediu desculpas aos aposentados. O governador fez questão de ressaltar que trabalha desde os 13 anos.

“Confesso, eu acabei me excedendo e respondi à altura que aquele momento exigia”, afirmou. “A minha manifestação não foi para ofender ninguém, nenhuma classe, principalmente de aposentados.”

Doria disse ainda que foi vítima da ação dos manifestantes, a quem criticou. “Infelizmente, fui vítima de uma operação orquestrada por uma turma de baderneiros”, afirma.

No evento em Taubaté, Doria mencionou o senador Major Olimpio (PSL-SP), seu desafeto. O parlamentar, aliado de Bolsonaro, representa as causas policiais e costuma criticar o tucano.

“Vai cobrar do Major Olimpio seus R$ 200 pra vir aqui falar bobagem no microfone. Vai pra casa, aposentado, vai pra casa amigo”, disse Doria a Freire.

O senador reagiu pelas redes sociais. “Falar que um policial veterano é vagabundo demonstra o quanto você despreza a polícia e não merece o cargo que ocupa. Oportunista! Nunca paguei nada pra te vaiarem, você apenas recebe o que merece!”, escreveu.

Freire afirmou que conhece Olimpio, mas que não tem contato com ele. “Foi uma ação independente”, diz.

O grupo Movimento Conservador tem como presidente Edson Salomão, que é presidente municipal do PSL na capital paulista e trabalha no gabinete do deputado estadual Douglas Garcia (PSL) na Assembleia de São Paulo.

Warley Martins, presidente da Confederação Brasileira de Aposentados (Cobap), repudiou a fala de Doria. “Aposentado de qualquer categoria tem que ser respeitado, principalmente pela idade e trabalho que já trabalhou. A gente não aplaude uma atitude dessa, isso é péssimo”, afirmou.

Plínio Sarti, vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, disse que a fala de Doria ecoou entre aposentados. “A gente se sente ofendido, revela um preconceito. Aposentado é um estorvo na sociedade?”

“Foi um palpite infeliz. A cidadania é uma coisa já conquistada e respeitada, principalmente pelas autoridades. Somos o setor da população que mais cresce”, afirmou.

Sarti lembrou ainda o episódio em que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em 1998, afirmou que quem se aposenta antes dos 50 anos é vagabundo. Na época, o tucano fez um pronunciamento na TV para se explicar.

“Isso foi lembrado na hora pelos meus colegas da diretoria [do sindicato]. Até hoje a gente tem dificuldade com FHC por conta disso”, afirmou.

Entre policiais também houve críticas ao comportamento de Doria. “É lamentável que a maior autoridade do estado não consiga conviver com o pensamento contrário, flertando com as mais evidentes práticas ditatoriais”, escreveu em nota de repúdio a Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo (Aomesp).

“O governador chamou os [policiais] veteranos de vagabundos. […] Veteranos da Polícia Militar não levam vida errante no ócio”, diz a entidade, que cobra retratação “da absurda fala”.

O grupo Defenda PM, ligado à Aomesp, afirmou não aceitar que “sobreviventes de uma guerra urbana sejam tratados como vagabundos”.

“É de causar espanto que um chefe de Estado se refira de forma tão vulgar aos policiais militares que durante décadas arriscaram suas vidas para garantir a segurança da população do estado que ele agora governa”, afirma.

“Causa estranhamento, também, o seu destempero. Os manifestantes estavam no local para reivindicar as promessas feitas durante a sua campanha. O protesto ocorria de forma pacífica, sem agressões por parte dos veteranos, quando o governador passou a disparar xingamentos e impropérios”, completam.

Freire, o líder do protesto em Taubaté, diz que também foi pego de surpresa pela reação de Doria. “Esperava que ia rebater, mas não na ofensa como ele fez.”

O policial militar também reclamou sobre o tratamento do governador à categoria, cobrando o aumento salarial que Doria prometeu durante a campanha.

“Ele dá gratificações para o policial que está na ativa, o que não reflete no policial aposentado. Estamos com o salário bem defasado. Ele vai empurrando com a barriga a melhoria salarial”, cobra Freire.

A Secretaria de Segurança Pública do estado respondeu em nota que há um grupo de trabalho estudando o aumento salarial, que será anunciado até o dia 31 deste mês.

A relação entre Doria e os servidores da segurança pública é desgastada. Na última sexta (11), em formatura de sargentos da Polícia Militar, o governador foi vaiado, enquanto Bolsonaro foi aplaudido.

No mês passado, houve um protesto de policiais contra Doria no centro de São Paulo. O governador também costuma receber alfinetadas dos parlamentares do PSL que representam a categoria, como o senador Major Olimpio, e enfrenta rebeliões de deputados do partido ligados à causa policial na Assembleia.

“Ele usa a PM como marketing, não pensando no benefício da população que é a segurança pública. É assim que a gente vê”, resume Freire. Ele afirma que o ressentimento sobre o salário é antigo, desde o governo Geraldo Alckmin (PSDB). “A classe policial não gosta do PSDB.”

A situação de Doria com a categoria piorou quando ele passou a se descolar de Bolsonaro e a criticar o presidente. O governador apelou ao mote “BolsoDoria” para vencer no segundo turno do ano passado.

“A classe policial, no geral, apoia Bolsonaro. Esses ataques de Doria ao presidente mostram mais como ele não cumpre com o que fala”, afirma Freire.

Folha