Eduardo sabe que sua aprovação no Senado é improvável
Foto: Joyce N. Boghosian / Official White House
O gabinete de Eduardo Bolsonaro na Câmara entregou nos últimos dias ao deputado o diagnóstico de que, atualmente, é improvável a aprovação no Senado de sua indicação para a embaixada em Washington. Segundo a contagem de assessores de Eduardo, há bem menos do que os 41 votos necessários. Hoje, há cerca de 15 senadores dispostos a dar ao pimpolho presidencial, um escrivão licenciado da Polícia Federal, a mais importante embaixada brasileira. Mas a falta de votos ainda não fez o Palácio do Planalto jogar a toalha. A orientação é que, aprovada a reforma da Previdência, invista-se mais na articulação junto aos senadores — até agora, Eduardo só falou com pouco mais de dez deles —, a fim de que seu nome seja enviado até o começo de novembro e votado antes do recesso parlamentar. A avaliação é que vale mais a pena pagar com cargos e favores o preço cobrado pelos senadores que topem mudar o voto do que recuar de uma decisão que já causou desgaste. Sabedor disso, Eduardo não desistiu da maratona de preparação para ser embaixador, de aulas para melhorar o inglês que inspira pouca confiança a um intensivo de relações internacionais com embaixadores e até um professor particular.
A pedido de Ernesto Araújo, embaixadores da cúpula do Itamaraty — inclusive secretários, que ocupam os cargos mais altos abaixo do chanceler e do secretário-geral no ministério — estão dando aulas a Eduardo. O zero três também contratou, usando a verba de gabinete a que tem direito na Câmara, um professor particular, Marcelo Rech, que foi por 20 anos assessor internacional da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, hoje presidida por Eduardo. As sessões acontecem na casa do deputado em Brasília ou, quando a agenda está cheia, na Câmara. Já houve aula até em embaixadas. Rech conheceu Jair — e, depois, Eduardo — na comissão e sempre foi um dos assessores de maior confiança da família.
Em maio, na própria comissão, Rech comunicou ao deputado que deixaria o trabalho no colegiado. Eduardo insistiu e pediu para seguir recebendo seu apoio técnico. Ficou acordado que o contrato seria de R$ 5 mil por mês — preço de mercado, segundo Rech —, sem prazo de validade e custeado pelo gabinete do deputado, o que é permitido. Rech produz, para as aulas, relatórios sobre os temas mais candentes de relações internacionais. Já preparou materiais sobre Estados Unidos, Mercosul, Colômbia e Venezuela.
As aulas começaram com Rech dizendo ao zero três que ele precisaria de “comprometimento” para a missão. “Eu imprimo tudo que falo para o Eduardo, tudo está esquematizado, até para prestar contas à Câmara. Mesmo assim, ele anota um monte. Diz que ajuda na fixação do conteúdo”, contou Rech. No tópico Venezuela, houve uma divergência. O consultor rejeitou a tese de intervenção militar brasileira no país vizinho, enquanto o deputado e o pai já cogitaram a medida publicamente, no começo do ano. “Não tem isso de fechar fronteira. Isso é uma violência. O cara que tenta sair da Venezuela e não consegue, imagina como ele fica depois que volta. O cara fica marcado, falei para ele, e dei um documento sobre o impacto de uma intervenção na Venezuela. Um impacto totalmente negativo. Não tem nenhum aspecto positivo. Contraria uma série de preceitos que levaram décadas para ser construídos, como consolidar a América do Sul como uma zona de paz. Ele levou isso para o presidente também. Você vê que a posição de Jair e Eduardo mudou bastante do começo do governo para cá. Era uma posição absolutamente belicista.”
Outro ponto em que Rech desaconselhou o zero três foi sobre os protestos em Hong Kong contra a China. Eduardo queria fazer uma audiência pública na comissão sobre o tema. O professor, então, lembrou que o deputado e seu pai visitariam em breve a China, e a audiência poderia trazer constrangimento.
Rech não tem indicado livros ao deputado. Uma exceção foi a Convenção de Viena, considerada “o tratado dos tratados” na área. Elaborado no âmbito da ONU, o documento de Direito Internacional fixa regras para assinatura de tratados entre países. “Você pode não saber tudo, mas isso é obrigado a saber”, disse Rech ao aluno, sobre o texto que defende “paz”, “relações amistosas” e “cooperação” entre as nações. A contar pelas guerras que Eduardo continua travando, a leitura não fez efeito.
Mas o jeito bélico de Eduardo é só para fora. Dos três filhos políticos de Jair, ele é o único que é benquisto por todas as alas do bolsonarismo. Tem boa relação com o “gabinete do ódio”, o grupo de assessores inflamados de Bolsonaro no palácio e que vê em Flávio Bolsonaro um político semelhante aos da “velha política” que eles dizem combater. E também transita entre as demais alas do Planalto que têm ojeriza a Carlos Bolsonaro e aos problemas que ele traz para o governo, a exemplo dos militares.
O foco em sua própria carreira foi a razão que o fez ser o último dos três a entrar na política e também a se empenhar mais na própria promoção do que na defesa do governo do pai. Hoje, sua principal preocupação é a embaixada. O governo e a imagem de Bolsonaro vêm depois.
No Itamaraty, o temor é o efeito que pode ter para o Brasil a presença de um Eduardo tão alinhado a Donald Trump e aos republicanos caso a chave da política americana mude novamente e os democratas voltem à Casa Branca. Eduardo não tem feito nenhum esforço de aproximação com os democratas, embora o embaixador brasileiro tenha de atuar em diferentes situações com políticos do Partido Democrata. Recentemente, em um embate com um deputado do PSOL na Comissão de Relações Exteriores, Eduardo admitiu que nas idas aos Estados Unidos não só pôs o boné de Trump, como também pediu um autógrafo do presidente americano.
Mas, caso sua indicação se concretize e chegue à sabatina, Eduardo já sabe como responder aos senadores que criticarem sua proximidade excessiva com Trump. O professor Rech deu-lhe bons argumentos: “Eduardo não tem experiência nenhuma. O que se está vendendo é que talvez ele vá ter acesso à Casa Branca. O que é mais importante? Experiência ou acesso? Mostrei para ele que experiência é fundamental. Bagagem. Tem embaixador com 30 anos de negociação. Agora, se você chega no limite de ter de optar por um ou outro, o acesso é mais importante”. Todo esse suposto acesso, porém, não parece ter sido suficiente para a passada de perna que Trump deu nesta semana nos Bolsonaros, ao ignorar a promessa de apoiar a entrada do Brasil na OCDE.