Esquerda argentina se uniu para derrubar direita

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Foto: Ronaldo Schemidt/AFP

A equipe de assessores internacionais do candidato à Presidência da Argentina Alberto Fernández decidiu evitar atritos com o governo brasileiro e manter sua posição de defender publicamente a necessidade de ter uma boa relação com um país que consideram um de seus principais sócios no mundo. Em entrevista ao GLOBO, o ex-chanceler dos governos de Néstor e Cristina Kirchner (2003-2015) e atual secretário de Relações Internacionais do Partido Justicialista (PJ), Jorge Taiana , assegurou que “as declarações de (Jair) Bolsonaro não colaboram…. mas não vamos cair em provocações”.

O que pode acontecer na Argentina é uma volta do peronismo e não apenas do kirchnerismo ao poder?

A oposição entendeu que divisão foi o que permitiu o triunfo de (Mauricio) Macri (em 2015) e o avanço de medidas econômicas que a maioria não respalda . A unidade foi a resposta a isso. O peronismo estava muito dividido e isso foi muito ruim para o país. A divisão do peronismo foi funcional à direita argentina. Devemos reconhecer que Cristina fez uma contribuição importante. Sempre digo que dos labirintos se sai por cima.

Qual era esse labirinto?

Bom, se dizia que sem Cristina não dava e com Cristina seria difícil. Eu sempre achei que Cristina ganharia as eleições, mas o que ficava difícil era o dia seguinte. A unidade do peronismo não foi pensada apenas para as eleições. A unidade está baseada na convicção de que a situação é tão grave que é preciso ter sustentabilidade política. Para começar um difícil processo de recuperação temos de unir muito setores.

O programa de governo inclui um grande pacto social…

Sim, não estamos falando apenas de um acordo eleitoral, é mais profundo do que isso. É o que estão pedindo no Chile neste momento. Sabemos que estamos caminhando sobre uma camada fina de gelo. O governo (Macri) deixa um fracasso econômico tão grande que é difícil que ele mesmo possa sair disso. Foram cometidos muitos erros, sobretudo de leitura sobre o mundo no qual estamos vivendo. Argumentaram que os problemas da Argentina eram simplesmente culpa do governo anterior. Acharam que a simples mudança de governo seria suficiente. Mas o mundo já mostrava que as coisas estavam mudando.

O senhor se refere, por exemplo, à queda do preço das commodities?

Até 2008, a economia mundial crescia 4% e o comércio mundial 8%. Na década de 1990 se apostava na abertura econômica e naquela época, de fato, se crescia mais por comércio internacional do que pelo consumo interno. Isso mudou. Hoje o mercado interno é essencial e o comércio internacional diminui de forma expressiva. A China percebeu isso faz tempo.

Existe muita expectativa e, também, temor sobre como seria uma eventual relação de Fernández com o governo Bolsonaro, já que o vínculo entre Brasil e Argentina é central para ambos países…

Para a Argentina está claro que o Brasil é um aliado estratégico, como disse o vice-presidente brasileiro. Essa relação é chave para um desenvolvimento sustentável dos dois países. Ninguém poderá salvar-se sozinho nesta nova etapa da globalização. Os blocos regionais serão cruciais e teremos de avançar deixando de lado opiniões ideológicas. Existem setores produtivos que precisam se associar e precisam ter um mercado ampliado. Para nós o Brasil e toda a América do Sul são essenciais. Falar em isolamento é imprudente .

Um eventual governo de Fernández vai rever o acordo entre Mercosul e União Europeia (UE)?

Claro, mas é bom esclarecer que esse acordo ainda não foi assinado. Foi um entendimento acelerado por razões políticas dos dois lados. Do lado do Mercosul foi a intenção de Macri de mostrar uma êxito internacional. Do lado dos europeus buscou-se mostrar aos EUA que a UE pode entrar no chamado “quintal” dos americanos.

Qual é sua opinião sobre o acordo?

Que não é equilibrado. Dois casos claros são compras governamentais e resolução de controvérsias. Com esse acordo nossos países perdem preferências. A Argentina tem capacidade para produzir um milhão de carros e esta produzindo 300 mil. Como vamos concorrer com os europeus em igualdade de condições?

Como faria um eventual governo de Fernández se Bolsonaro se mantiver firme em defender o acordo com a UE?

Primeiro faltam dois anos. Vai passar o tempo, os acordos terão de passar pelos Parlamentos.

Primeira viagem será ao Mexico…

Sim, é provável e claro, é um gesto . Também devemos ir ao Chile.

E o Brasil?

Veja, todos achamos que essa relação é muito importante. Agora, veremos a forma. As declarações de Bolsonaro não colaboram muito. Em dezembro haverá uma cúpula do Mercosul. Mas vamos ver, dizem que o Brasil quer antecipar a cúpula para que vá Macri, o que seria um pouco sem sentido porque tudo o que se resolver nesse encontro deverá passar pelo Congresso. Não vamos cair em provocações.

O Globo