Lava Jato poupou Temer o quanto pôde

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Foto: Evaristo Sá/AFP

Diante da postura de procuradores da Lava Jato de Curitiba, Brasília e do Rio de Janeiro de rejeitar insistentemente o acordo de delação premiada com Antunes em 2016, seus advogados protocolaram ainda naquele ano uma petição no Ministério Público Federal no Paraná para reiterar que o empreiteiro continuava interessado no acordo. Em resumo, os advogados de Antunes pediram que, caso a proposta fosse rejeitada definitivamente, os procuradores assumissem por escrito que essa recusa partiu deles e prometessem que eles não usariam as informações em nenhuma investigação contra o empreiteiro.

Em 24 de junho de 2016, o procurador Paulo Galvão compartilhou com os colegas o texto da certidão que foi entregue aos advogados. “Cumpre, preliminarmente, certificar que as negociações para eventual acordo de colaboração premiada com o réu José Antunes Sobrinho foram formalmente encerradas, consoante informado aos causídicos em reunião realizada em 5 de abril de 2016, na sede da Polícia Federal de Curitiba”, diz um trecho da certidão, que alegou genericamente “ausência de interesse público na continuidade das negociações”.

delação de Antunes acabou retomada e homologada em 2018 por um caminho tortuoso. Temer foi delatado numa operação de enorme apelo midiático pelo empresário Joesley Batista, sócio da JBS, em maio de 2017, quando vieram à tona as conversas gravadas por Joesley em que Temer disse “tem que manter isso, viu?” depois de o empresário relatar que estava com as “pendências zeradas” com o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB), ex-presidente da Câmara e aliado de Temer que deflagrou o processo de impeachment contra Dilma.
Nessa conversa gravada, Temer também recomendou a Joesley que procurasse o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, para resolver problemas da JBS no governo. Após combinações com o empresário, Rocha Loures recebeu uma mala de propina de 500 mil reais, que, segundo Joesley e investigações da Lava Jato, eram destinados a Temer. Essa mala de dinheiro motivou a primeira ação penal apresentada contra Temer A ação penal acabou tendo a tramitação suspensa pela Câmara dos Deputados em agosto de 2017.
As conversas de Rocha Loures com representantes da JBS, no entanto, também levantaram suspeitas sobre outro assunto, de que uma nova lei para a gestão de portos brasileiros, sancionada por Temer em 2017, visava uma troca de propinas de empresas do setor portuário. Foi então que a delação da Engevix ganhou uma nova chance num inquérito sobre portos, que investigou, ao longo de 2017 e 2018, a atuação de Temer na sanção dessa nova lei do setor. A PF argumentou que o coronel Lima tinha recolhido propinas para Temer de empresas do setor portuário, da JBS e também no caso da Engevix. Antunes finalmente assinou acordo de colaboração com a Polícia Federal —e não com os procuradores diretamente— em junho de 2018, quando faltavam seis meses para Temer deixar o poder.

inquérito dos portos motivou uma ação penal contra Temer. Quando ele deixou o Planalto e perdeu a prerrogativa de foro privilegiado, o caso da Engevix e da Eletronuclear foi distribuído para o juiz Marcelo Bretas e a força-tarefa da Lava Jato no Rio. No fim de fevereiro de 2019, já sob o Governo de Jair Bolsonaro, Antunes prestou novo depoimento a procuradores do Rio, como parte de sua delação homologada pelo ministro Roberto Barroso. Repetiu a versão apresentada em abril de 2016 da propina de 1 milhão de reais a Temer, por intermédio do coronel Lima, em troca de contrato na Eletronuclear. Acrescentou que as negociatas também envolveram seu ex-ministro Wellington Moreira Franco e o empresário Rodrigo Castro Neves (ex-sócio do ex-senador Eunício Oliveira).
Um mês depois desse depoimento, Temer foi preso preventivamente com base nesse relato e nas investigações complementares sobre como funcionou um esquema de corrupção da Eletronuclear. Já tinham vindo à tona os comprovantes bancários e e-mails envolvendo o pagamento delatado por Antunes – e os procuradores, então, foram atrás e conseguiram o depoimento espontâneo do empresário Marcelo Castanho, diretor da Alúmi, que fez o repasse de 1 milhão de reais para o coronel Lima. Para prender Temer, os procuradores também argumentaram que o ex-presidente era acusado em ações penais de ter sido beneficiário de propinas e que era investigado em outros inquéritos por corrupção. Temer ficou menos de uma semana na cadeia e hoje responde em liberdade ao processo.

El País