Surgem indícios de que Bolsonaro usou a PF contra Bivar

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Foto: Adriano Machado

Uma operação da Polícia Federal em endereços ligados ao presidente nacional do PSL, o deputado federal Luciano Bivar (PE), reforçou a pressão contra o dirigente liderada publicamente por Jair Bolsonaro, que também é do PSL, e por parte da bancada de parlamentares da sigla.

Onze dias após o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio (PSL-MG), ser indicado e denunciado sob acusação de criar candidaturas de fachada em 2018, na manhã desta terça (15) policiais federais cumpriram nove mandados de busca e apreensão no Recife, como parte do inquérito que investiga a suspeita de que Bivar comandou esquema semelhante em Pernambuco.

O caso das candidaturas de laranjas do PSL foi revelado pela Folha em reportagens publicadas desde fevereiro. A partir daí, PF e Ministério Público abriram investigação.

Apesar de as apurações atingirem diretamente o ministro do Turismo, mantido no cargo e defendido por Bolsonaro, aliados do presidente comemoraram nos bastidores a ação da PF, que levou dois meses para ser autorizada pela Justiça de Pernambuco.

Após afirmar a um simpatizante que Bivar está “queimado pra caramba”, o presidente tem indicado tendência de sair da legenda à qual se filiou no início de 2018 com o objetivo de disputar a Presidência.

Ele pretende, dizem auxiliares, usar a operação desta terça como justa causa para desfiliação, indicativo de falta de transparência da cúpula da sigla na administração dos recursos do fundo partidário.

A aliados, Bolsonaro tem dito que só oficializará a saída do PSL caso consiga viabilizar migração segura de cerca de 20 deputados do PSL (de uma bancada de 53) a outra sigla.

Nos bastidores, esses parlamentares já aceitam abrir mão do fundo partidário da sigla em troca de uma desfiliação sem a perda do mandato. A previsão é de que o PSL receba R$ 110 milhões de recursos públicos em 2019, a maior fatia entre todas as legendas.

A lei permite, em algumas situações, que o parlamentar mude de partido sem risco de perder o mandato —entre elas mudança substancial e desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação política pessoal.

“A operação fortalece nosso pedido por transparência no uso de recursos públicos e na democracia das decisões”, disse Carla Zambelli (PSL-SP), aliada do presidente.

O líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), foi na mesma linha: “Eu acho que reforça a tese da importância da transparência. Era melhor ter aberto as contas sem que a Polícia Federal tivesse que ir lá buscar”.

O líder do PSL no Senado, Major Olimpio (SP), que troca críticas públicas com os filhos de Bolsonaro, afirmou que deputados que usarem a operação como justificativa para deixar a sigla são ingratos.

“Isso se chama cuspir no prato que comeu. Todos se candidataram pelo 17 [número do PSL]. Tiveram as aprovações de contas pela Justiça Eleitoral, a prestação de contas do presidente teve voto de louvor na aprovação. Ficar nessas tentativas de se atacar, como se houvesse irregularidades, acho muito ruim”, disse.

A Executiva Nacional do PSL publicou nota em que faz críticas indiretas a Bolsonaro, mas ignora a operação.

Antes de reunião ministerial, na manhã desta terça, Sergio Moro (Justiça) foi questionado pela Folha, mas não comentou a ação da PF. Na semana passada, ele e o diretor-geral do órgão, Mauricio Valeixo, se reuniram com o presidente em audiência reservada.

Nesta terça, Bolsonaro afirmou ao site Poder360 que não interfere na Polícia Federal e negou que tenha havido qualquer pressão do governo para a realização da operação contra Bivar.

O líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (GO), por exemplo, chamou a operação de circo. Nas redes sociais, houve repercussão.

“Não tem nada a ver. Eu não tenho interferência na PF. Essa investigação era antiga. Estava sendo conduzida há muito tempo”, disse o presidente ao site.

Além da casa de Bivar, a sede do partido também foi alvo da operação, batizada de Guinhol, em referência a uma marionete do teatro de fantoches do século 19.

Os policiais foram também a endereços de três candidatas suspeitas de terem sido laranjas, entre elas Maria de Lourdes Paixão, e de duas gráficas, Itapissu e Vidal.

Em fevereiro a Folha mostrou que o grupo de Bivar direcionou a Maria de Lourdes, 68, secretária administrativa do partido em PE, R$ 400 mil de dinheiro público às vésperas da eleição.

O valor representou a terceira maior cifra direcionada pela direção nacional da sigla a um candidato —mais até do que à deputada Joice Hasselmann (SP), por exemplo, que obteve 1,079 milhão de votos.

À Folha, à época, Maria de Lourdes não soube detalhar gastos da campanha. A reportagem visitou endereços informados nos documentos fiscais e não encontrou sinais de funcionamento nas eleições.

A defesa do presidente do PSL nega irregularidades e diz ter visto com “estranheza” a operação em meio a um ambiente de “turbulência política”.

“A defesa enfatiza que o inquérito já se estende há 10 meses, já foram ouvidas diversas testemunhas e não há indícios de fraude no processo eleitoral”, diz o texto assinado pelo escritório de advocacia de Ademar Rigueira.

O aval para a operação desta terça foi dado na segunda (14), quando seis dos sete juízes do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de Pernambuco concordaram com o pedido da PF e do Ministério Público —um dos juízes foi contra.

Os pedidos de buscas foram enviados pela PF e pela Promotoria na segunda quinzena de agosto, mas a juíza Maria Margarida de Souza Fonseca, da 6ª Zona Eleitoral do Recife, os indeferiu em setembro, dizendo não haver elementos suficientes para a operação.

Em 12 de setembro, o Ministério Público recorreu ao TRE.

Antes do indeferimento das cautelares, o caso tinha ficado parado por cerca três meses na Justiça, à espera de definição do juízo competente.

Segundo nota da Polícia Federal, as medidas buscam esclarecer se houve “burla ao emprego de recursos” às candidatas mulheres, “havendo indícios de que tais valores foram aplicados de forma fictícia objetivando seu desvio para livre aplicação do partido”.

A Procuradoria Regional Eleitoral de PE disse que “a investigação ocorre há meses e não tem relação com divergências partidárias noticiadas pela imprensa nas últimas semanas, muito menos teve interferência de órgãos ou autoridades estranhas”.

COMO FUNCIONOU O ESQUEMA DO PSL
Qual a origem da suspeita de esquema envolvendo candidatura laranja do PSL?
A Folha revelou, em 4.fev, que o ministro do Turismo do governo Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), deputado federal mais votado em MG, patrocinou um esquema de candidaturas de laranjas no estado, abastecidas com verba pública do PSL, em 2018. Dias depois, em 10.fev, outra reportagem mostrou que o grupo do deputado Luciano Bivar (PSL-PE), presidente nacional da sigla, também criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição

Como funcionou o esquema?
Álvaro Antônio era presidente do PSL em Minas e tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. As quatro candidatas receberam R$ 279 mil de verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro. No caso pernambucano, o dinheiro do fundo partidário do PSL foi enviado pela direção nacional da sigla para a conta da candidata laranja quatro dias antes da eleição; só dois candidatos receberam mais dinheiro público do PSL Nacional do que ela

Quais as evidências de que as candidaturas eram de laranjas?
Não há sinais de que elas tenham feito campanha efetiva durante a eleição. As candidatas em Minas, juntas, somaram apenas cerca de 2.000 votos. A candidata em PE recebeu 274 votos.

Em buscas realizadas pela PF em MG no fim de abril, os policiais não encontraram nas gráficas citadas nas prestações de contas nenhum documento que indicasse que elas de fato prestaram os serviços declarados à Justiça Eleitoral; em PE, a Folha não encontrou sinais de que a gráfica usada pela candidata tenha funcionado durante a eleição

O que foi apurado até agora?
A PF afirmou que há indícios concretos de que houve irregularidades na prestação de contas das campanhas e que Álvaro Antônio era a cabeça do grupo que organizou o esquema. A suspeita é que os valores relatados foram desviados para outros candidatos ou para terceiros. Um depoimento e uma planilha obtidos pela PF sugerem que recursos do esquema foram desviados para abastecer, por meio de caixa dois, a campanha de Jair Bolsonaro e a de Álvaro Antônio. Em PE, a operação desta terça buscou esclarecer se houve “burla ao emprego de recursos” de recursos às candidatas mulheres

Qual a origem da suspeita de caixa dois?
O coordenador da campanha de Álvaro Antônio a deputado federal disse à PF que acha que parte dos valores depositados para as campanhas femininas foi usada para pagar material de campanha do hoje ministro e de Bolsonaro. Em uma planilha há referência ao fornecimento de material eleitoral para a campanha de Bolsonaro com a expressão “out”, o que significa, na compreensão de investigadores, pagamento “por fora”.

Da FSP