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Collor adverte Bolsonaro: ‘seu fim será igual ao meu’

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Trinta anos depois de sua eleição, o ex-presidente Fernando Collor diz que Jair Bolsonaro está cometendo os mesmos erros que o levaram ao impeachment. “Continuando do jeito que está, eu não vejo como este governo possa dar certo. São erros primários”, afirma.

Collor vê semelhanças entre o antigo PRN (atual PTC) e o PSL . Ele diz que caiu por se recusar a dividir poder e negociar com partidos. “Estou revendo um filme que a gente já viu”, alerta.

Ao lembrar a campanha de 1989, o senador diz que se arrepende de ter explorado acusações de uma ex-namorada de Lula em sua propaganda eleitoral. “Eu me senti mal depois que assisti ao vídeo”, afirma. Aos 70 anos, faz mistério sobre o livro de memórias em que promete revelar segredos do poder. Os originais ainda estão armazenados num disquete. “Preciso tirar isso de lá, porque estraga. Mas está num lugar bom, refrigerado”.

A eleição de Bolsonaro foi muito comparada à sua, em 1989. Em que o governo dele se parece com o seu?

Vejo semelhança entre o tratamento que eu concedi ao PRN e o que ele está conferindo ao PSL. Em outubro de 1990, nós elegemos 41 deputados. O pessoal queria espaço no governo, o que é natural. Num almoço com a bancada, eu disse: “Vocês não precisam de ministério nenhum. Já têm o presidente da República”. Erro crasso.

O que está acontecendo com o Bolsonaro é a mesma coisa. A bancada do PSL foi eleita na onda bolsonarista, é verdade. Mas quando a pessoa chega e assina o termo de posse, ela vira entidade.

Logo no início, ele tinha que ter dado prioridade aos 53 deputados do PSL. E, a partir desse núcleo, construído a maioria para governar. Ele perdeu esse momento. Agora reúne a bancada para dizer que vai sair do partido? Erro crasso.

Estou dizendo porque eu já passei por isso. Estou revendo um filme que a gente já viu. Vai ser um desassossego para ele.

Qual o futuro do governo?

Continuando do jeito que está, não vejo como este governo possa dar certo. São erros primários. Bolsonaro esteve na Câmara por 28 anos, viu como se forma um movimento numa casa em que o chefe do Executivo não dispõe de maioria.

Ele tem que entender algo fundamental: o presidente da República é o líder político da nação. Como líder, ele tem que fazer política. E política se faz por intermédio dos políticos e dos partidos.

O senhor vê risco de impeachment?

É uma das possibilidades. Bolsonaro não vem se preocupando com a divisão da sociedade brasileira, que se aprofunda. O discurso dele acentua a divisão. Com a soltura do Lula, a tendência é que essa divisão se abra ainda mais.

O governo tem que ser bombeiro. Tem que entender que não está mais em campanha. Hoje uma boa parcela dos eleitores que não queriam o PT está desiludida. É preciso que alguém acorde neste governo e diga: “O rei está nu”.

Os filhos do presidente podem fazer isso por ele?

De jeito nenhum. Os filhos exercem uma ação deletéria sobre o governo Bolsonaro. É uma coisa nociva. Nem na época da monarquia funcionava desse jeito. Como é que o presidente dá a senha do seu Twitter? Depois é muito fácil: “Isso não fui eu, mandei tirar”.

Não tenho nenhuma dúvida de que tudo o que os filhos falam é discutido com o presidente. Depois ele aparece contemporizando. Isso atrapalha. É outro fator de desagregação da base social dele.

Como viu a fala de Eduardo Bolsonaro sobre um novo AI-5?

Isso é absolutamente inadmissível. São declarações que vêm do núcleo duro do presidente, com o assentimento dele. Essa questão de fechar o Supremo com um cabo e um soldado. O que é isso? Onde é que nós estamos? Ele não podia ter falado nada parecido.

Acredita que Bolsonaro planeje medidas de exceção?

Não vejo espaço para isso. Ele tem uma sensibilidade maior que nós, civis, para medir a temperatura da caserna. As Forças Armadas estão trabalhando dentro dos moldes constitucionais. Não temo (um golpe) porque confio nas Forças Armadas.

Em 1989, o senhor era um personagem pouco conhecido e virou fenômeno eleitoral. A que atribui sua arrancada?

Existia um vácuo na política naquele momento. Os convites eram seguidos. A mídia me apoiava por um motivo simples: naquela época, a polarização era entre Lula e Brizola. E eu recebi apoio pelas mudanças que íamos fazendo em Alagoas (eleito governador em 1986, Collor prometia combater privilégios e era apresentado como caçador de marajás).

O senhor também foi visto como um produto do marketing.

Não havia marketing como a gente vê hoje. A última eleição presidencial tinha sido em 1960, com a vitória do Jânio Quadros. Foi o marketing da vassourinha.

Mas sua campanha foi pioneira no uso de pesquisas.

Eu precisava de pesquisas porque não queria sair para uma aventura sem perspectiva de êxito. O Marcos Coimbra (diretor do Vox Populi) fez uma pesquisa extensíssima. Um dia ele me chamou: “Se você continuar como está, sem mudar nada, vai estar no segundo turno”. Eu disse: “Mas não é possível”. Ele insistiu: “Vai estar no segundo turno”.

A criação do PRN foi sugestão do Marcos. O nome do partido, a bandeira do Brasil (no logotipo). Tudo criação dele.

Por que o senhor torceu para enfrentar Lula, e não Leonel Brizola, no segundo turno?

O Brizola tinha um apoio forte na área empresarial. Sem ele, eu estaria sozinho no segundo turno.

Tive muitos votos que não eram meus, mas eram contra o PT. A classe empresarial tinha um enorme receio da vitória do Lula. Agora se deu a mesma coisa. O Bolsonaro teve um percentual de votos dele e outro de quem não queria o PT.

O então presidente da Fiesp, Mario Amato, disse que 800 mil empresários deixariam o país se Lula fosse eleito.

Isso teve efeito imediato na opinião pública. Aumentou o receio do PT. Eu fui tido como o candidato da direita. E acabei sendo, em função do receio do Lula. Isso aglutinou votos a meu favor.

O senhor se arrepende de ter usado uma ex-namorada de Lula na propaganda eleitoral?

Se tivesse assistido antes, não teria deixado ir ao ar. Mas a responsabilidade foi minha, o candidato era eu. Hoje não faria nada sequer parecido. Eu me senti mal depois que assisti ao vídeo. Mas aconteceu.

O dinheiro garantiu a eleição?

No primeiro turno, foi uma campanha difícil. Não tínhamos esses recursos todos. O dinheiro que entrou no segundo turno foi a origem de todos os problemas que eu iria enfrentar posteriormente. Foi uma coisa absurda. A gente queria parar e não conseguia.

O Paulo César (Farias) era o tesoureiro da campanha. Eu dizia pra ele: “Paulo César, para com esse negócio”. Ele dizia: “Eu não tenho o que fazer. É uma avalanche”.

Lula diz que o resumo do último debate exibido pelo Jornal Nacional foi decisivo para sua vitória. Concorda?

O Lula não foi bem no debate. Tem a história de dizer que a Globo editou. Não houve nenhuma edição (tendenciosa). Depois do debate, as ruas de São Paulo ficaram cheias de bandeiras, carros buzinando. A sensação era de vitória.

Como você edita um jogo em que o Flamengo ganha de 5 a 0 do Botafogo? Os melhores momentos são de quem ganhou. Do Botafogo, vão passar os piores momentos, a canelada na bola.

Em setembro, Bolsonaro pediu ao povo para ir às ruas de verde e amarelo. O senhor também fez isso em 1992. O que se lembra desse episódio?

Eu estava muito pressionado pelo impeachment. Foi uma tirada de marketing que deu errado. No domingo, todo mundo saiu de preto. Quando eu liguei a TV, pensei: “Não tem mais jeito. Agora é esperar o desfecho desse processo, que não vai ser nada bom”.

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