Bolsonaro ameaça emprego de pessoas com deficiência

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Foto: Werther Santana/Estadão

O Projeto de Lei 6159/2019 enviado ao Congresso em novembro pelo governo federal pode colocar em risco o emprego dos 440 mil profissionais com deficiência que ocupam vagas formais no Brasil, segundo dados do IBGE. De acordo com a norma vigente (regulada pelo artigo 93 da Lei 8.213/1991), empresas com mais de 100 funcionários devem contratar um percentual mínimo de pessoas com deficiência (PCD), que varia de 2% a 5%. As pessoas com deficiência representam mais de 6% da população brasileira – ou cerca de 13 milhões de pessoas, ainda de acordo com o IBGE.

O governo até retirou no começo deste mês o pedido de urgência para a tramitação do PL. Porém, se aprovado, o projeto prevê, entre outras medidas, que a cota mínima de contratação possa ser substituída por contribuições em dinheiro para um fundo destinado a habilitação ou reabilitação profissional da PCD.

Sem ponte com o mercado, avaliam especialistas, a ideia dificulta a inclusão destes profissionais, que, mesmo com a legislação atual, enfrentam inúmeros obstáculos para encontrar trabalho. Pesquisa encomendada pelo Ministério Público do Trabalho em São Paulo ao Ibope e divulgada neste mês mostra que, entre as 510 pessoas com deficiência entrevistadas na capital paulista e na região metropolitana, 52% estavam desempregadas. Entre os profissionais empregados, quase dois terços afirmam que no local de trabalho não foram feitas adaptações para recebê-los.

“Quando a pessoa consegue participar dos processos seletivos, há muitos relatos de preconceito dos entrevistadores, que não estão preparados para lidar com esses candidatos”, diz Carolina Videira, especialista em diversidade e inclusão e fundadora da Turma do Jiló, associação que promove a educação inclusiva em escolas públicas.

A questão, diz ela, começa na base e acompanha a pessoa com deficiência em todas as esferas da sociedade. “Para se promover a inclusão é necessário ter disponibilidade, informação e motivação. Em vez de olhar para as limitações, as empresas precisam enxergar os talentos desses profissionais e colocá-los em posições onde suas habilidades são respeitadas para que contribuam com o desenvolvimento do negócio.”

A especialista relata que há empresas que já pensam o processo seletivo e o ambiente de forma inclusiva e ajudam a complementar as lacunas educacionais das pessoas com deficiência. Para ela, a diminuição das desigualdades depende de um esforço conjunto de empresas, governo e sociedade. “Não podemos retroceder nos mecanismos legais que estão ajudando a mudar positivamente nossa realidade”, afirma.

Arilson Mota, de 47 anos, nasceu com paralisia espástica congênita ocular, deficiência visual causada por uma complicação durante a gestação. Contratado em 2002 como engenheiro elétrico da Healthneers Siemens, ele conta que o dia a dia no trabalho é de cooperação.

“Quanto mais eu aprendo, mais é possível transmitir esses ensinamentos”, conta. Com cerca de 100 colaboradores com deficiência, as empresas do grupo Siemens se guiam pelo programa de voluntariado Diversifica, direcionado a quatro pilares de atuação: pessoas com deficiência, raça, gênero e LGBTI+. As necessidades de cada grupo são levantadas e as ações são definidas em comitês mensais.

“O foco está mais vinculado em atuar como facilitador para melhorar as condições de trabalho em relação a aspectos de comunicação, acessibilidade, acolhida e carreira”, diz Willy Gunther Hanisch, líder do pilar de pessoas com deficiência da Siemens no Brasil.

A Atento, empresa de serviços de gestão do relacionamento com clientes e processos de negócios, contrata atualmente 310 profissionais com deficiência. Ao longo do mês de dezembro são realizadas ações para conscientizar os colaboradores e promover a aproximação inclusiva, além de um feirão de empregos voltado ao público PCD.

“Temos um EAD (ensino à distância) com foco na temática, que orienta os colaboradores sobre o processo de inclusão e convívio dentro e fora da empresa”, afirma Margarete Yanikian, gerente de responsabilidade social e comunicação interna da Atento.

A presença de pessoas com deficiência é vista como oportunidade de crescimento geral. “Entendemos a diversidade como um ativo estratégico que desenvolve o potencial das pessoas, multiplica as oportunidades de aprendizagem da organização e nos permite melhorar nossa adaptação ao ambiente e a capacidade de inovação.”

Romper preconceitos é o grande desafio, de acordo com Mara Turolla, gerente de desenvolvimento de talentos e diversidade da LHH. “É o que chamamos de viés inconsciente”, explica ela. “As empresas buscam eficiência e a palavra ‘deficiente’ é muitas vezes mal interpretada.”

A presença destes profissionais, no entanto, ajuda a agregar valores e competências que hoje são altamente valorizados pelo mercado, como empatia e afetividade. “Pessoas com síndrome de Down, por exemplo, acabam inspirando a equipe a ser mais relacional, o que muda o desempenho da empresa como um todo.”

De acordo com a especialista, o mercado absorve somente 2,75% desta força de trabalho, apesar da Lei de Cotas. “Por isso, as ações afirmativas e o poder de cobrança da sociedade são tão importantes”, afirma.

Nascida a partir de um trabalho de conclusão de curso de Publicidade e Propaganda da ESPM Rio, a produtora audiovisual Carbon desenvolveu uma espécie de streaming sobre diversidade para auxiliar as organizações.

“Os formatos de audiovisual utilizados internamente nas empresas já estavam defasados, por isso a escolha de trabalhar entretenimento como forma de aprendizado”, relata Daniel Leal, sócio da produtora. Atualmente em fase de negociação com multinacionais, a Carbon fará a distribuição do conteúdo em vídeos utilizando ferramentas internas de comunicação já existentes nas empresas.

Mais do que cumprir cotas, entender o potencial individual da PCD e de que forma seus talentos podem beneficiar a organização é fundamental. O programa Emprego Apoiado da Apabex – Associação de Pais Banespianos de Excepcionais, que acompanha pessoas com deficiência intelectual, atua em três fases.

Na primeira, são avaliados interesses, pontos fortes e necessidades de cada pessoa para descobrir o perfil vocacional. “Esta fase permite apresentar um profissional competente que irá atender às necessidades da empresa com o desenvolvimento de uma vaga customizada”, afirmam Maria Fernanda Prezia e Alexandre Betti, consultores de emprego da associação. As etapas seguintes são a negociação com a empresa e o acompanhamento do processo de treinamento e inclusão social, se a negociação for bem sucedida.

Estadão