Bolsonaro paralisa Reforma Agrária

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Apesar da alta demanda por assentamentos no Brasil, existem hoje 289 processos de aquisição e desapropriação de terras paralisados no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), segundo documento obtido pelo GLOBO. São propriedades que somam 478 mil hectares — área equivalente a quase quatro cidades do Rio de Janeiro — , com capacidade para assentar 15,6 mil famílias em todo o país, como mostram dados internos do instituto.

A suspensão das negociações para assentar famílias de movimentos sociais é reflexo de decisão tomada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro já no começo do mandato. Em janeiro, o Incra determinou aos seus servidores o adiamento, por tempo indeterminado, de todos os processos de aquisição, desapropriação ou outra forma de obtenção de terras para o programa nacional de reforma agrária. A determinação se aplica também para identificação e delimitação de territórios quilombolas.

— Ele suspendeu as tramitações já negociadas, que tinham inclusive os títulos emitidos. É como se o governo tivesse emitido um cheque para compra, separado o dinheiro de um fundo e depois suspendido. O argumento é puramente ideológico — afirma José Batista, advogado da Comissão Pastoral da Terra (CPT).

Segundo o levantamento, os imóveis dos 289 processos valem em torno de R$ 783 milhões. As propriedades já tinham seus Títulos da Dívida Agrária (TDAs) emitidos — documentos que viabilizam a desapropriação e criação de assentamentos. Pelo levantamento, a Bahia é o estado com mais processos suspensos (59), seguido de Goiás (37) e Minas Gerais (25).

Número pode ser maior

Segundo o advogado da CPT, em geral a negociação de uma área demora anos. Até chegar em Brasília, passa por superintendências regionais do Incra. Se essas instâncias forem levadas em conta, o advogado estima que o número real de processos suspensos seja mais do que o triplo dos 289 mapeados na esfera federal.

O agricultor João Mendes de Souza, de 59 anos, vive com a mulher, filho e netos numa das áreas cuja negociação foi suspensa. Souza diz que chegou em 2010 à Fazenda Itacaíunas, em Marabá, no Sudeste do Pará, num caminhão alugado pelo próprio Incra. Naquele ano, o instituto transferiu para lá famílias que vinham de outra área com processo de despejo. A nova fazenda deveria ter sido regularizada na sequência, mas o dono não aceitou a oferta da União. Desde então, mais de 200 famílias esperam o assentamento.

— Cada família tem dez alqueires de terra. Tem plantio de banana, mandioca, arroz, criação de porco, galinha, gado. Juntos, tiramos até 3.500 litros de leite por dia. O presidente precisa ver que sobrevivemos daquilo ali — diz.

Em nota, o Incra informou que processos de obtenção de imóveis rurais foram paralisados em virtude de insuficiência de verba. “Sem a devida disponibilidade orçamentária, não é possível dar continuidade à tramitação dos processos de obtenção, sob pena de responsabilização por parte de órgãos de controle. A medida evita ainda expectativas de compromissos que podem não ser atendidos”. Segundo o Incra, o orçamento para a obtenção de imóveis rurais foi de R$ 23,6 milhões em 2019 e não sofreu contingenciamento.

Verba em queda

A série histórica mostra que o orçamento para a aquisição de terras e desapropriações vem caindo. Em 2003, primeiro ano do governo do ex-presidente Lula, o recurso previsto foi de R$ 462,6 milhões — com pico de R$ 1,4 bilhão em 2007. No ano em que a ex-presidente Dilma Rousseff assumiu, esse valor foi para R$ 930 milhões. Em 2017, no governo Michel Temer, o montante caiu para R$ 138 milhões. Para 2020, o valor previsto é de R$ 6,7 milhões. O Planalto não comentou a suspensão dos processos de aquisição e desapropriação.

Um efeito dessa paralisação das negociações, segundo Batista, é que muitos proprietários que haviam concordado em vender os imóveis voltaram atrás. No fim de novembro, Bolsonaro cogitou enviar ao Congresso um projeto para a criação de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) do campo, para fazer reintegração de posse. Operações de GLO são adotadas em situações graves de perturbação da ordem.

O Globo