Bolsonaro pode desistir de Trump

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Foto: Nicholas Kamm/AFP

As relações bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos estão diante de um importante teste de confiança. A suprema distinção que o governo Bolsonaro tem conferido ao governo Trump não está sendo, nem de longe, reciprocada.

Em menos de dois meses foram três coices de proporções cavalares: o retrocesso na promessa de apoio ao ingresso do Brasil na OCDE, a manutenção do mercado norte-americano fechado para a exportação de carne “in natura” brasileira e agora a sobretaxa sobre aço e alumínio do Brasil.

No atual Itamaraty, não se compreendeu ainda que a importância atribuída por Washington ao governo Bolsonaro é tática e não estratégica. Isso significa que, no quadro dos interesses internacionais da Casa Branca, a relação com Brasília é orientada sob três prismas: 1) extração de concessões econômicas e comerciais; 2) estabelecimento de aliança conjuntural contra governos antagônicos aos interesses americanos na região; 3) engajamento do Brasil com os EUA na contenção do poderio da China no mundo.

No que tange ao aspecto econômico-comercial, os EUA buscam ampliar de forma acelerada o acesso ao mercado brasileiro, mas sem permitir, em contrapartida, que o setor empresarial brasileiro obtenha maiores fatias de seu mercado, especialmente, nos setores em que somos competitivos.

No contexto político, o Brasil é visto em Washington como ponto de apoio no processo de deslegitimação democrática aos regimes antiamericanos na região e um entreposto avançado de pressão política contra governos ou agremiações de esquerda, precipuamente, na América do Sul.

Com isso, os governos de esquerda se afastam do Brasil, mas tendem a buscar relação pragmática com o gigante do norte, como parece ser a opção do novo governo argentino. Os governos de direita, por sua vez, tomam certa distância do radicalismo brasileiro, que veem como tóxico em ambiente de contestação social, como no Chile. Enfim, o reposicionamento da diplomacia nacional nesse tabuleiro não terá serventia alguma aos interesses estratégicos do Estado brasileiro.

Já no espectro tecnológico, a dimensão do Brasil consiste em ser uma peça importante na engrenagem estratégica da política exterior americana no que que diz respeito à contenção da expansão da tecnologia 5G da China. Aliás, das três dimensões que o Brasil possui no mapa de Washington, a concessão mais esperada era o distanciamento em relação a Pequim – foi a única e a mais importante entrega que não ocorreu, ao menos por enquanto.

Ainda que se interprete o tuíte de Trump como parte do processo eleitoral, o Presidente americano rebaixou a estatura da economia brasileira ao inferir que o governo manipula artificialmente o câmbio para extrair vantagens comerciais.

A equiparação da economia brasileira com outras economias latino-americanas menos robustas e sólidas, coloca o Brasil em posição de vulnerabilidade e reflete, no fundo, o valor de face que o governo Bolsonaro possui para a Casa Branca. Isto é, o Trump que luta por sua sobrevivência política e por sua reeleição não sacrificará nenhum voto para agradar o governo Bolsonaro.

A mensagem do presidente americano não apenas pegou a diplomacia brasileira no contrapé, mas, sobretudo, expôs a latente fragilidade do processo de formulação da política externa brasileira. Se os interesses tivessem sido sincronizados e o governo Bolsonaro estivesse sido ungido ao patamar de parceiro estratégico, como se procura vender, esse episódio não teria ocorrido.

Se, de fato, os canais estão abertos como se segue crendo, é hora de verificar se o telefone do Salão Oval toca e qual será o retorno efetivo desse contato em defesa do interesse nacional.

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