Bolsonaro: um ano de retrocessos e perda de direitos

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Em 1º de janeiro de 2019, empossado como o 38º presidente da República, Jair Bolsonaro se dirigiu do parlatório do Palácio do Planalto à multidão na Praça dos Três Poderes para apontar rumos do novo governo e se comprometer com o “desejo de mudança” expresso nos 57,8 milhões de votos que recebeu.

Entre as diretrizes da gestão estavam: propor reformas, “tirar a desconfiança e o peso” do governo sobre quem trabalha e produz, enfrentar a crise econômica e o desemprego, “restabelecer a ordem”, e retirar o que chamou de “viés ideológico” da política externa.

Um ano depois, a reforma da Previdência foi promulgada, as mudanças nas aposentadorias dos militares foram aprovadas no Congresso e parte do pacote anticrime passou na Câmara.

Sem uma base organizada no Congresso, o governo não conseguiu aprovar na íntegra a medida provisória (MP) que reestruturou os ministérios.

O presidente também rompeu com o partido pelo qual foi eleito, o PSL – deixou a legenda e anunciou a criação de uma nova sigla, a Aliança pelo Brasil, que ainda não teve tempo de cumprir os requisitos necessários para obter o registro na Justiça Eleitoral.

Bolsonaro também incorporou à gestão uma pauta conservadora nos costumes – promoveu atos religiosos no Palácio do Planalto, elegeu as redes sociais como canal direto de comunicação e colecionou uma série de declarações polêmicas.

Ainda na campanha eleitoral, Bolsonaro prometeu, se eleito, reduzir de 29 para 15 o número de ministérios. No governo, porém, diminuiu o tamanho da redução para 22 pastas. Há ministros militares, técnicos e políticos.

Bolsonaro mora na residência oficial do Palácio da Alvorada e costuma convocar ministros ao local para reuniões pela manhã. Antes, eles participam das cerimônias de hasteamento da bandeira nacional.

Com frequência, o tema “patriotismo” é abordado nos discursos do presidente e aparece na agenda oficial, com a participação dele em cerimônias militares.

Capitão reformado do Exército, Bolsonaro tem um general como vice e sete ministros militares ou com passagens pelas Forças Armadas.

O presidente Jair Bolsonaro faz comentários positivos sobre o período da ditadura militar (1964-1985) com alguma frequência. Em março, ele determinou ao Ministério da Defesa que fizesse as “comemorações devidas” pelos 55 anos do golpe de 1964.

Em outro episódio, questionou a legitimidade da Comissão da Verdade, instaurada no governo Dilma Rousseff para apurar crimes da ditadura. Bolsonaro também elogia o coronel do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, a quem chama de “herói nacional“.

Ustra morreu em 2015 e chefiou, de setembro de 1970 a janeiro de 1974, o Doi-Codi em São Paulo, órgão de repressão política no regime militar. A Justiça de São Paulo aponta Ustra como torturador.

O presidente sempre repete que o Estado é laico, mas ressalva que ele é “cristão”. A partir dessa premissa, mantém proximidade com evangélicos e dedica parte da agenda a atos religiosos.

Depois de dois anos e meio, o Brasil voltou a ter um vice-presidente em 2019. General da reserva, ocupou o cargo vago desde maio de 2016, quando Michel Temer assumiu a Presidência da República em razão do processo de impeachment de Dilma Rousseff.

No início do governo, Mourão concedia frequentes entrevistas, mas se tornou alvo de críticas do vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), filho do presidente, e do ideólogo Olavo de Carvalho. Desde então, diminuiu suas manifestações públicas.

Outro, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), disse que o governo pode editar um “novo AI-5” se a esquerda “radicalizar”. No final de 2018, ainda durante a campanha eleitoral, um vídeo divulgado em redes sociais mostrou o deputado afirmando em uma palestra que, para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF), bastavam “um cabo e um soldado”.

Além disso, o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), também filho do presidente, é alvo de investigação do Ministério Público por suposta prática da “rachadinha”, nome popularmente dado à prática de o gabinete ficar com parte dos salários dos funcionários.

Utilizadas durante toda a campanha, as redes sociais se tornaram a principal forma de Bolsonaro se dirigir aos simpatizantes e apoiadores.

Ele também usa as redes sociais para anunciar medidas, divulgar ações do governo, criticar adversários e até polemizar, como ao compartilhar um vídeo pornográfico no Carnaval e perguntar o que é “golden shower”.

O contato do presidente com jornalistas é muito mais frequente que o dos antecessores. A portaria do Palácio do Alvorada é o principal ponto de parada de Bolsonaro para conceder entrevistas, quase que diárias.

Ele criou o hábito de conversar com apoiadores e conceder entrevistas na saída ou na chegada à residência oficial. Nessas paradas, já comentou planos pessoais e do governo, anunciou medidas e atacou rivais. Foi na portaria do Alvorada que Bolsonaro

Além disso, o presidente escolheu um porta-voz, o general Otávio do Rêgo Barros, que semanalmente faz “briefings” com jornalistas para informar sobre atos do governo e responder a perguntas.

Bolsonaro adotou o hábito de levar pessoalmente ao (em alguns casos a pé) projetos considerados importantes, como as reformas da Previdência e do pacto federativo.

O contato mais frequente com parlamentares fica a cargo dos líderes na Câmara e no Senado e do ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), general do Exército.

Diferentemente de antecessores, ele governa sem base organizada. Não é possível estimar quantos parlamentares integram a coalizão do presidente, que deixou o PSL, sigla pela qual foi eleito – Bolsonaro trabalha para fundar o partido Aliança pelo Brasil.

Mas a ausência de uma base formal não impediu Bolsonaro de buscar apoio de deputados e senadores conforme os projetos analisados e acertar, a exemplo de governos anteriores, a liberação de emendas em troca de votos.

Contudo, o modelo de articulação sem base gerou dificuldades para aprovação de medidas provisórias e projetos considerados importantes.

O primeiro ano de Bolsonaro foi marcado por uma queda histórica da taxa básica de juros. A Selic começou 2019 em 6,5% e seguiu caindo até atingir 4,5% em dezembro, a menor taxa desde a implantação do regime de metas, em 1999.

O governo liberou o saque de parte dos recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como forma de estimular o consumo. Os trabalhadores podem sacar até R$ 500 por conta do FGTS – e o valor total no caso das contas com até um salário mínimo (atualmente em R$ 998).

O desemprego começou em alta, atingindo 12,7% em março, foi caindo lentamente e chegou a outubro em 11,6% (12,4 milhões de brasileiros), estável em relação ao ano passado

Apesar do número ainda alto, dados do IBGE mostram que o mercado de trabalho segue em trajetória de recuperação gradual, ainda que puxada pelo avanço da informalidade, que em 2019 atingiu nível recorde (41,2%)

O ministro da Economia, Paulo Guedes, defendeu diversas vezes a desoneração da folha de pagamentos das empresas, mas a única medida nesse sentido veio já no final do ano, com o programa Verde Amarelo, que permite a contratação de jovens recolhendo uma fatia menor ao INSS e reduzindo outras taxas.

Em dezembro, o governo também determinou o fim da multa de 10% sobre o FGTS nas demissões sem justa causa. Ambas as medidas, no entanto, só começam a valer em 2020.

Nos primeiros meses de governo, Bolsonaro apostou em mudanças na legislação por meio de decretos, que não exigem aprovação de deputados e senadores.

Mas em junho viu o Senado aprovar parecer para suspender dois decretos sobre posse e porte de armas de fogo e uso de munições. Ele editou outros decretos no lugar e enviou projeto de lei ao Congresso.

Com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), à frente das negociações, o Congresso Nacional aprovou a reforma da Previdência. O texto promulgado teve como base a proposta enviada no início do ano pelo governo.

Esta foi a principal reforma aprovada no primeiro ano de Bolsonaro. Com as regras previstas, a estimativa do governo é economizar R$ 855 bilhões no próximos dez anos.

O governo ainda defende a aprovação da chamada “PEC paralela”, voltada a estados e municípios, cuja previsão é economizar R$ 350 bilhões em dez anos se todos os estados e municípios aderirem.

Ao convidar Sergio Moro (Justiça) para ser ministro, Bolsonaro também falou em “carta branca” ao ex-juiz. Mas, em agosto, anunciou a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro e ensaiou substituir o diretor-geral Mauricio Valeixo, escolhido por Moro. “Quem manda sou eu“, declarou o presidente.

Bolsonaro trocou quatro ministros no primeiro ano de um governo que conviveu com mudanças constantes em cargos de segundo e terceiro escalões, algumas promovidas pelo próprio presidente.

Foi o caso de Joaquim Levy. Ministro da Fazenda no governo Dilma Rousseff, Levy pediu demissão da presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) após Bolsonaro afirmar que ele estava com a “cabeça a prêmio“.

Esse tipo de atitude, conhecida como “fritura” no meio político, também foi utilizada nas demissões dos ministros Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Gustavo Bebianno (Secretaria-Geral). O presidente postergou as exonerações, ampliando o desgaste dos auxiliares.

A pauta da segurança pública contou com o envio ao Congresso do pacote anticrime e de um projeto com regras para isentar militares e policiais que cometerem crimes em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs).

O presidente criticou repetidas vezes a “indústria” da demarcação de terras indígenas e defendeu a produção agrícola e o garimpo nas áreas – um projeto a respeito deverá ser enviado ao Congresso.

Segundo Bolsonaro, “o índio é um ser humano igualzinho a nós”. Para o presidente, manter indígenas em reservas demarcadas é tratá-los como animais em zoológicos.

Bolsonaro também tentou barrar o uso de radares móveis em rodovias. Mas a Justiça Federal determinou que os radares voltem a ser empregados para controle da velocidade nas estradas.

O presidente também enviou ao Congresso projeto que amplia de 20 para 40 o limite de pontos para suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e aumenta a validade do documento.

Jair Bolsonaro não gostou de uma peça de propaganda do Banco do Brasil, retirada do ar. Voltada para jovens, a peça mostrava homens de cabelo rosa e expressões como ‘fazem carão’. “A massa quer respeito à família”, disse Bolsonaro.

A política ambiental se tornou foco de atritos para Bolsonaro, criticado por um desmonte na fiscalização e por acusações sem provas para justificar dados ou fatos contrários as teses do governo.

Por esses e outros motivos, o presidente protagonizou rusgas com organizações não-governamentais (ONGs), pesquisadores, políticos estrangeiros (o presidente francês Emmanuel Macron e a chanceler alemã Angela Merkel) e uma estrela do cinema (Leonardo DiCaprio).

Bolsonaro optou por Ricardo Salles como ministro, colocou um ex-deputado ruralista à frente do Serviço Florestal Brasileiro e afirmou que a ampliação de áreas de proteção ambiental “dificultava o progresso”.

Bolsonaro extinguiu o Ministério da Cultura, cuja estrutura foi transferida em janeiro para o Ministério da Cidadania e, em novembro, para o Ministério do Turismo.

No primeiro ano, o presidente teve três secretários especiais da Cultura, dos quais o primeiro, Henrique Pires, acusou o governo de censurar obras com temática LGBT ao deixar o cargo.

O atual secretário é o dramaturgo Rodrigo Alvim, defensor de uma política conservadora, alinhada com Bolsonaro. Alvim escolheu para a Fundação Cultural Palmares o jornalista Sérgio Nascimento de Camargo, que defende o fim do movimento negro.

Bolsonaro diz que não pretende se intrometer na guerra comercial entre Estados Unidos e China. No primeiro ano de mandato, foi três vezes aos Estados Unidos e uma à China e teve reuniões privadas com os presidentes Donald Trump e Xi Jinping.

O primeiro semestre de governo exaltou a aproximação com os Estados Unidos, com anúncios de medidas como a isenção de vistos para turistas norte-americanos entrarem no Brasil.

Já a relação com a China avançou de forma gradual. Se antes o presidente dizia que os chineses não deveriam “comprar o Brasil”, ao visitar o país, Bolsonaro apresentou o programa brasileiro de concessões e contou com a participação chinesa em um megaleilão do pré-sal.

Bolsonaro gosta de dizer que pratica uma política externa “sem viés ideológico”, com o desejo de ampliar as relações comerciais com diferentes países e contrária ao apoio financeiro e político a governos de esquerda. Na prática, a diplomacia brasileira ganhou como guia as teses do ideólogo Olavo de Carvalho.

O presidente anunciou que indicaria o deputado federal Eduardo Bolsonaro, um dos filhos, para o cargo de embaixador do Brasil em Washington. Sem a certeza de aprovação pelo Senado e diante da crise com o PSL, Bolsonaro recuou e indicou para o posto o diplomata Nestor Forster, próximo de Olavo de Carvalho.

Bolsonaro também dedicou atenção especial no primeiro ano de mandato à crise na Venezuela. O governo brasileiro reconheceu o líder de oposição Juan Guaidó como presidente do país vizinho.

Opositor do presidente Nicolás Maduro, Guaidó foi recebido por Bolsonaro no Planalto. Uma operação para enviar alimentos e medicamentos para Venezuela, via Roraima, foi deflagrada.

Ele citou em discursos a crise na Venezuela para defender a reeleição de Mauricio Macri na Argentina. Antes da eleição, disse que “bandidos de esquerda” ameaçavam voltar ao poder no país vizinho.

Macri, apoiado por Bolsonaro, não conseguiu se reeleger. Os argentinos escolheram para presidente Alberto Fernández e, para vice, a ex-presidente Cristina Kirchner.

O anúncio feito na campanha eleitoral de tirar o Brasil da Organização das Nações Unidas (ONU) não se concretizou, assim como a promessa de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém.

No caso da embaixada, diante de possíveis retaliações de árabes a produtos brasileiros, como carne, Bolsonaro abriu um escritório de negócios em Jerusalém.

Na ONU, o presidente fez o primeiro discurso como chefe de Estado na abertura da assembleia geral da organização, em Nova York.

No encontro, abordou temas como preservação da Amazônia, soberania, socialismo, política externa, indígenas, Mercosul e economia, entre outros. O Brasil refletiu essas opiniões em votos dentro da ONU.

G1.