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Em um ano, Witzel implanta exaltação à polícia

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Em tom de dever cumprido e encerramento do primeiro ano de mandato, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, tuitou no início do mês: O “RJ viverá o melhor Natal desde 2014”. A mensagem, ligada às vagas de emprego temporárias e ao montante injetado na economia durante as festas de fim de ano, não tinha relação direta com a bandeira que mais contribuiu para sua eleição em 2018, a segurança pública, mas compartilhava do mesmo otimismo que Witzel tem demonstrado nessa área desde a posse, apesar das críticas e mortes banais de grande repercussão.

Com quase 60% dos votos após uma campanha na qual se colou à imagem do então candidato Jair Bolsonaro, o governador chega ao fim do primeiro ano de mandato com alguns novos inimigos políticos, entre eles o próprio presidente, e dois recordes contraditórios: segundo o Instituto de Segurança Pública, a taxa de homicídios no estado, de janeiro a outubro, caiu 20,9%, enquanto as mortes causadas por policiais aumentaram em 18%, se comparados com o mesmo período de 2018. O primeiro número, apesar de ter eco em uma população assombrada pelos altos índices de violência, é criticado por especialistas quando colocado em perspectiva com o segundo, levando em conta a retórica de “lei e ordem” do governador.

Com um discurso que pregava o “abate de criminosos” e “acabar com a bandidagem”, o ano da segurança pública no estado teve episódios emblemáticos desde os primeiros dias até estes últimos, caso da morte recente do comediante Diego Farias Pinto, o Bunitinho, após seu carro ser alvejado por 19 tiros na Zona Norte da cidade, no início do mês. No primeiro dia no cargo, o governador extinguiu a Secretaria de Segurança, cumprindo uma promessa de campanha e dando maior autonomia aos chefes da Polícia Militar e Polícia Civil, no que o governo classificou como uma espécie de “ligação direta” que ofereceria uma integração melhor e mais rápida entre a população e os meios operacionais, ainda que a pasta dedicada exclusivamente ao planejamento de ações e prevenção de crimes fosse sacrificada.

O foco das polícias foi alterado para pequenas operações constantes e diárias, o que, segundo a Rede de Observatórios da Segurança, correspondeu a um incremento de 36% nessas ações e um aumento de 56% da letalidade policial de junho a outubro deste ano, se comparados com o mesmo período do ano anterior – indicando que 49% das ações policiais nesse intervalo tiveram vítimas fatais. “Chamo esse tipo de operação, pequena, que pula daqui para lá e resolve pouca coisa, de operações-cabrito”, brinca Jacqueline Muniz, antropóloga e professora do Departamento de Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense. “Para uma população atormentada pelos índices de segurança, como é a carioca, esse tipo de discurso pode ser sedutor, mas há dúvidas sobre a real eficácia dessas operações, principalmente quando gastam muitos recursos, não são precedidas de grande planejamento e, várias vezes, podem resultar em altos índices de letalidade policial.”

O primeiro ano da gestão Witzel, diz ela, é marcado por uma “maximização da insegurança” e por um “projeto de medo” que se refletem, em última instância, na legitimação de discursos que avalizam ações policiais, sejam elas quais forem. A redução de quase 21% na taxa de homicídios dolosos, de 4.226 em 2018 para 3.342 em 2019, o menor desde 1991 para o acumulado do ano, segundo os dados do ISP, não seria, porém, um indício de que as políticas de segurança funcionam? “É sempre difícil analisarmos sem acesso aos indicadores de processo, de insumos e de inputs colocados à disposição da segurança pública, mas somente os resultados em uma espécie de ‘atacadão’. Quais trabalhos policiais e práticas de policiamento investigativo e ostensivo foram feitos em termos concretos? Houve redução no tempo de resposta aos chamados, aumentou a taxa de elucidação de crimes, qualidade de investigação, impunidade? Isso não foi dito. É preciso controlar a qualidade e a transparência desses dados, uma vez que há diversas formas de que essa taxa caia de forma a não corresponder com a realidade”, argumenta a acadêmica.

A dúvida sobre se a redução na taxa se traduz na realidade cotidiana é compartilhada pelo professor Ignacio Cano, coordenador do Laboratório de Análise da Violência da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Uma das formas pelas quais o índice de homicídios pode cair é quando criminosos ocultam os corpos das vítimas ou os incineram, de forma que os vestígios não podem ser encontrados – assim o indivíduo é tachado como desaparecido e não entra na contabilidade de homicídios, ainda que tenha sido morto.

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