Homem mais rico do Brasil critica divisão política

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 Foto: Marcos Alves / Agência O Globo

Homem mais rico do Brasil, o investidor carioca Jorge Paulo Lemann revolucionou a gestão empresarial com o seu foco em metas, resultados e prêmios baseados em meritocracia. Agora, tenta repetir o feito no setor público.

Através da Fundação com seu nome, Lemann criou projeto para replicar a experiência de Sobral, a cidade cearense de resultados acadêmicos consistentes, concede bolsas para servidores públicos e financia grupos de renovação na política.

Em duas raras entrevistas, em seu escritório em São Paulo, Lemann falou de política ao GLOBO. “Eu não influencio ninguém, não digo a ninguém como deve votar, não vou me meter em política partidária”.

Qual lição o Brasil não aprendeu nesses dez anos?

O Brasil briga demais. Briga-se muito na política. Isso é ruim. Esse clima todo de divergência impede a produção de consensos. Todo mundo concorda que o Estado é ineficiente e perdulário, mas por que não é possível sentar e descobrir consensos básicos de como fazer o Estado entregar serviços públicos de maior qualidade? Todo mundo concorda que é preciso investir mais e melhor na educação, mas como fazer a decisão certa com tanta briga? O Brasil precisa brigar menos e investir mais em educação.

Quais as lições para o Brasil desses últimos dez anos?

A de que a corrupção não funciona. Não estou nem falando apenas no sentido moral, porque é obvio, mas no sentido de resultado econômico. A corrupção distorce a competição entre as empresas e elimina a meritocracia. O produto final, digamos uma estrada, passa a ser decidida pelo suborno pago, não pelo encurtamento da distância ou pela qualidade do asfalto ou o que seja. A corrupção produz uma economia ineficiente. Acaba contaminando toda a sociedade, todo o sistema econômico.

A elite brasileira, tanto política como empresarial, entende a importância da educação?

Não tem atalho para o Brasil crescer no longo prazo fora de oferecer uma educação de qualidade para todas as crianças. País bom é onde as pessoas têm a mesma oportunidade. É a educação é que gera oportunidade. Nós temos que educar melhor todas as nossas crianças brasileiras. A possibilidade de um país competir em um mundo moderno depende da educação que dá para suas crianças. Um país que educa bem vai progredir.

É possível que o Brasil nunca vire uma Singapura, mas já seria ótimo virar uma grande Sobral (cidade cearense com bons índices de educação).

O Brasil vale à pena?

Quer ver três coisas que funcionam bem no Brasil? A educação em Sobral, o vôlei do Bernardinho e Zé Roberto e a Ambev. São três exemplos brasileiríssimos de metas, cobranças e foco. Por que não podemos atingir esta excelência em todos os setores do País?

Os alunos das escolas públicas de Sobral disputam as olimpíadas mundiais de matemática, mostrando que é possível ter educação de qualidade em cidades pobres. Os técnicos Bernadinho e Zé Roberto ganharam várias Olimpíadas e mundiais e mudaram a mentalidade do esporte brasileiro.

A Ambev começou como uma grande cervejaria brasileira e hoje é a maior do mundo (através da ABI, Anheuser-Busch InBev).

São três exemplos brasileiros de excelência mundial. Todos têm características parecidas: metas muito claras, medições constantes dos resultados, meritocracia e todos têm fanáticos que trabalham lá, gente que sonha grande, que prova que é possível.

Os três exemplos que o senhor deu lembram os mesmos eixos do que ficou conhecido como cultura da 3G, a companhia de private equity, na qual o senhor é sócio com o Marcel Telles e o Carlos Alberto Sicupira.

Sim, a nossa experiência tanto lá atrás no Garantia, como depois na 3G tem um peso. Trouxemos questões como metas e planos de meritocracia. Muitos executivos que trabalharam conosco, seguiram suas carreiras e levaram um pouco dessa cultura para outras empresas. Então pensando assim, sim, acho que ajudamos o sistema empresarial brasileiro a se aprimorar.

O senhor falou do que deu certo. O que da cultura 3G não funciona mais?

Viemos do mercado financeiro, nosso foco eram os resultados, nossa capacidade de cortar gastos e produzir com menos custos. A ABI produzia a melhor cerveja ao menor custo e isso gerava um resultado final ao acionista. Isso deu muito certo por muito tempo, mas hoje é um momento diferente.

Como é que esse momento diferente?

Vivíamos em um mundo no qual você podia apenas focar em ser mais eficiente e o resto estava dado. A cerveja de boa qualidade a um custo menor chegaria ao consumidor e tudo ficava bem. Só que as coisas mudaram, o comportamento do consumidor mudou e continua mudando. Não basta ser eficiente dentro da fábrica. Tem que ser eficiente compreendendo todas as mudanças na cabeça do consumidor. Eles querem produtos diferentes todos os dias, querem que seja entregue de uma forma mais fácil. Nós realmente temos que nos adaptar.

Essa mudança explica o fracasso da Kraft Heinz (grupo alimentício adquirido pela 3G em 2015)?

Quando compramos a Kraft Heinz, tentamos repetir o êxito da ABI, de fazer na indústria de alimentação o que fizemos no mundo da cerveja. Ser eficiente no controle de custos e manter a qualidade do produto. Só que isso não basta mais. O consumidor mudou e erramos ao não perceber isso a tempo. O sonho com Kraft Heinz não andou direito e agora estamos concertando.

Qual a lição do fracasso?

Não existe zona de conforto. É nos negócios, é no esporte, é na vida. Você não pode parar, não pode descuidar um minuto. Nos especializamos em produzir, em cortar custos. Nunca fomos bons na aproximação com a clientela. Agora, estamos aprendendo.

Depois da crise da Kraft, senhor se definiu no ano passado como um dinossauro apavorado.

Eu já fui dinossauro apavorado, sim. Hoje eu continuo um dinossauro, mas um dinossauro que está aprendendo.

O que o senhor está aprendendo?

Estamos reestruturando nossas companhias e investindo em novos negócios.

O que o senhor faria se estivesse começando sua carreira agora?

Se eu tivesse 20 e poucos anos iria passar dois anos no Vale do Silício ou em Singapura, em um lugar de ponta de tecnologia. Iria aprender tudo o que eu pudesse e montaria meu próprio negócio.

Onde?

Eu voltaria ao Brasil. Aqui tem muita oportunidade.

Por que o empresariado brasileiro reclama tanto do Brasil?

Os outros países também têm confusão, tem briga politica, mas eles se unem para resolver alguns pontos. Tem vários países asiáticos mais pobres do que nós, mas que estão na nossa frente em termos de Educação. A Malásia, por exemplo, está atacando a questão da educação.

Como empresário, o senhor manteve uma posição politica discreta. Por que hoje está ajudando pessoas a entrar na política?

Quando eu era jovem, era o tempo dos militares, ninguém nem olhava a política. E eu queria ficar rico. Hoje, talvez eu me interessasse pela política.

Por que a Fundação Lemann entrou na política?

Não entramos na política partidária. Investir em educação não é uma questão de esquerda ou de direita. Vamos resolver, como é que resolve? Vamos fazer o prático. Provavelmente, isso é mais ou menos pelo meio, nem de esquerda nem de direita. Então, não estamos na política para eleger ninguém, mas para ajudar com a nossa experiência a produzirmos políticas públicas mais eficientes.

A Fundação concedeu 300 bolsas para jovens estudarem políticas públicas na Kennedy School, Oxford e em Columbia para voltarem ao Brasil e preencherem funções publicas . Isso é importante. Apoiamos a Vetor Brasil, a ONG criada pela Joice Toyota, que ajuda prefeituras e governos der todos os partidos a contratar pessoas com os melhores critérios profissionais. É uma headhunter de graça para o serviço público. Na Fundação, chamamos o ex-prefeito de Sobral, Veveu Arruda, do PT, amigos dos irmãos Gomes, para montar um projeto para replicar a experiência de sucesso de Sobral em outras cidades brasileiras com menos de 200 mil habitantes. Estamos testando atualmente em 25 cidades com prefeitos de vários partidos que tem interesse no programa. Se der certo, vamos fazer mais 250 cidades.

Hoje se fala em uma bancada Lemann no Congresso

Isso não existe. Eu não influencio ninguém, não digo a ninguém como deve votar, não vou me meter em política partidária. Ajudamos os movimentos de renovação na política porque acreditamos que a política é importante. A minha intenção é ajudar em termos de consensos.

Como é o processo de escolha desses bolsistas?

São pessoas de todas os campos políticos, todas comprometidas com o bem público. Tem o Felipe Rigoni, a Tábata Amaral… Aliás, a Tábata está bem à minha esquerda no espectro político. Levei o Flávio Dino (governador do Maranhão, filiado ao PCdoB) para falar em Oxford, o Fernando Haddad (candidato presidencial do PT em 2018), o importante não é se o politico é de esquerda ou de direita, mas se ele dialoga.

O senhor acredita que esses movimentos de renovação vão um dia eleger um presidente da República?

JPL – A Tábata é jovem, tem 25 anos. O Eduardo Leite tem 34. Eles têm uma vida pela frente.

E o Luciano Huck?

Nem sei se ele será candidato.

Qual a sua avaliação sobre esses primeiros meses do governo Bolsonaro?

O rumo do Paulo Guedes está correto. Poderia ter menos agito na parte política.

O Globo