No Egito, ódio aos judeus estimula uso de imagens nazistas

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Foto: Reprodução

Um estrangeiro que ande pelas ruas da cidade do Cairo, no Egito, pode se surpreender com fachadas de lojas decoradas com símbolos nazistas e até pela imagem do próprio Adolf Hitler, inusitadamente trajado de camisa florida e óculos escuros. A cena controversa, porém, está longe de ser regra no país. Mas reflete um lado da história política e religiosa do país.

As imagens das fachadas se espalharam pelas redes sociais, mas logo foram apagadas pelas plataformas, seguindo a político de supressão de ícones nazistas aplicada por empresas como o Facebook.

Escondidos em bairros como Zawya Hamraa e Qalyub, as lojas ostentam os símbolos nazistas, como a águia e suástica, em suas fachadas. Mas, ao pisar para dentro dos estabelecimentos, o que se vê são roupas normais à venda, sem adereços que remetam à Alemanha Nazista.

Apesar desses poucos comércios simpatizantes do líder nazista, o apreço das pessoas pelo ditador não é algo compartilhado pela vasta maioria da população. Em 2016, causou ultraje na cidade o fato de uma loja da rua Shawarbi, um dos centro comerciais e financeiros mais conhecidos do Cairo, ter sido inaugurada com o nome de Hitler e uma suástica estampada na fachada.

O dono do estabelecimento, Osama Farouk, disse à época ao site de notícia Gulf News, que o “nome e o emblema atraíram” sua admiração. “Então, decidi coloca-los na frente da minha loja”, afirmou ele, sem ideia da tragédia e da destruição representavam. Farouk também afirmou que os símbolos não tinham conotação política, apenas estética e não entendia o por que da repercussão.

Mesmo com a repercussão negativa do caso da loja de Farouk, outras apareceram ao redor do Cairo. A explicação para o fenômeno pode ser encontrada no história política e religiosa do Egito no século XX, pouco amistosa durante décadas à criação do estado de Israel e ainda menos simpática aos judeus em seu território.

A última pesquisa realizada pela Liga Antidifamação (ADL) mostrou que, em 2014, cerca de 75% da população egípcia disse concordar com visões preconceituosas e intolerantes sobre o povo judeu, sendo que 78% acreditava que as comunidades judaicas eram mais leais a Israel do que ao país no qual viviam. Em comparação, dados do mesmo ano mostraram que, no Brasil, apenas 14% da população tinha a mesma percepção.

Conflitos entre árabes muçulmanos e judeus antecedem a criação de Israel, em 1948, e a consolidação dos Estados nacionais árabes, mas essa animosidade era muito diferente do que a observada na Europa, segundo Daniel Douek, pesquisador do Centro de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo (USP). “No final do século XIX e início do século XX, a vida dos judeus em países de maioria muçulmana era mais tranquila do que em lugares como o Leste Europeu, de maioria cristã, muito marcados por perseguições e chacinas”.

Durante a Segunda Guerra Mundial, setores do mundo árabe viram em Hitler uma saída para o colonialismo britânico e francês na região e começaram a se simpatizarem com os países do eixo. O líder palestino Mohammad Amin Husayni buscou na Alemanha nazista o apoio necessário para impedir a criação de um Estado judaico e garantir a autodeterminação da Palestina que, naquele momento, era controlada pelo Império Britânico.

Simpatizante da propaganda nazista disseminada na região por anos, Husayni ajudou a disseminar o antissemitismo por meio de organizações religiosas, como a Irmandade Muçulmana. O sentimento antissemita se intensificou na população muçulmana com os conflitos árabes-israelenses que se desdobraram com a guerra de independência e a criação do Estado de Israel, em maio de 1948.

No mesmo ano da criação de Israel, 80.000 judeus residiam no Egito. Mas a partir do golpe militar e da ascensão de Gamal Abdel Nasser Hussein ao poder em 1954, a famílias judias começaram a serem expulsas do país. Atualmente, quase não há judeus no Egito.

No total, foram três guerras entre Israel e países integrantes da Liga Árabe (Egito, Iraque, Jordânia, Líbano e Síria) ao longo do século XX. Mas foi em 1956 que o Egito e Israel, junto com França e Inglaterra, entraram em confronto direto pelo domínio do Canal de Suez.

O último conflito, em 1967, alterou profundamente as fronteiras na região. Em apenas seis dias, o Exército de Israel ocupou e anexou a Península do Sinai (antes território do Egito), a Faixa de Gaza, a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) e as Colinas de Golã, da Síria.

Apesar de um armistício assinado entre os países, não houve, desde então, um tratado de paz que colocasse fim às hostilidades, apesar das relações entre Israel e Egito terem melhorado nas últimas décadas. O presidente egípcio Abdel Fattah Sisi encontrou-se com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em 2017 — o primeiro entre líderes dos dois países em 40 anos.

O componente religioso também é um ingrediente na concepção da população egípcia sobre Israel. No começo dos anos 2000, o movimento político-religioso Irmandade Muçulmana começou a ganhar força no Egito e a conquistar cada vez mais apoiadores.

Fundada em 1928, de vertente sunita, a Irmandade prega a adoção da Sharia como lei de Estado. Seu líder Mohammed Mahdi Akef, falecido em 2010, costumava sair em defesa do ex-presidente xiita do Irã Mahmoud Ahmadinejad quando declarava que o Holocausto era uma mentira e uma fraude.

Em 2005, a Irmandade Muçulmana participou das eleições parlamentares egípcias e conquistou 88 dos 454 assentos. A oposição tradicional ficou com apenas 33 cadeiras. Após a derrubada do presidente Hosni Mubarak em 2011 por manifestantes durante a Primavera Árabe, a Irmandade Muçulmana emplacou seu candidato ao pleito presidencial. Eleito, Mohamed Morsi foi deposto no ano seguinte de sua posse por um golpe militar em 2013.

Apesar do histórico do país, simpatias à Alemanha Nazista ou sua ideologia não costumam encontrar espaço dentro da Câmara dos Deputados. Em 3 de outubro de 2019, o presidente do Câmara, Ali Abdel Aal, citou o avanços de Hitler na construção civil para defender os gastos de Sisi com projetos de infraestrutura. Logo, Aal começou a receber críticas de partidos da oposição quanto do governo.

O presidente da Câmara se desculpou no dia seguinte, e disse que Hitler “cometeu diversos crimes e nunca poderá ser elogiado”.

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