Preferida de Witzel à Prefeitura do RJ é criticada por posições religiosas

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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

A juíza Glória Heloiza Lima da Silva, 51 anos, sempre chama a atenção por onde passa. Com cabelos longos e bem cortados, vestidos curtos e ousados para o conservadorismo dos tribunais, a magistrada tem o gosto por se destacar. Falem bem ou mal. Apontada como pré-candidata de Wilson Witzel (PSC) na eleição à Prefeitura do Rio, no ano que vem, a juíza é tão chegada a usar uma faixa distintiva quanto o governador. Em abril, recebeu o adereço com a inscrição “Embaixadora da Educação” oferecida pela secretaria estadual da área. Um sinal de prestígio com o Palácio Guanabara.

Questionado pelo Valor, em recente entrevista na sede do governo, Witzel se esquivou, afirmando, de pronto, que a candidatura de Glória Heloiza seria “fofoca”. Depois, passou a elogiá-la. “É uma pessoa empolgada com o Rio, que gosta de carnaval. É religiosa, tem um bom perfil. É uma grande candidata, com vocação para ajudar, atuou na adoção [na Vara da Infância].Se ela estiver disposta e tomar essa decisão, será muito bem-vinda. Tem grande potencial. Até porque é magistrada e mulher”, disse o governador. Na primeira pesquisa com seu nome, divulgada pelo Datafolha no dia 15, ela apareceu, em dois cenários, com zero e 1% das preferências.

Witzel afirma ter sido apresentado à magistrada “há uns cinco anos”, pelo juiz Pedro Henrique Alves, titular da 1ª Vara da Infância, Juventude e Idoso, que organizava um camarote de carnaval, na Marquês de Sapucaí. “Depois, ela pediu para irmos ao Espaço Candonga”, contou o governador, ao lado de Helena, primeira-dama do Estado, numa referência ao segundo recuo de bateria do Sambódromo. No carnaval do interior, quando atuava em Piraí, a juíza foi destaque em carro alegórico, lembram pessoas em seu entorno.

Fora da folia, a atuação como titular da 2ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, contudo, é alvo de críticas, seja pela suposta falta de “urbanidade”, pelo uso da religião ou pelo que seria desapreço à adoção, com uma tendência por manter crianças com a família biológica. Nos últimos três anos, sete reclamações sobre seu trabalho chegaram ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), das quais seis foram arquivadas. Está em tramitação uma representação do Ministério Público (MP) estadual, que recorreu contra o arquivamento.

Em suas razões, o MP argumenta que “a magistrada causa dano inestimável ao desenvolvimento emocional e cognitivo das pessoas que deveria proteger, revelando-se inapta ao exercício de suas funções junto a uma Vara da Infância e da Juventude”. Desde o recurso do MP, a juíza passou a receber respaldo da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) e da Associação de Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj), como terceiros interessados.

Tão logo o plano da candidatura veio à tona, porém, Glória Heloiza não contou com a blindagem dos colegas titulares do Tribunal Regional Eleitoral (TRE). Ali, a juíza também é desembargadora eleitoral substituta. Numa acalorada sessão, que chegou a ter a gravação suspensa, em 27 de novembro, os desembargadores decidiram notificá-la para dar explicaçõe sobre a notícia da candidatura que circulava no dia. Dos sete integrantes, ficou vencido o então presidente Carlos Santos de Oliveira, que indicara Glória Heloiza, em pouco tempo, para uma função valorizada na Casa, a de diretora da Escola Judiciária Eleitoral (EJE-RJ), o que levou à saída da desembargadora eleitoral Cristiane Frota do cargo.

Temendo o uso da Corte como um “palanque eleitoral”, o TRE realizou uma nova sessão dois dias depois, e confirmou a proibição de se publicar o nome e a imagem de Glória Heloiza no site do órgão ou que ela participe de eventos institucionais. Vetou ainda a presença dela em dois eventos do tribunal que tiveram a presença de Witzel. As restrições foram impostas apesar de a juíza ter alegado que não é “candidata a qualquer cargo político”. Para a Corte, as informações prestadas foram “genéricas”. “Não há indício algum de atitude que efetivamente tenha sido tomada pela magistrada no sentido de tentar, perante a imprensa, desmentir todas as notícias”, relata a ata da sessão.

Na sessão anterior, o desembargador eleitoral Paulo Cesar Vieira de Carvalho Filho alertara para a possibilidade de que – mesmo negando por ora – a juíza viesse a concorrer à prefeitura, depois de usar “o site, os eventos, a escola, a estrutura, o respeito dos colegas para se promover” – o que “humilharia” o TRE. “O colegiado considerou um desrespeito, uma traição, que uma desembargadora eleitoral, ainda que substituta, tenha sido citada como candidata”, afirma um advogado que acompanha o dia a dia do TRE.

Ele lembra que a atuação de Glória Heloiza à frente da EJE já havia sido alvo de espanto quando a magistrada manifestou a intenção de convidar a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, para dar uma palestra no departamento que promove cursos e debates no TRE.

Tanto Damares quanto Glória Heloiza pertencem à Igreja Batista. Ainda que não faça da leitura da Bíblia uma rotina, como relata pessoa bem próxima, a juíza costuma frequentar aos domingos os cultos pregados pelo pastor Pedrão, da igreja Comunidade Batista Rio (CBRio), na Barra da Tijuca. Com estilo “contemporâneo”, “descontraída na forma, mas firme nos valores”, a igreja é liderada por Pedro Luis Barreto Litwinczuk, um ex-participante do programa “No Limite”, primeiro reality show exibido pela TV Globo, em 2001. Entre as provas de resistência, na Ilha de Marajó, no Pará, Pedrão, que já era pastor, teve que comer olho de cabra e testículo de boi. Despojado na fala e no jeito de se vestir, em abril deste ano celebrou o casamento do filho do presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Eduardo (PSL-SP) com a psicóloga Heloísa Wolf, por indicação da mãe do parlamentar, Rogéria Bolsonaro.

A influência dos valores religiosos em sua atuação na Vara da Infância é alvo de críticas dirigidas por gente que a conhece de perto. Outro profissional que atua na área lembra que a juíza tinha o hábito de distribuir Bíblias para as partes durante as audiências. “As audiências são atravessadas pelo julgamento moral e religioso o tempo inteiro”, diz.

Desde 2017, com a alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente, a mãe que não quiser cuidar de seu filho tem direito ao sigilo da entrega da criança, que entra para a fila de adoção. “A gente já participou de situações em que a mãe é desmoralizada na audiência, ao ser questionada: ‘Como assim vai entregar?’, ‘Como não quer ser mãe dessa criança”, diz. O risco, acrescenta, é que a dificuldade em entregar a criança à Vara desestimula a adoção pela “via legal e protegida”. “As mães que não querem passar por essa situação vão deixar a criança por aí, vão jogar na primeira vala negra, no lixo, ou entregar irregularmente com o perigo de parar nas mãos de um pedófilo ou de um traficante de crianças”, diz.

A advogada Cristina Ribeiro afirma que precisou mudar de ramo de atuação no direito, e reduziu ao mínimo seus clientes na área da infância, devido às dificuldades na 2ª Vara. Ela conta em detalhes o caso de uma guarda concedida por Glória Heloiza a um casal de pais adotivos, mas que depois foi revertida pela própria juíza em favor da “avó que só tinha visto a criança uma única vez”, num período de um ano e meio em que a neta esteve no abrigo. A menina, que estava com o casal adotivo há 45 dias, já os chamava de pai e mãe. “Na audiência, o casal chorava e a juíza dizia: ‘Olha, esse choro não vai adiantar nada. Aqui não sou cegonha para dar filho para ninguém’”, relata. A advogada conta que entrou com recurso, concedido inicialmente na segunda instância pelo placar de 2 a 1, mas que o relator mudou de voto, após Glória ter ficado “umas cinco horas no gabinete dele”. O caso foi parar no CNJ mas o casal desistiu e adotou outra criança.

Valor