PSDB quer distância de Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Disposto a manter a retórica antipetista, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), busca o centro enfrentando competidores internos, como o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que cobra ponderação e respeito ao contraditório no exercício da política.

Após participar do congresso do PSDB em Brasília, em que o partido se definiu em um manifesto como o centro democrático e liberal, Doria encontrou-se ontem em São Paulo com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que não esteve presente no evento do sábado. Em vídeo enviado pela assessoria de imprensa de Doria, FHC destaca a importância de os tucanos se mobilizarem por mais apoio do eleitorado. “É importante chamar mais gente, ninguém ganha eleição sozinho, é juntos”, disse FHC.

Doria classificou a conversa como “construtiva”. “Juntos faremos um novo PSDB crescer e cumprir seu papel, não esquecendo do passado, mas fazendo do PSDB um partido do presente”, disse Doria. “E do futuro”, completou FHC.

No evento de sábado, as lideranças do PSDB usaram os discursos para atacar posturas radicais de autoridades, mas evitaram citar nominalmente o presidente Jair Bolsonaro. Houve muita costura para se encontrar um tom que unisse os tucanos próximos a Bolsonaro e os que querem se afastar do governo.

Durante o Congresso, o PSDB apresentou diretrizes como a manutenção do Bolsa Família como política de Estado inscrita na Constituição, a adoção do voto distrital e o apoio às privatizações. Defendeu um controle maior do porte e posse de armas de fogo, a manutenção da política de cotas no ensino superior e uma política externa multilateral.

No sábado, o governador paulista conversou com o Valor, por telefone, no saguão do aeroporto, enquanto aguardava o embarque para retornar a São Paulo. A entrevista durou apenas 13 minutos. Doria disse que nunca defendeu teses de direita, assim como também rejeita o ideário da esquerda. Sobre 2022, enfatizou que defende a realização de prévias, uma bandeira, aliás, também levantada no congresso do PSDB pelo governador Eduardo Leite.

Em relação à entrada de Luciano Huck no jogo de 2022, Doria deixa claro não ver espaço para ele no PSDB. “Não é o caso de se avaliar o ingresso do Huck no PSDB, mas de avaliar que todos aqueles que tenham pensamento democrático, de centro, liberal, devem dialogar e devem se aproximar. Se estivermos unidos, quem ganha é o Brasil.”. Eis a entrevista ao Valor:

Valor: Há setores no PSDB que veem com incômodo o fato de o senhor carregar no antipetismo porque isso o empurra ao outro extremo, já ocupado pelo presidente Jair Bolsonaro. O senhor sente essas cobranças dentro do partido?

João Doria: Nenhuma. Até porque a nossa posição é de centro, de equilíbrio e de diálogo, com a esquerda e com a direita. E as posições que eu defendi foram as que me levaram a ganhar duas eleições em três anos. Qual a razão que eu tenho para mudar esse discurso se nos dois maiores colégios eleitorais do país, no Estado de São Paulo, e na capital de São Paulo, eu venci com o mesmo discurso? Liberal e obviamente nos colocando contra a política que foi realizada pelo PT. Qual razão que tenho para aliviar Lula e PT do meu discurso?

Valor: O senhor foi eleito por um eleitorado à direita. Sua campanha foi colada em valores e políticas associadas ao bolsonarismo. O senhor não concorda com isso?

Doria: Não, não concordo. Em 2016 não tinha Jair Bolsonaro, nem bolsonarismo, nem bolsominions. Tinha o nosso discurso. E foi o mesmo discurso que eu utilizei, eu não mudei o discurso. Agora, evidentemente que na campanha presidencial de 2018 você tinha dois candidatos: um candidato Fernando Haddad, que eu já tinha derrotado naquele momento, com o Lula livre, e um outro candidato que tinha uma posição diferente, evidentemente naquela circunstância eu e 60 milhões de brasileiros fizemos a opção anti-Lula e anti-PT. Se houver alguma condenação a mim, sou eu mais 59.999.999 brasileiros.

Valor: O PSDB divulgou um texto em que diz valorizar “a diversidade de pensamento, opiniões e escolhas”. Com quem o senhor dialoga no campo da esquerda hoje?

Doria: Com quem desejar. Quem desejar conversar com o governador de São Paulo, e for da esquerda, terá portas abertas, assim como a direita. O diálogo constrói, fortalece a democracia. Os extremos enfraquecem a democracia. A minha posição é de centro, liberal, democrático, que dialoga. Eu apoio a diversidade.

Valor: Mas o senhor tem conversado ou admite conversar com alguém da centro-esquerda?

Doria: Até da esquerda. Recentemente convidei o deputado [federal] Orlando Silva, líder do PC do B, para participar, a meu convite, de uma reunião do secretariado de São Paulo. Tenho um bom diálogo com ele. É apenas um exemplo concreto de que o diálogo constrói. Eu não fujo ao diálogo. Eu hoje administro o Estado de São Paulo para todos, para os que são de esquerda, de direita, de centro, os que têm mais idade, menos idade… Eu não faço gestão seletiva e nem seleciono prefeitos que nos apoiaram em detrimento dos que não nos apoiaram.

Valor: Como gestor o senhor não interdita o diálogo nem com o PT?

Doria: Ao contrário, estimulo. Assim como com o PSL e outros partidos mais à direita. Eles engrandecem, porque é o contraditório. E também há convergências, que aperfeiçoam projetos. Isso é bom, saudável. Não é mal.

Valor: O senhor enfrentou prévias para a prefeitura, disse que é filho das prévias, que aceita prévias. Mas seria uma novidade isso no PSDB quando se trata Presidência.

Doria: Eu defendo prévias. Disputei prévias para a Prefeitura de São Paulo, as únicas que o PSDB realizou no país em 2016. Venci quatro candidatos. Depois, mesmo tendo sido prefeito na maior cidade brasileira, disputei prévias para o governo de São Paulo. Disputei e ganhei.

Valor: O senhor poderia enfrentar uma prévia com o governador Eduardo Leite?

Doria: Não é hora de discutir a eleição de 2022. É hora de fazer gestão. E no ano de 2020, discutir as eleições municipais. 2022 se discute em 2022. Agora, as prévias eu defendo. Para defender prévias você não precisa ser candidato. Precisa ser democrata.

Valor: Mas o senhor se coloca como pré-candidato à Presidência.

Doria: Me coloco como defensor das prévias, como administrador e gestor do maior Estado brasileiro que é São Paulo. A hora de falar em eleição presidencial é em 2022.

Valor: O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, diz que o PSDB não pode estar mais à direita do que realmente é. O senhor se considera um político de direita?

Doria: Quem declarou isso? Não procede. Eu defendo o PSDB de centro liberal democrático.

Valor: Então o senhor não se considera um político de direita?

Doria: É lógico que não sou. Nunca fui. Nunca defendi teses da direita. Como não defendo teses da esquerda. Minha posição é de centro. É a mais difícil delas, porque é a mais difícil de defender, até para suportar equívocos como esses. Ou colocações insidiosas e não verdadeiras. É mais fácil dizer sou de direita, sou de esquerda. Mas eu não sou. Eu nunca defendi teses da direita. Nunca advoguei à direita. E nem o PSDB está caminhando para a direita. O PSDB adotou o centro democrático como princípio de estruturação do novo partido. Essa é a nova posição.

Valor: Sabe-se que o nome de Luciano Huck é especulado por esse centro liberal. Muito se fala até de um possível diálogo entre o senhor, Huck e Leite. O senhor vê essa possibilidade? Luciano Huck teria espaço no PSDB?

Doria: Não é o caso de se avaliar o ingresso do Luciano Huck no PSDB, mas de avaliar que todos aqueles que tenham pensamento democrático, de centro, liberal, devem dialogar e devem se aproximar. Isso é bom para o Brasil, o diálogo construtivo entre pessoas que mantêm uma mesma linha de pensamento, o mesmo direcionamento, ainda que com alguns vieses um pouco distintos. Não há problema.

Valor Econômico