A arriscada aposta de Trump contra o regime iraniano
A decisão do presidente Donald Trump de atacar e matar a segunda autoridade mais poderosa do Irã põe em ponto de ebulição o velho conflito de fogo baixo contra Teerã e talvez se configure como a ação mais arriscada dos EUA no Oriente Médio desde a invasão do Iraque em 2003.
O cálculo foi simples: Washington tinha de restabelecer seu poder de dissuasão e mostrar aos líderes iranianos que os mísseis disparados contra navios no Golfo Pérsico e instalações de petróleo na Arábia Saudita, além dos ataques no Iraque que custaram a vida de um funcionários americano, não ficariam sem resposta. Mas agora, mesmo que as autoridades americanas tenham certeza de que os iranianos reagirão, elas não sabem com que rapidez ou ferocidade.
Para um presidente que repetidas vezes afirmou sua determinação de se retirar do caldeirão do Oriente Médio, o ataque que matou o general Qassim Suleimani – que há duas décadas é líder da unidade militar mais temível e cruel do Irã, a Força Quds – significa que não haverá escapatória da região pelo restante de sua presidência, seja por um ou cinco anos. Trump comprometeu os EUA em um conflito cujas dimensões são desconhecidas, pois agora o líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, quer vingança.
“É um grande salto na escalada”, escreveu Charles Lister, do Instituto do Oriente Médio. “Com Suleimani morto, começa uma guerra, quase com certeza. As únicas perguntas são: onde, como e quando?”
Bruce Riedel, ex-agente da CIA que passou a vida estudando no Oriente Médio e agora está no Brookings Institution, disse: “O governo está levando os EUA para mais uma guerra no Oriente Médio, uma guerra maior do que nunca”. No entanto, talvez não seja uma guerra convencional, em nenhum sentido, já que a vantagem dos iranianos se encontra exclusivamente no conflito assimétrico.
Sua história sugere que eles não enfrentarão os EUA de frente. Os iranianos são mestres em atacar alvos vulneráveis – a começar pelo Iraque, mas não se restringindo a este país. Nos últimos anos, eles aprimoraram sua capacidade de causar danos de baixa intensidade e não deixaram dúvidas de que querem atingir os EUA.
Por enquanto, eles não conseguem – pelo menos não pelas formas tradicionais. Mas eles já fizeram tentativas com o terrorismo, entre elas um esforço abortado para matar o embaixador da Arábia Saudita em Washington, nove anos atrás. Na noite de quinta-feira, o Departamento de Segurança INterna dos EUA estava enviando mensagens relembrando as tentativas passadas e presentes do Irã de atacar os EUA no ciberespaço.
Até agora, essas tentativas se limitavam a ataques a bancos ou a barragens e outras infraestruturas sensíveis dos EUA. Mas, até aqui, os iranianos demonstraram não ter a mesma capacidade de russos ou chineses.
Seu primeiro passo pode muito bem ser no Iraque, onde apoiam milícias pró-iranianas. Mas, mesmo lá, eles são uma força indesejável. Apenas algumas semanas atrás, as pessoas saíram às ruas para protestar contra a interferência iraniana – e não americana – em sua política. Ainda assim, existem alvos fáceis em toda a região, como mostraram os ataques às instalações petrolíferas sauditas.
Dois elementos complicam a gestão desse momento perigoso: o impeachment do presidente e o renascimento do programa nuclear do Irã.
É apenas uma questão de tempo até que se questione se o ataque foi lançado apenas para criar uma contranarrativa, a narrativa de um conflito com um adversário de longa data, justo no momento em que o Senado julga a procedência da remoção de Trump.
E já se ouvem acusações de que o presidente ultrapassou seus limites constitucionais e de que a decisão de matar Suleimani – se é que foi uma decisão, ou seja, se o líder iraniano não estava simplesmente no comboio errado no momento errado – exigia aprovação do Congresso.
“A questão é seguinte”, escreveu no Twitter o senador Chris Murphy, democrata de Connecticut, à medida que as notícias do ataque se espalhavam. “Como sugerem as reportagens, os EUA acabaram de assassinar, sem qualquer autorização do Congresso, a segunda pessoa mais poderosa do Irã, deliberadamente desencadeando uma potencial guerra regional?”
Trump dirá que não fez nada que não estivesse dentro de seus direitos e o ataque foi um ato de legítima defesa. E terá um forte argumento: Suleimani foi responsável pela morte de centenas, senão milhares, de americanos no Iraque ao longo dos anos e, sem dúvida, estava planejando mais mortes.
O anúncio dos EUA, feito pelo secretário de Defesa, Mark Esper, citou os planos do general – os quais não foram especificados – como justificativa para a ação. Se houvesse informações seguras sobre ataques iminentes, seriam aplicáveis os antigos princípios de preempção, ressuscitados na política americana pelo presidente George W. Bush.
Já o futuro nuclear é mais complexo. Mais de um ano atrás, Trump se retirou do acordo nuclear de 2015, mesmo com as objeções de muitos de seus assessores e de quase todos os aliados dos EUA. De início, os iranianos reagiram friamente e permaneceram dentro dos limites do acordo. Mas essa fase se encerrou no ano passado, com a escalada das tensões.
Antes do ataque, esperava-se que eles anunciassem, na semana que vem, seu próximo passo nuclear – e parecia provável que fosse um passo rumo ao enriquecimento de urânio para a produção de uma bomba. Isso parece ainda mais provável agora e aumenta a possibilidade de mais uma escalada no conflito, caso provoque uma ação militar ou cibernética dos EUA ou de Israel contra as instalações nucleares iranianas conhecidas.
Até mesmo os críticos da decisão nuclear do presidente disseram entender por que o general iraniano era um alvo. “Esses caras são a personificação do mal”, disse David Petraeus, general aposentado que foi o arquiteto da tomada do Iraque, em entrevista na noite de quinta-feira. “Eles foram responsáveis por pelo menos 600 mortes de soldados americanos.”
Mas Petraeus também fez uma advertência. “Haverá uma escalada”, disse ele. “Suponho que eles vão fazer alguma coisa. E, com o tempo, a única pergunta vai ser: será que criamos mais poder de dissuasão do que se não tivéssemos atacado?”