Ato terrorista dos EUA ameaça acordo anti-nuclear com o Irã

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O mundo inteiro aguarda apreensivo a prometida retaliação do Irã ao ataque dos Estados Unidos que resultou na morte do poderoso general Qassem Soleimani. Mas a primeira resposta de Teerã não deve ser direcionada aos americanos ou seus aliados, muitos menos deverá ser uma operação militar. Nesta segunda-feira, espera-se que os iranianos anunciem uma nova redução no cumprimento do acordo nuclear firmado entre o Irã e as principais potências globais em 2015, conhecido pela sigla JCPOA. Como a decisão será tomada no calor da perda do carismático militar, segunda personalidade mais importante do país, muitos temem uma medida drástica, até mesmo a retirada do pacto.

Em maio de 2019, quando completou-se um ano da retirada dos EUA do acordo no qual Teerã abriu mão formalmente de construir a bomba, o Irã anunciou que encerraria a sua fase de “paciência estratégica” e que passaria a reduzir gradualmente seu comprometimento com o que havia sido negociado. A cada 60 dias, caso as partes remanescentes — principalmente a União Europeia — não implementassem formas de evitar que os iranianos sofressem economicamente com as sanções impostas por Donald Trump, novos passos para a retomada de atividades nucleares suspensas desde 2015 seriam tomadas.

O primeiro passo foi anunciar que não limitaria sua reserva de combustível nuclear aos 300 quilos previstos no acordo. Depois, os iranianos passaram a enriquecer urânio a um nível de pureza superior a 3,67% e derrubaram os limites a seu programa de pesquisa e desenvolvimento nuclear. No último passo, em novembro, começou a injetar gás de urânio em 1.044 centrífugas na sua usina nuclear de Fordow, na província de Qom.

A expectativa em relação ao anúncio desta semana, que já era alta, aumentou por conta do assassinato do general Soleimani na última quinta-feira passada, em um ataque dos EUA em Bagdá, no Iraque.

— Isso definitivamente vai afetar os próximos passos do Irã no JCPOA — disse Hamed Mousavi, professor de ciências políticas da Universidade de Teerã, que acredita que o próximo anúncio deverá marcar uma posição forte, mas ainda não será a ruptura definitiva com o acordo.

O analista político iraniano Seyed Mostafa Khoshcheshm também acredita que a morte de Soleimani terá um grande peso na decisão desta semana. No entanto, ele não descarta a retirada completa do acordo, uma vez que a ação americana elevou ainda mais a tensão entre os dois países.

— Os EUA ultrapassaram a linha vermelha com esse ataque. Eles já haviam se retirado unilateralmente do acordo, mas agora extinguiu-se qualquer chance de negociação — disse Khoshcheshm.

Ele acrescenta que o mais provável é que o Irã apresente uma redução bastante considerável no seu comprometimento com o acordo, elevando consideravelmente suas atividades nucleares. E não descarta algo mais drástico.

— Não seria surpresa nenhuma se [as autoridades] anunciarem a retirada definitiva do acordo, já que as chances de negociação com os americanos acabaram.

Veja também: Nas ruas de Teerã, iranianos se dividem entre ódio aos EUA e medo da guerra após assassinato de general

Do lado europeu, calcula-se que novos passos na retomada do programa nuclear iraniano possam significar o fim do JCPOA, mesmo sem uma retirada formal por parte do Irã. “Diplomatas europeus instaram o Irã a não avançar em seu programa de tecnologia nuclear, e assim preservar uma margem para salvar o JCPOA. Depois de ontem [sexta-feira], considero certo que ouviremos esses novos passos do Irã na segunda-feira. Drones também podem matar a diplomacia”, tuitou o diplomata e ex-primeiro-ministro da Suécia Carl Bildt.

Ironicamente, o desmantelamento completo do acordo nuclear tenderia a agradar os EUA. Isso porque em outubro de 2020, após cinco anos da entrada em vigor do JCPOA, prevê-se o fim do embargo de armas ao Irã e de sanções impostas a figuras do regime — como a proibição de viagens que era aplicada ao general Soleimani, entre outros militares da Guarda Revolucionária. Claro que, mesmo com o acordo em vigor, os EUA poderiam barrar o fim do embargo no Conselho de Segurança da ONU, mas isso tenderia a provocar desgaste político com seus aliados europeus, avaliam analistas.

Há quem se mostre mais cético em relação à retirada iraniana, como o especialista em Irã do Eurasia Group Henry Rome. “Os riscos são muito altos e outros começariam a se importar com a questão, como Rússia e China, que se mantiveram de lado até o momento”, afirmou em sua rede social.

Nas ruas de Teerã, uma possível retirada do acordo não é encarada como uma resposta ao assassinato do general Soleimani. Em uma grande manifestação pela morte do militar neste sábado, na Praça da Palestina, jovens e adultos pediam ações duras para vingar o general.

— Ter energia nuclear é um direito do Irã, não é vingar a morte do mártir Soleimani — disse o estudante Mashoud Jafar. — Só nos sentiremos vingados quando eles sentirem a mesma dor que sentimos.

O Globo.