Com Bolsonaro, Brasil apoia o Apartheid Palestino

Todos os posts, Últimas notícias

Dando seguimento à inédita guinada na política exterior brasileira, hoje de total desrespeito ao direito internacional, às resoluções da ONU e até mesmo ao que imposto pela Constituição Federal do Brasil, o Itamaraty anunciou, em nota veiculada na tarde de quarta-feira, incondicional apoio ao denominado “Acordo do Século”, feito público no dia anterior, em Washington, pelo presidente dos EUA, Donald Trump, ladeado pelo primeiro-ministro interino de Israel, Binyamin Netanyahu, sem a presença de representantes da Palestina.

Nesta nova rodada de agressões e ofensas à Palestina e a todo seu povo, o Itamaraty enxerga no “Acordo do Século” uma “visão promissora” e que acabará com “sete décadas de esforços infrutíferos”, levando à resolução do “conflito israelense-palestino”. Ainda que carregados de sofisma, como interver a ocupação por sete décadas pela recriminação pelos “esforços infrutíferos”, estes trechos apenas aparentam linguagem diplomática.

No que segue, a nota governamental brasileira nada mais faz do que repetir a narrativa de EUA e Israel, praticamente copiando o pronunciamento de Trump ao anunciar o aludido “Acordo do Século”, com lamentável afastamento da nossa tradicional, histórica (desde a partilha da Palestina e acentuada nos anos 1970) e destacada política externa quanto à Questão Palestina, para adotar inovadora e subalterna posição, que na prática é de abdicação da natural liderança do Brasil no continente e no mundo e de perigosa relativização da nossa sagrada soberania nacional.

Mas a nota ultrapassa os preocupantes limites da submissão e de perigoso aval aos desígnios criminosos de EUA e Israel para a Palestina e avança lançando grosseiras acusações e infundadas interpretações, sempre em detrimento do lado palestino. Do infundado, anotamos que para o Itamaraty a iniciativa unilateral imposta aos palestinos pelos aliados EUA/Israel, também alcunhada “Paz para a Prosperidade”, atenderia tanto a palestinos quanto aos israelenses em suas aspirações, quando se sabe que somente as aspirações de Israel é que são atendidas e todas as da Palestina são refutadas, e mesmo agravadas quando comparadas às também injustas proposições anteriores.

Refutamos esta nota em sua totalidade e a denunciamos como um atentado aos interesses tanto do povo palestino quanto do povo brasileiro. Se há elemento de “mérito” nesta nota a denunciar sua verdadeira intenção, este reside na sua indignante referência aos palestinos como “terroristas”, o que merece total repúdio de todos que acreditam nos direitos humanos, no direito internacional, nos direitos dos povos à autodeterminação e à soberania nacional.
No que toca às grosseiras acusações, anotamos a gritante alusão à “erradicação do terrorismo”, que seria condição para “a existência do estado de Israel com segurança para sua população”, em clara imputação aos palestinos da falsa narrativa israelense, em que o terror real, praticado por Israel contra a Palestina, é trocado pela ideia de necessidade de segurança para Israel, numa inversão de fatos e valores que ofende ao mínimo padrão moral e ético.

Ao referir-se à Palestina, apenas diz que haveria o “estabelecimento de ‘um’ Estado palestino”, isto é, desconhecendo, ainda que implicitamente, que já há em concreto o Estado da Palestina, reconhecido em seus limites atuais pela ONU e por 140 países, dentre estes o Brasil, para lançar em seu lugar a ideia da imprecisão futura de “um” eventual novo estado, ou um não-estado, conforme querem EUA e Israel.

A nota assinada pelo regime brasileiro é encerrada com a afirmação de que o plano de EUA e Israel é consoante aos princípios da Constituição Federal do Brasil, especialmente no que respeita à “defesa da paz, o repúdio ao terrorismo e a auto-determinação (sic) dos povos”.

Refutamos esta nota em sua totalidade e a denunciamos como um atentado aos interesses tanto do povo palestino quanto do povo brasileiro. Se há elemento de “mérito” nesta nota a denunciar sua verdadeira intenção, este reside na sua indignante referência aos palestinos como “terroristas”, o que merece total repúdio de todos que acreditam nos direitos humanos, no direito internacional, nos direitos dos povos à autodeterminação e à soberania nacional.

Quanto ao aludido “Acordo do Século” em si, primeiro de tudo ele apenas dá seguimento aos crimes de Israel, garantindo que a Palestina seja finalmente limpada etnicamente, não passando sua futura configuração territorial de um aglomerado de bantustões (fragmentos de guetos não contínuos), à semelhança dos impostos à população negra pelo regime de apartheid da África do Sul, travestidos de Estado. A farsa é desnudada quando se lê o que de fato traz o chamado “Acordo do Século”:

Israel será um estado exclusivamente judeu, tornando-se o único estado do mundo exclusivamente destinado a um grupo humano, neste caso tomado por sua religião, algo que nem o nazismo advogou. Com isso, aos palestinos (mais de 20% da população de Israel, muçulmanos e cristãos) não restará senão a condição sub-humana, posto que viverão sob regime supremacista, racista, de apartheid, podendo sofrer prisão ou exílio se a isto reagirem;
Jerusalém será integralmente anexada por Israel para ser sua capital e também compreendida como exclusivamente judaica. Logo, estará legalizada sua integral judaização, com a expulsão de muçulmanos e cristãos, retirando-se sua identidade de cidade santa e aberta a todas as religiões monoteístas;
O “estado” palestino não terá controle de suas fronteiras terrestres – isto estará a cargo de Israel, único caso no mundo de estado cujas fronteiras serão controladas por estrangeiros, valendo o mesmo para seus espaços aéreo e marítimo;
Os palestinos não terão soberania sobre os mananciais aquíferos ou por qualquer outra riqueza no subsolo;
Também não terão direito a portos ou aeroportos, senão a utilização, sob a autorização da potência ocupante, dos portos israelenses;
Os direitos dos refugiados palestinos (perto de 6 milhões, quase metade de sua população mundial), garantidos pela Resolução 194 da ONU, serão anulados e estes não terão direito ao retorno ou a compensações econômicas. Além disso, estarão obrigados à aceitação da cidadania dos estados em que vivam, sob pena de expulsão dos mesmos, salvo se optarem por residir no que restar da Palestina, já superpovoada e com claro esgotamento de recursos naturais, inclusive por suas expropriações;
Os palestinos terão que aceitar os confiscos de suas terras na Cisjordânia e as colônias ilegais nelas instaladas, em que vivem 600 mil estrangeiros judeus extremistas, que têm direito a armamento militar;
Estas colônias serão anexadas a Israel e a soberania destas áreas será negada aos palestinos, passando a constituírem o território israelense;
Os palestinos conviverão para sempre com a presença militar da ocupação israelense, seja para que esta garanta a soberania de Israel sobre as colônias confiscadas aos palestinos, seja para garantir o status quo da própria ocupação;
O Vale do Jordão, a parcela mais fértil da Cisjordânia, será anexado a Israel. Com isso, os palestinos perderão estas terras e deverão ser expulsos das mesmas, bem como perderão o acesso à agua do Rio Jordão e à fronteira com a Jordânia e, de consequência, perderão conexão com a totalidade dos países vizinhos;
O pseudo estado palestino preconizado será desmilitarizado e pagará a Israel por sua “segurança”, pela qual terá que pagar, isto é, os palestinos pagarão pela ocupação mesma;
A quase totalidade das estradas, pontes e outras infraestruturas de transporte no que seria o estado palestino será de uso exclusivo de israelenses, basicamente dos colonos e da força militar de ocupação, o que retira toda possibilidade de contiguidade do território palestino, tornando-o a realização plena dos guetos projetados para a África do Sul do Apartheid; e
Por fim, tudo isso em troca de uma promessa vaga de investirem-se na Palestina 50 bilhões de dólares no curso de muitos anos, por meio dos quais se construiria o progresso e a prosperidade do alegado futuro estado palestino, valor que, sob independência, os próprios palestinos atrairiam e/ou arrecadariam de impostos de taxas provenientes de suas economia.
O governo brasileiro, diante disso, chancela o primeiro projeto de apartheid total após o demonstre de idêntico regime na África do Sul, bem como legitima a limpeza étnica da Palestina e dá aval a todos os crimes de lesa humanidade cometidos por Israel, condenados por dezenas de resoluções da ONU, por incontáveis decisões de outros organismos internacionais e pela Comunidade Internacional como um todo.

Não bastasse, o faz atentando contra a própria Constituição Federal do Brasil, distorcendo-a em seu artigo 4º, e, pior ainda, escondendo a parte de seus incisos que até impediria o Brasil de manter relações diplomáticas com Israel. Além de vergonhosamente omitir, para proteger o apartheid israelense revigorado pelo “Acordo do Século”, que o inciso VIII repudia também o racismo, a nota escondeu, no que mais importa para o tema, os incisos I (independência nacional – a Palestina é ocupada militarmente por Israel), II (prevalência dos direitos humanos – Israel é o estado mais condenado no mundo por desrespeitar os direitos humanos do povo palestino), IV (não intervenção – Israel intervém e ocupa a Palestina) e VII (solução pacífica dos conflitos – Israel arrebatou aos palestinos todos os seus territórios pela força e pelo terror).

Ademais, o governo brasileiro insere o país num conflito com o qual nada tem a ganhar ao optar por uma das partes, piorando a situação ao fazê-lo em favor do lado que desrespeita o direito internacional, que promove a guerra, a insegurança, o terror, a morte, o exílio de outro povo.

Nunca é demais considerar que o Brasil perde também economicamente ao tomar partido dos crimes de Israel, país com o qual tem um déficit na balança comercial de quase 1 bilhão de dólares, situação que tende a piorar, enquanto que com os países árabes tem superávit na casa dos 5 bilhões, com condições de melhorar, ao ponto de dobrar ou mais em curto espaço de tempo.

O governo brasileiro, diante disso, chancela o primeiro projeto de apartheid total após o demonstre de idêntico regime na África do Sul, bem como legitima a limpeza étnica da Palestina e dá aval a todos os crimes de lesa humanidade cometidos por Israel, condenados por dezenas de resoluções da ONU, por incontáveis decisões de outros organismos internacionais e pela Comunidade Internacional como um todo.
Malgrado tudo isto e a necessária condenação que ora manifestamos, acreditamos que o governo brasileiro está em condições de discernir o certo do errado, o justo do injusto, o oprimido do opressor, o direito em lugar da força e da violência, bem como saberá defender os interesses nacionais e genuínos do povo brasileiro, levando-o a rever sua posição e fazê-la retornar à melhor tradição da elogiada diplomacia brasileira, que sempre atuou na pacificação dos conflitos, até habilitando-se e mediá-los em muitas ocasiões, inserindo-se aí a problemática da Palestina, frente à qual o Brasil sempre manteve posição equilibrada e de respeito aos mandamentos do direito internacional à aplicável à questão.

E conclamamos, por fim, a todos os amigos da Palestina e da paz entre os povos que atuem neste sentido, para que ganhem palestinos e brasileiros, e mesmo israelenses, pois só a paz justa e duradoura pode trazer progresso e prosperidade, jamais a imposição, a chantagem e a crença de que povos e suas causas são mercadorias à venda, contidas no “Acordo do Século”, que em verdade é o “Apartheid do Século”.

Palestina Livre a partir do Brasil, 31 de janeiro de 2020.

Fepal.