Congresso falará grosso com Bolsonaro em 2020

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Foto: Marcos Oliveira/Ag. Senado

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) terá de lidar com um Congresso ainda mais forte a partir do dia 4 de fevereiro, quando deputados e senadores voltam das férias.

A nova regra do Orçamento Impositivo que começou a valer em 2020 significa mais poder dos congressistas sobre a aplicação do dinheiro público — e menos margem de negociação para o Executivo na liberação das emendas parlamentares. As mudanças foram aprovadas em meados do ano passado, mas só começam a valer este ano.

No novo modelo, o Executivo é obrigado a pagar também as emendas de bancada de deputados e senadores — e o montante total chega a R$ 15,4 bilhões.

Além disso, o presidente também terá que enfrentar as consequências do “racha” de seu antigo partido, o PSL, e de não ter construído uma base de apoio no Congresso ao longo do seu primeiro ano de mandato.

2020 será ainda um ano mais curto na política — por causa das eleições municipais de outubro, deputados e senadores costumam diminuir o ritmo do trabalho no segundo semestre. Também ficam menos dispostos a votar pautas consideradas “negativas”, que possam prejudicar seu desempenho nas urnas.

As emendas parlamentares são pequenas modificações que os congressistas fazem ao Orçamento, determinando como deve ser gasto o dinheiro público. Normalmente são apresentadas em outubro, para o orçamento do ano seguinte.

Os políticos costumam destinar este dinheiro a projetos nos locais onde vivem seus eleitores. Emendas podem ser usadas para obras de infraestrutura, como a pavimentação de uma rua; ou para custear o funcionamento de serviços de saúde, entre outras finalidades.

Em 2020, as novas regras do chamado Orçamento Impositivo obrigarão o Executivo a pagar não só as emendas individuais dos deputados e senadores (o que já acontece desde 2014), mas também as emendas das bancadas dos Estados.

Até 2019, essas modificações ao Orçamento poderiam ou não ser pagas — e frequentemente não eram. Agora, o pagamento da maior parte desse valor passa a ser obrigatório.

O Orçamento deste ano traz R$ 15,4 bilhões em emendas obrigatórias, entre individuais (R$ 9,5 bilhões) e de bancadas (R$ 5,9 bilhões).

Ou seja: se o bolo fosse dividido igualmente entre os 513 deputados e os 81 senadores, cada um deles teria algo como R$ 25,9 milhões em emendas obrigatórias para o ano de 2020.

Na prática, porém, a divisão não é tão exata. Cada bancada estadual usa um critério diferente para dividir o bolo das emendas de bancada, diz o consultor de orçamento da Câmara dos Deputados Hélio Tollini. Ele é autor de alguns estudos sobre o Orçamento Impositivo.

Os R$ 15,4 bilhões das emendas obrigatórias se tornam ainda mais importantes em um ano como 2020 — no qual a margem de gastos “livres” do Executivo está muito reduzida, diz Tollini.

De R$ 3,6 trilhões do Orçamento da União para 2020, apenas R$ 135,9 bilhões (ou 3,6%) são de gastos liberados (“discricionários”, no jargão orçamentário). E é justamente desta fatia que vão sair as emendas de deputados e senadores.

O resto do dinheiro está comprometido com transferências para Estados e municípios; pagamento de aposentadorias, juros da dívida e salários de servidores.

Tollini explica ainda que, pela regra do teto de gastos, o crescimento do gasto com uma área (como as emendas) terá de significar a redução em outras. O teto de gastos é uma norma constitucional criada em 2016 no mandato do ex-presidente Michel Temer (MDB), segundo a qual os gastos totais do governo não podem aumentar — apenas acompanhar a inflação.

“O que está sendo disputado agora é a composição da despesa. Quando o Legislativo transforma as suas despesas (com emendas) em gastos obrigatórios, ele ocupa espaço (fiscal). Resta ao Executivo tentar baixar as suas”, diz Tollini — ele ressaltou que fala por si, e não em nome da Consultoria de Orçamento (Conof) da Câmara.

O senador Esperidião Amin (PP-SC) foi o relator, no Senado, de uma das duas PECs aprovadas em 2019 e que alteraram o Orçamento Impositivo.

Segundo ele, o Congresso está ocupando espaço no Orçamento de forma “lenta, gradual e segura”. “Na verdade, nós estamos adotando o Orçamento Impositivo gradualmente”, diz Amin à BBC News Brasil.

No ano que vem, o percentual das emendas “obrigatórias” de bancada subirá novamente, de acordo com as mudanças aprovadas em 2019.

O objetivo final, diz Amin, é tornar todo o Orçamento impositivo.

Hoje, o Orçamento brasileiro tem caráter “autorizativo”: a lei aprovada pelo Congresso a cada ano autoriza os gastos, que podem ou não acontecer, conforme decisão do Executivo. No futuro, o Orçamento poderá ser “prescritivo”: tudo que foi aprovado deverá ser pago, e o governo só poderá modificar o Orçamento com o aval do Congresso, diz Amin.

“Acho que estamos evoluindo neste sentido, e acho que numa velocidade ainda maior do que eu imaginava de início. Não será surpresa para mim se o Orçamento se tornar totalmente impositivo até o fim do governo Bolsonaro”, diz o senador.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também falou sobre as novas regras do Orçamento Impositivo em um café com jornalistas, no fim de dezembro.

“O orçamento impositivo existe no mundo inteiro (…). E no mundo inteiro o espaço do Congresso (na elaboração do orçamento) é muito forte mesmo. E é pra ser forte”, disse Maia na ocasião.

Em 2019, Bolsonaro colheu resultados contraditórios em sua relação com o Congresso.

Por um lado, saiu vitorioso em sua principal pauta econômica do período, a reforma da Previdência. Por outro, fechou o ano passado como o presidente que menos conseguiu aprovar medidas provisórias enviadas ao Congresso desde 2001, de acordo com levantamento do site especializado Poder360.

Também teve quase 30% dos seus vetos a projetos de lei revistos — o número total é maior que a soma do ocorrido nos governos de Fernando Henrique (PSDB) e dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, segundo mapeou o jornal O Estado de S. Paulo.

Em 2020, há outros fatores que podem complicar a vida de Bolsonaro no Congresso além do Orçamento Impositivo, dizem especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.

Para começar, trata-se de um ano eleitoral.

Os brasileiros irão às urnas eletrônicas em outubro para escolher prefeitos e vereadores dos 5.570 municípios brasileiros, e isto torna 2020 um ano “curto” no Congresso, diz o analista político Bruno Carazza.

No segundo semestre, diz ele, a tendência é que o Legislativo desacelere: alguns deputados e senadores serão candidatos, especialmente às prefeituras das capitais; outros vão participar das campanhas de aliados.

Mesmo os que não disputarão nenhum cargo tendem a ficar mais reticentes em apoiar pautas consideradas impopulares, diz ele.

“A eleição municipal começa a colocar as cartas na mesa para 2022. Os parlamentares estão atentos para formar as suas bases para a eleição nacional seguinte. Pautas impopulares tem perspectiva menor de serem aprovadas em anos assim”, diz Carazza à BBC News Brasil.

Além disso há também o fato de que o próprio presidente não priorizou a construção de uma base aliada forte na Câmara e no Senado ao longo do ano passado, diz o cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP) da FGV, Cláudio Couto.

“O presidente fez todo o possível para isso (para ter uma relação conflituosa com o Congresso). Não fez nada para contribuir com a construção de um ambiente menos conflagrado. Em todas as oportunidades que teve, aproveitou para jogar seus seguidores contra deputados e senadores”, observa Couto.

Ao longo de 2019, Bolsonaro e seus três filhos com carreira política terminaram por alienar um grande número de “ex-super-aliados”, inclusive alguns dos principais articuladores do presidente da República no Congresso.

Em outubro, Bolsonaro tornou pública a desavença com o chefe de seu antigo partido, o deputado Luciano Bivar (PSL-PE). O presidente acabou deixando o partido semanas mais tarde, e apenas 26 dos 53 deputados do PSL anunciaram a intenção de segui-lo para sua nova legenda, a Aliança pelo Brasil.

Dos 27 que ficaram no PSL, uma parte passou a criticá-lo.

A aprovação de pautas previstas para este ano — como as reformas administrativa e tributária — depende principalmente da convergência entre os interesses do Planalto e os do comando do Congresso, diz o professor da FGV.

“Essa pauta de reformas é uma na qual há convergência com o Congresso, embora não necessariamente eles convirjam nos detalhes. Câmara e Senado podem aprovar ‘uma’ reforma tributária, por exemplo, mas não necessariamente a que o governo quer”, diz Couto.

BBC