Conselho contesta PF sobre assassinato de indígena

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Foto: Reprodução

O secretário-geral do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Antônio Eduardo de Oliveira questionou, em entrevista ao GLOBO, a conclusão de inquérito da Polícia Federal que apontou não haver motivos para relacionar a morte do indígena Paulo Paulínio Guajajara com conflito étnico. Segundo ele, foram madeireiros, e não caçadores, os responsáveis pela invasão da terra indígena Arariboia, no Maranhão, que resultou em duas mortes em novembro de 2019.

A Polícia Federal afirma que a morte de duas pessoas na terra Arariboia não teve relação com emboscada de madeireiros. Como o Cimi avalia essa conclusão?

Segundo consta, de início, Paulo Paulino e o Laércio (que sobreviveu) estavam caçando quando se depararam com o grupo de não-indígenas. Ambos fazem parte de uma organização autodeclarada como os “Guardiões da Floresta” e possuem a dinâmica de percorrer o território quando existe alguma denúncia de que a localidade poderia estar sendo invadida por pessoas não pertencentes à floresta. Há relatos de embate com esses grupos invasores.

Por que o Cimi defende que esse grupo que entrou em confronto com os indígenas era de invasores?

Por quais motivos esses elementos estavam armados num território que legalmente pertence aos indígenas, senão com a intenção de invadir?

Com que armamento os indígenas costumam caçar?

Não sabemos, mas temos a certeza de que Paulo Paulino e Laércio foram atingidos por conteúdo bélico, apesar de, à PF, os não-indígenas terem dito não estar armados.

Na conclusão do inquérito, que não foi divulgado na íntegra, a Polícia Federal não julga o episódio como um conflito étnico, apesar do histórico de conflitos. O senhor concorda?

Acreditamos que seja uma forma de “amenizar” a situação.

A troco de quê?

Enxergamos nisso uma certa influência política, no sentido de que há interesse do atual governo de desqualificar que existam confrontos entre indígenas e não-indígenas e invasão de terra no Brasil, de que isso seria uma invenção de ONGs e pessoas “mal-intencionadas”. Colocamos, sim, em xeque, pois quais são os motivos que o inquérito da PF tem para desconsiderar que há conflitos históricos na região, sendo que, nos últimos 20 anos, cerca de 40 indígenas, a maioria, guajajara, morreram em embates contra madeireiros? O interesse desses não seria só pela madeira, em si, mas por não concordar com a presença indígena na região. E isso, para gente, é um conflito étnico. Quais indícios tem a PF para negar que isso é claramente um conflito étnico?

A nota do Cimi afirma que o grupo de não-indígenas era de madeireiros. Isso é mais uma percepção ou o conselho tem dados que comprovam essa afirmação?

Essa afirmação advém dos constantes relatos de indígenas de tentativas de invasão por diversos grupos de madeireiros. Por isso, vemos uma relação direta com esse episódio.

O Cimi está em contato com a PF?

Não fomos ainda solicitados a esse diálogo. Acompanhamos à distância todo o desenrolar das investigações. Nosso contato é permanente com os indígenas e com alguns funcionários da Funai.

O ministro Sergio Moro (Justiça) disse que enviaria a Força Nacional para a região. Esse compromisso foi cumprido? Houve diminuição nos conflitos com essa presença?

Sim, foram num contingente de cerca de cem homens para a região da Terra Indígena Arariboia e houve diminuição, obviamente, do conflito. Porém, a nossa maior preocupação com esse primeiro resultado do inquérito policial é que venha a fortalecer essa sensação de impunidade dos não-indígenas e o conflito se reacenda.

O Cimi acredita que a população indígena está correndo perigo?

Com toda certeza. E isso não vem de agora, mas de alguns anos. E, infelizmente, o que temos visto, a partir de 2019, com o discurso ferrenho do governo contra os povos indígenas, é o desmanche de todo processo que vinha se dando de diálogo e de tentativa de proteção do território.

Na sua avaliação, qual é o prognóstico para a questão indígena no Brasil?

Eu gostaria, neste ano de 2020, de fazer uma avaliação totalmente positiva, no sentido de que melhorou o diálogo e o respeito aos povos nativos da região. Mas, infelizmente, o retrocesso culmina num aumento significativo do preconceito e da violência contra eles. E na desarticulação de todo um aparato a esses povos, com políticas públicas, na saúde, na educação, assistência governamental em geral, que era de coordenação da Funai, que hoje trabalha totalmente pelos interesses do agronegócio, dos fazendeiros e dos madeireiros. Toda uma política de proteção e de preservação de localidade que foi articulada até mesmo nos governos militares está sendo desmontada agora. Hoje mesmo, o ministro de Minas e Energia sinalizou que, semana que vem, apresentará projeto para regularização da mineração em terras indígenas.

Vocês mantêm contato com o Laércio, que sobreviveu ao conflito? Qual o seu estado dele, tanto físico quanto emocional?

Ele está bem, fisicamente, mas está com muito medo. Trabalhamos para que ele, tão logo, possa regressar ao seu povo, sem qualquer perigo à sua vida.

O Globo