Contas externas acendem sinal vermelho , dizem especialistas

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Os dados sobre a entrada e saída de recursos do Brasil ligaram o radar do mercado financeiro. O chamado déficit em conta corrente deve fechar 2020 em US$ 54,2 bilhões, maior rombo desde 2015, segundo a projeção mais recente do boletim Focus, compilado pelo Banco Central. Em 2021, chegará a US$ 60,3 bilhões.

O principal fator por trás desse cenário é positivo: a atividade econômica deve se recuperar e impulsionar importações neste ano e no próximo. Especialistas acompanham, no entanto, o comportamento das exportações, que deve ser ainda fraco neste ano, e alertam para os riscos causados pelas incertezas na economia global.

A balança comercial responde pela maior parte do comportamento das transações correntes, compostas ainda por remessas de lucros ao exterior e o saldo de gastos com turismo.

Em 2019, a diferença entre exportações e importações fechou em US$ 46,6 bilhões, menor valor em quatro anos, puxada principalmente pela queda das vendas para o exterior. De acordo com analistas, os dados já eram esperados, considerando o ritmo fraco da economia mundial. O cenário deve se manter, com a diferença de que as importações brasileiros — que também recuaram em 2019 — devem avançar e pressionar ainda mais o número para baixo.

— O principal fator para a projeção de alta moderada do déficit em conta corrente é a aceleração da demanda doméstica. Isso vai levar a um maior volume de importação e a uma pequena erosão do superávit comercial — avalia Alberto Ramos, economista-chefe para América Latina do banco Goldman Sachs.

Saldos negativos nas contas externas não são necessariamente preocupantes para o Brasil, principalmente porque o nível de Investimento Estrangeiro Direto (IDP) no país é suficiente para cobrir a saída de recursos — para este ano, a expectativa é de entradas de US$ 80 bilhões.

Déficit dobrou
Os dados sobre o setor externo começaram a chamar mais a atenção de especialistas nos últimos meses por causa de duas revisões de dados do BC, que mostraram que o déficit de 2018 era mais que o dobro do anteriormente estimado. O número oficial passou de US$ 15 bilhões para US$ 41,5 bilhões, elevando, assim, também as projeções para os anos seguintes. Na semana passada, o BC divulgou que o fluxo de

Em artigo publicado na última semana do blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), o economista Livio Ribeiro destaca como a revisão levou o mercado a olhar os números das contas externas com mais atenção: “Se estivéssemos crescendo a taxas mais elevadas, onde estaria o déficit em conta corrente? Ainda mais importante, haveria risco de financiamento?”, escreveu o pesquisador.

Ele conclui, no entanto, que esse risco não existe, mas as incertezas na economia mundial preocupam. “Em um mundo de abundante liquidez (dinheiro disponível) e juros baixos, não devemos observar problemas de financiamento externo. Convém lembrar, no entanto, que abundante liquidez não é garantia de ausência de volatilidade: o cenário externo, ainda que tenha melhorado recentemente, continua frágil e sujeito a solavancos eventuais”, completa.

Especialistas em comércio exterior já avisaram que não será agora que a balança comercial brasileira vai se recuperar. Após caírem 7,5% em 2019, as exportações só deverão reagir em 2021, por uma série de fatores.

Para o governo brasileiro, porém, mais importante do que ter superávits ou déficits na balança é a corrente de comércio (soma das vendas externas com as importações), que caiu quase 20% no ano passado.

O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Eletroeletrônicos, Humberto Barbato, admite que, eventualmente, as exportações poderão crescer, mas não neste ano, especialmente na indústria de manufaturados.

— Falta muito para voltarmos a ser competitivos, por isso será difícil aumentá-las até que tenhamos quedas sensíveis do custo Brasil.

Marcos Jank, professor e pesquisador sênior de agronegócio global do Insper, acredita que o agronegócio continuará sendo fundamental para o comércio exterior brasileiro. Entre as razões estão a forte demanda da China por carnes – aumentada após o registro de casos de febre suína africana no país asiático – e o fato de o Brasil ter se tornado o maior exportador de milho e soja do mundo.

— Porém, o desfecho da guerra comercial entre EUA e China gera incerteza. Não sabemos se o acordo entre as duas potências vai prejudicar nossas exportações — disse ele, lembrando que o Brasil concorre com os americanos no fornecimento de alimentos para os chineses.

Reflexo no câmbio
No setor de máquinas e equipamentos, a expectativa é de que as exportações fiquem estáveis ou tenham leve crescimento, enquanto as importações devem avançar 20%, segundo José Veloso, presidente da Abimaq, associação que representa o setor.

— No ano de 2019 as importações de máquinas e equipamentos cresceram 20%, fortemente impactadas pela mudança no Repetro, que permitiu a mudança de titularidade de plataformas e seus componentes já em operação no país. As exportações podem estabilizar ou ter um leve crescimento a depender da melhoria da nossa competividade com melhor suporte dos mecanismos de financiamentos e garantias, que hoje não estão adequados ao objetivo de maior inserção da nossa economia no mercado mundial — avalia.

O comportamento do balanço de pagamentos costuma ter reflexo no câmbio, caso o mercado perceba que há risco de financiamento. Isso, no entanto, ainda é um risco pequeno, avalia André Perfeito, economista-chefe da Necton.

— Eu acredito que (o aumento do déficit) pode impactar sim, mas de maneira relativamente suave. Por isso mesmo que projeto um dólar a R$ 4,20 no final do ano — afirma o economista.

O Globo.