Em Teerã, população compra dólares e euros com medo de guerra com os EUA

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Foto: Renato Machado

O medo de uma escalada no conflito com os Estados Unidos levou os iranianos a uma corrida para comprar dólar e euro. Casas de câmbio na região central da capital Teerã tinham filas nas portas nesta quarta-feira, formadas em sua maioria por pessoas comuns, receosas de ver seu dinheiro evaporar por causa da possível alta nos preços. O movimento nos tradicionais bazares também se mostrava um pouco acima do normal.

O comportamento dos iranianos é consequência da perspectiva de guerra com os Estados Unidos, que ressurgiu com mais força depois do ataque do Irã contra bases americanas no Iraque. Inicialmente, a mídia iraniana mencionou que 80 militares americanos haviam morrido, mas a informação não foi confirmada do lado americano.

O Banco Central do Irã tentou conter essa busca por moedas estrangeiras com um anúncio em que afirmou estar controlando totalmente o mercado de moeda estrangeira no país. Portanto, os iranianos “não devem ter nenhuma preocupação com a cotação dessas moedas”, informa o texto.

O informe, no entanto, não parece ter segurado a população. Na região da Praça Ferdowsi, na região central de Teerã e onde estão localizadas muitas casas de câmbio, homens e mulheres paravam na frente das fachadas para verificar a cotação exposta em painéis, em busca dos melhores valores. Os estabelecimentos com cotação mais acessível tinham filas que chegavam nas ruas.

— Os preços já estão subindo desde os últimos meses e a situação deve ficar pior daqui pra frente. Preciso garantir que meu dinheiro vai valer alguma coisa no futuro — afirmou Montazeri Mohsen, que pretendia comprar 100 dólares.

Tanto a cotação do dólar como a do euro começaram a manhã em alta, mas depois recuaram para valores próximos ao do dia anterior — respectivamente 132.000 e 148.000 rials — em uma possível confirmação da promessa do Banco Central de intervir.

Comerciantes no Grande Bazar de Teerã, uma construção gigante no centro de Teerã formado por um emaranhado de corredores sempre abarrotados de gente, relataram que não houve um grande aumento nas vendas, com pessoas querendo estocar alimentos. Mas umas poucas pessoas interpeladas pelo Globo afirmaram que estavam adotando essa prática ou fariam se pudessem.

— Aqui só tem frutas. Não tenho dinheiro para mais — disse uma senhora, sem parar sua caminhada.

A brasileira Zélia de Oliveira Ribeiro, de 50 anos, também pretende adotar a prática de criar um estoque. Ela afirma não estar apreensiva em relação a uma guerra, mas que tem medo da alta dos preços. Vivendo no Irã desde 1990 e casada com um iraniano, ela conta que já viveu momentos tensos antes, por isso não se desespera com a escalada atual.

— Mas eu tenho medo que os preços subam ainda mais, por isso estou fazendo meu kit já, comprando alimentos não perecíveis como arroz e outros cereais — disse.

Com a notícia da represália ao assassinato do general iraniano Qassem Soleimani as expressões nos rostos das pessoas, jovens e idosos, deixava transparecer a tensão e a apreensão em relação ao futuro.

As emissoras de televisão iranianas deram grande destaque para a ofensiva nesta manhã, exaltando o fato de que os mísseis do país haviam rompido o sistema de defesa das bases. O canal Irib veiculou por vários minutos um clipe com uma música ao fundo, em que se intercalavam imagens de foguetes, do general Soleimani, da bandeira iraniana e de Donald Trump, o presidente americano, de mãos dadas com o príncipe Mohammad bin Salman, da Arábia Saudita. Em discurso transmitido ao vivo, o líder máximo do Irã, o Aiatolá Ali Khamenei, declarou que o ataque se tratou apenas de um “tapa” e que não seria a última ação. Ao ponto 8-1-20

Também foram mostradas na televisão imagens de pessoas nas ruas celebrando o ataque, portando bandeiras do país e fotos do general Soleimani. Notícias sobre esse comportamento festivo também estavam em muitos dos sites locais. No entanto, uma volta pelas ruas da capital mostrava que esse sentimento não era generalizado.

A manhã desta quarta-feira indicava se tratar de um dia como outro qualquer. Escolas, comércio e escritórios estavam abertos. Logo cedo, pessoas andavam carregando pilhas do tradicional pão sangak, de formato retangular e achatados, como uma massa de pizza. O conhecido trânsito nas principais avenidas e vias expressas da capital também mostrava que a população seguia normalmente para suas atividades.

No entanto, as expressões nos rostos das pessoas denunciavam preocupação com a situação. Nos pontos de ônibus e andando pelas calçadas, homens e mulheres mantinham os olhos grudados nos telefones celulares. Mais uma vez: as faces duras, sem sorrisos, indicava que não estavam em conversas agradáveis ou se divertindo assistindo a algum vídeo. Na verdade, muitos buscavam informações a respeito do acontecido.

— Parece que a guerra começou — disse uma moça, com um sorriso sem graça, em um ponto de ônibus da Avenida Valiasr. Ela pediu para não ser identificada e também não quis comentar se aprovava ou não o ataque.

Um desencontro de informações tomou conta das conversas nas primeiras horas. A reportagem do Globo presenciou um grande debate sobre o ocorrido em um posto de gasolina na região Norte de Teerã. Pessoas discutiam sobre a possibilidade de o ataque haver deixado mortos — inicialmente, a mídia local falava em 80 vítimas americanas, mas essa informação passou a ser contestada.

— Aquele avião que caiu pode ter sido por causa de um ataque deles — disse um dos homens participando da conversa, em referência à tragédia com a aeronave da Ukraine Airlines também ocorrida hoje, perto do Aeroporto Imã Khomeini. O acidente deixou 176 mortos. A embaixada da Ucrânia inicialmente informou que a queda se deu por um problema mecânico, descartando a possibilidade de um ataque ou atentado, mas em seguida voltou atrás e disse que era cedo para chegar a conclusões sobre as causas da queda do avião.

Em um pequeno mercado também no norte de Teerã — apenas um corredor de poucos metros com produtos exibidos dos dois lados — três homens olhavam atentos para a televisão na entrada do estabelecimento. Mas, na verdade, eles acompanhavam o jogo de vôlei ao vivo entre Irã e Cazaquistão, uma mostra que algumas pessoas conseguiam escapar da espiral de tensão.

O Globo