Especialista insinua que Bolsonaro afasta investimento estrangeiro

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Foto: Nilani Goettems/Valor

A forte desvalorização do real neste início do ano ocorre porque a esperada volta do estrangeiro ao Brasil ainda não se confirmou, diz o economista-chefe do UBS para o Brasil, Tony Volpon. O economista avalia que essa demora é notável e sugere que três fatores podem estar influenciando a dinâmica neste momento: a necessidade de evidências mais concretas do crescimento, a forte valorização da bolsa e a repercussão negativa que o Brasil tem tido no exterior, que leva parte dos investidores a evitarem se expor a ativos locais.

“Se olharmos os 25 anos do Plano Real, o que se vê, com regularidade empírica, é que a expectativa de aceleração do crescimento sempre atrai fluxo e fortalece a moeda”, diz Volpon, que é ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central. “A questão é que o crescimento robusto já não é mera expectativa, ele está acontecendo. O que se discute agora é se ele vai ser mais perto de 2% ou de 3%. E o estrangeiro ainda não voltou”.

O economista nota que a forte valorização cambial no fim de 2019 ocorreu mesmo com uma enorme saída de dólares no Brasil – US$ 17,6 bilhões em dezembro. Em boa parte, ela foi causada pelo investidor institucional local, que tentou se antecipar a essa chegada do estrangeiro. O fato é que isso não ocorreu ainda e explicações como a crise entre EUA e Irã não funcionam porque as moedas emergentes não sofreram igualmente, continua.

A questão, para Volpon, é o que ocorrerá daqui para frente e, nas conversas com investidores no exterior, três explicações aparecem para explicar o sumiço do estrangeiro. Uma delas é um certo ceticismo quanto à sustentabilidade desse crescimento, dado que o país frustrou, consistentemente, as previsões dos economistas nos últimos anos. A segunda é a migração da renda fixa para a variável.

“O investidor brasileiro, na medida em que foge do CDI, tem elevado a cotação de ativos, em especial na bolsa. Um grupo importante de investidores locais não tem acesso a outros mercados porque a regulação milita contra a diversificação internacional. Assim, a bolsa sobe bastante e, do ponto de vista do novo investidor, esse preço pode estar caro”, diz.

Por fim, existe uma mudança do padrão de comportamento esperado que começa a dar as caras, de forma cada vez mais visível em fóruns como o de Davos, que acontece nesta semana. “Investidores e fundos querem olhar não apenas para crescimento, mas também para o pode ser reunido sobre a rubrica ESG [sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa]. Sem entrar no mérito da questão, o Brasil vai mal nesse quesito. A percepção do Brasil lá fora, em especial entre o investidor de varejo, aquele que não lê muito sobre o país, é muito negativa, em meio a questões como a [das queimadas na] Amazônia e por aí vai”, afirma.

“Acredito que seja urgente que algo seja feito para mudar esse conjunto de preconceitos que têm ocorrido nos últimos anos. Isto está impedindo que a gente veja uma entrada maior na bolsa do estrangeiro que, se ocorresse, ajudaria a fortalecer o real”, continua o economista do UBS.

Para Volpon, as razões comumente citadas para explicar a fraqueza do real, como a Selic baixa e o processo pré-pagamentos de dívida no exterior, não deveriam contribuir mais sensivelmente com o comportamento recente da moeda. O que falta é justamente o estrangeiro. “Assim como se fala em ciclo econômico, as moedas também têm ciclo. O real está mais fraco desde 2017. Chegou a hora de se recuperar, mas ainda não está acontecendo”, diz.

Volpon ressalta que se mantém otimista com a perspectiva da volta do estrangeiro e isso fica refletido na expectativa para o dólar no fim do ano, que está em R$ 3,95. Apesar disso, alerta que é necessário ficar de olho nessa dinâmica.

“Se o Brasil tem um déficit em conta corrente próximo de 3% e um crescimento que ainda não chegou a 2%, uma aceleração do crescimento sem a volta do investidor estrangeiro torna mais difícil financiar esse rombo. Ou ele reaparece, ou o patamar do câmbio está errado e vai ser necessário um real mais fraco para fechar a conta”, afirma.

Valor Econômico