Evo critica golpistas bolivianos em ato em Buenos Aires

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Foto: MARIANA GREIF / REUTERS

No dia em que a Bolívia comemorou o 11° aniversário da Constituição que a declarou um Estado Plurinacional, o ex-presidente Evo Morales, exilado em Buenos Aires após renunciar em 10 de novembro, e a presidente interina, Jeanine Áñez, em La Paz, fizeram na quarta-feira cerimônias paralelas, nas quais muitas vezes usaram expressões parecidas — como “recuperar a democracia” e “pacificar o país” — e trocaram ataques.

Em um estádio de Buenos Aires, Morales fez um discurso de duas horas e quarenta minutos, diante de uma multidão estimada em 40 mil apoiadores. Há mais de 350 mil bolivianos recenseados na Argentina, a maior comunidade imigrante do país depois da paraguaia. Noventa e oito mil deles foram às urnas em 23 de outubro, nas eleições presidenciais depois canceladas, e 82% votaram em Morales. Ontem, ele foi recebido aos gritos de “Evo não está só, caralho”.

— O que temos pela frente é como recuperar a democracia. Estou convencido de que é só uma questão de tempo. Vamos recuperar a democracia e vamos voltar ao governo, não com armas, como a direita, nem com balas, como os racistas-fascistas — disse Morales, que renunciou sob pressão de protestos da oposição, de uma greve da polícia e de um ultimato dos militares. — Promoveram um golpe sangrento, feriram nossa Constituição, nossa democracia e nosso povo, mas ainda estamos de pé e vamos começar de novo.

A Bolívia tem eleições marcadas para 3 de maio. O resultado das eleições de 23 de outubro foi questionado pela OEA, que apontou haver indícios de fraude na declarada vitória de Morales no primeiro turno. Antes disso, o ex-presidente também foi questionado por tentar um quarto mandato consecutivo, mesmo após sido derrotado em um plebiscito sobre este assunto.

Enquanto Morales discursava, o candidato do seu MAS (Movimento ao Socialismo) ao pleito de 3 de maio, Luis Arce Catacora, assistia da primeira fileira. Apesar disso, ele próprio não discursou. O próprio Morales só se referiu às eleições durante sete minutos, durante os quais prometeu vitória.

— Vamos voltar no dia 3 de maio ao governo com o voto do povo boliviano, pacificamente, democraticamente — disse.

A 2.625 quilômetros dali, no palácio presidencial Quemado, em La Paz, a presidente interina, Jeanine Áñez, falou por 34 minutos, à frente de seu Gabinete e cercada por chefes militares e policiais em roupas cerimoniais. A primeira intenção de sua breve gestão, na qual foi alçada ao cargo de modo polêmico, ela afirmou, foi “retomar a tranquilidade do país, usando a força da lei e o diálogo”.

— Em 12 de novembro de 2019 [dia de sua posse], o povo boliviano começou a escrever um novo capítulo de nossa história democrática e liberdade para todos os cidadãos, independentemente de sua origem, raça, credo ou procedência — afirmou. — Foi difícil, mas conseguimos.

A presidente de transição disse que “rezou muito, às vezes de joelhos” durante protestos em novembro contra sua posse, em sessão sem a presença dos deputados e senadores do MAS, que têm a maioria no Congresso.

Mais de 30 apoiadores de Morales morreram em manifestações contra o governo de transição. Dezoito deles foram em episódios nas cidades de Sakaba e Senkata, em ações que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA chamou de “massacre”.

— Tive que tomar decisões com firmeza, mas, vocês sabem, inclusive melhor do que eu, pois viviam a violência em carne própria, que não havia outro caminho — disse Áñez.

O governo interino tem lançado diversas ações judiciais contra o ex-presidente e membros de seu governo, em uma campanha que os Morales e seus correligionários denunciam como de perseguição política.

Além de ter prendido o ex-ministro de Governo Carlos Romero, o governo interino da Bolívia anunciou que vai investigar cerca de 600 autoridades de Morales por suposta corrupção.

Em seu discurso, Áñez disse que seu governo trabalha “para descobrir as ondas de corrupção do governo passado, o abuso de poder para usar recursos públicos em favor de um partido político e o financiamento com dinheiro boliviano para partidos estrangeiros, entre outras coisas”.

Ela não reconheceu nenhum mérito na oposição, e chegou a dizer que “a Bolívia teve nestes 14 anos [de governos do MAS] cinco vezes mais receitas, mas os bolivianos não têm cinco vezes mais melhor saúde nem educação”.

Apesar dos ataques, ela prometeu eleições limpas.

— Será possível eleger sem medos nem temores o próximo governo — disse Áñez, explicando que pediu aos ministros da Defesa e do Governo “que organizassem um plano conjunto antes, durante e depois de 3 de maio, para que o voto dos bolivianos fosse protegido”. — Uma votação protegida se torna uma votação respeitada — acrescentou.

O Globo