Policial do PR denuncia perseguição política

Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Reprodução

Para a Polícia Militar do Paraná, a liberdade de opinião e expressão de seus agentes pode ser um ato passível de punição. Nesta segunda (21), o policial militar aposentado Martel Del Colle recebeu intimação para uma audiência do Conselho de Disciplina da Polícia Militar, na qual responde como acusado por “ter produzido diversos textos (…) além de um vídeo (…) trazendo a conhecimento público imputações graves contra a instituição Polícia Militar do Paraná”.

O processo disciplinar ocorre nesta terça (22) e, segundo explica Del Colle, é uma instância cuja decisão mais grave é a expulsão do agente da PM. Del Colle denuncia que a intimação não chegou em tempo hábil para seu devido preparo para a audiência e diz ser preocupante a acusação ligada diretamente a textos e opiniões por ele produzidos.

“É justamente sobre liberdade de opinião. Só de ser aberto o procedimento de exclusão, que é o procedimento mais grave que a polícia tem, por causa de textos e vídeos, é uma coisa para se preocupar”, diz o PM.

Em entrevista ao Brasil de Fato Paraná, Del Colle fala sobre os mecanismos de punição da Polícia Militar e a perseguição sofrida por policiais que tornam públicas opiniões contrárias ao pensamento dominante dentro da corporação.

Brasil de Fato: No documento de intimação, o texto diz que você fez “graves imputações contra a Polícia Militar” em textos e vídeos. Quais seriam essas graves imputações?

Nos meus textos eu faço críticas, no sentido de uma análise da conjuntura em que a polícia se insere na política, nas suas atividades em sociedade. Essa imputação é como se o policial tivesse o dever de só falar bem da corporação, porque se não ele vai ser punido. O que é interessante é que a acusação não é de que eu fiz imputações falsas à corporação, não é por mentir, por inventar, falsear. É por falar. A meu ver, isso é muito grave: tentar proibir o cidadão de falar algo, só porque ele é militar. Ou seja, o militar não tem os direitos fundamentais garantidos, então.

BdF: Ao longo da sua carreira, você sofreu algum outro tipo de repressão por expressar opiniões?

Eu fui policial durante dez anos. Estou aposentado, atualmente. Comecei a dar opinião, a não aceitar o sistema que me cabe, há dois ou três anos. E, a partir daí, eu tive alguns problemas já. Tive algumas transferências de batalhão que foram meio estranhas, já teve situações que houve convite para sair da unidade, pedidos para que outros policiais tentassem conseguir alguma forma de punição para mim. Eu fui preso em 2018.

Mas eu decidi que não ia deixar de dar minha opinião, porque esse é um direito fundamental de todo cidadão. Se eu deixo de dar minha opinião, automaticamente estou fazendo com que isso seja avalizado para todos os policiais. Como policial, como cidadão, eu tenho que dar minha opinião para que isso seja um direito garantido. Se a gente se cala, qual é o próximo passo? Se a opinião começa a ser punida, qual é o próximo passo que as instituições, que o Brasil, vão tomar com os cidadãos?

BdF: Você faz parte da coordenação estadual do movimento Policiais Antifascimo. Existem outros casos de policiais do movimento que estão sofrendo repressão por expressar um posicionamento político?

Sim, alguns policiais relataram que estão passando por situações parecidas. Mas a gente precisa garantir o Estado democrático de Direito e lutar por aquilo que a gente acredita. Se a gente acredita no Estado em que as pessoas tem que ser livres para se expressar, a gente tem que continuar lutando e não pode desistir. [A punição] não é exclusividade do Paraná, infelizmente.

BdF: Existe um posicionamento político aceitável dentro da Polícia Militar ou qualquer posicionamento é condenável?

Basicamente, nos meus textos, eu critico autoridades que se envolvem na Segurança Pública de alguma forma. Uma delas foi o Bolsonaro, que fez uma campanha falando muito de Segurança Pública. Outra foi o Ministro da Justiça [Sergio Moro]. Novamente, crítica no sentido de analisar o trabalho dessas autoridades.

Outros policiais criticam muito em suas redes. A polícia tem uma parcela razoável que apoia essa ideologia bolsonarista, esse pacote anticrime do Sergio Moro e que critica abertamente – e até de maneira muito mais agressiva do que eu – autoridades, como os ministros do STF quando emitem alguma decisão contrária à linha de pensamento desses policiais. Eu nunca vi nenhum procedimento ser aberto por isso.

Novamente, causa estranheza que a minha opinião gere um procedimento e a opinião de outros policiais, sobre outras autoridades, não. Por exemplo, na época em que a Dilma Rousseff era presidente, havia várias críticas a ela nas redes sociais desses policiais. Eu nunca ouvi falar de um policial que respondeu por criticar a Dilma, por criticar Gilmar Mendes. Causa estranheza que para uma linha de pensamento esteja sendo aberto o procedimento mais grave que existe e para outra linha não exista procedimento algum.

BdF: Que outros tipos de mecanismo a Polícia Militar usa para coibir a opinião dos policiais?

A polícia tem muitos mecanismos. Isso não quer dizer que ela necessariamente os usa. Mas só o fato de o mecanismo existir já causa uma ameaça ao policial. A gente ouve muito policial que fala que não dá opinião porque tem medo de ser transferido, por exemplo. A transferência é um mecanismo muito fácil de ser usado politicamente. Inclusive, eu fui transferido duas vezes em 2018.

A PM do Paraná segue o regulamento do Exército, em que é possível ser punido por coisas muito amplas. Outro fator é que nossa escala de serviço não é regular. A gente não tem uma escala máxima, como, por exemplo, trabalhar 40 horas, no máximo, por semana. Pode trabalhar uma quantidade infinita de horas e não tem a obrigatoriedade de a polícia reaver essas horas em folga para o policial. Acontece também de o policial que dá sua opinião contrária à majoritária ser punido com horas extras, escala a mais e isso acaba fazendo com que o policial fique quieto. Esses mecanismos precisam acabar, para que o policial tenha a liberdade de falar. A polícia tem que ter uma carga horária máxima, não pode haver transferências feitas de maneira leviana. É preciso criar regulações.

BdF: Pela sua descrição, parece ser um trabalho de bastante pressão psicológica.

Sim, nós temos um número grande de suicídio de policiais no Brasil. Muitas vezes, as pessoas olham de fora e acham que é por ser um trabalho estressante, ter que atender ocorrências. Eu posso afirmar que não. Atender ocorrência, para mim, era um prazer, ir para rua era um prazer. O que me estressava eram essas questões internas. Estar toda hora com medo de dar opinião, com medo de dizer que não concorda com algo, estar toda hora sob essa pressão de não saber se amanhã você vai estar na unidade ou não, por não querer cumprir uma coisa que você não considerava totalmente legal. Isso é o que causa a maior dor nos policiais.

Brasil de Fato