Queima de reservas por Bolsonaro preocupa técnicos

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Foto: Reprodução

Na esteira da saída recorde de dólares do Brasil em 2019, o Banco Central se desfez de quase 10% do colchão de liquidez externa do qual o país dispõe. As vendas de US$ 36,9 bilhões das reservas internacionais contribuíram para diminuir a volatilidade cambial, em um período no qual o dólar chegou a encostar em R$ 4,30.

E ainda ajudaram a política fiscal, ao retirar 2% do Produto Interno Bruto (PIB) da dívida bruta e diminuir a chamada taxa de juros implícita da dívida líquida, que reflete a diferença entre o custo de captação do governo e o que ele recebe de remuneração dos seus ativos.

O movimento do BC levou as reservas do país para US$ 356,9 bilhões ao fim de 2019. No pico do ano passado, antes de a autoridade monetária dar início ao seu programa de intervenções cambiais, elas tinham atingido US$ 390,5 bilhões.

Desde que o governo Luiz Inácio Lula da Silva iniciou a política de acumulação de divisas em moeda forte, o volume ideal desse seguro contra crises externas é alvo de debate. A discussão era mais acirrada quando a diferença entre a taxa de juros brasileira e a praticada internacionalmente era bem maior do que hoje, dado que a manutenção desse colchão tinha maior custo.

Mesmo com custo alto em grande parte do tempo, não há como se negar, como pontuou o economista José Luis Oreiro em entrevista ao Valor, que a constituição das reservas foi um acerto da política econômica do período do PT. Permitiu não só suavizar movimentos cambiais durante o período de euforia econômica que se sucedeu ao boom de commodities e à conquista do grau de investimento pelo país na década passada, mas também eliminou a vulnerabilidade externa que levou o Brasil reiteradas vezes a graves crises econômicas.

Por algum tempo, também produziu bons frutos fiscais, ao reduzir fortemente a dívida líquida do setor público. À época, esse indicador era o principal a ser acompanhado pelos analistas econômicos. Mas acabou sendo substituído pela dívida bruta após o exagero de empréstimos do Tesouro ao BNDES, movimento que era neutro para a dívida líquida, mas não para a política fiscal como um todo.

Agora, em outro contexto e com o BC atuando intensamente no mercado à vista de câmbio, é natural que o tema do nível ideal de reservas volte à tona. Bem como o debate sobre até onde a autoridade monetária deve interferir no funcionamento do mercado.

É verdade que no ano passado ocorreram algumas atipicidades que justificariam uma postura mais ativa do BC. Como algumas fontes governamentais pontuam, a forte valorização dos ativos, tanto de renda fixa como de renda variável, geram movimentos naturais de realização de lucros e, consequentemente, saída de divisas.

Além disso, a queda na taxa de juros Selic praticamente neutralizou a outrora popular operação de carry trade, quando o investidor toma dinheiro no exterior e aplica no Brasil para se aproveitar do diferencial de juros. Sem esquecer da troca de perfil de dívida das empresas, que quitaram operações de crédito externo por interno. Assim, o governo entende que deve haver alguma acomodação desses fluxos de saída.

Seja como for, está colocada a discussão sobre até onde o BC deve ir no uso das reservas. Diferentes economistas ouvidos pelo Valor apontam que ainda haveria folga para novas reduções do volume total. Para o diretor do ASA Bank e ex-secretário do Tesouro, Carlos Kawall, o nível ótimo de reservas estaria entre US$ 250 bilhões e US$ 300 bilhões. Ou seja, se ele estiver correto, o país poderia se desfazer de ao menos US$ 50 bilhões, volume ainda maior do que o vendido no ano passado e que retiraria outros 1,5% da dívida bruta.

O problema, contudo, é que o número ideal de reservas está sujeito a uma série de juízos subjetivos. E é um fato concreto também que reservas altas desencorajam movimentos especulativos contra a moeda local, com todas as consequências negativas que isso pode trazer, como alta da inflação, diminuição do crescimento econômico e dificuldades de pagamento de dívidas no exterior. Além disso, precisa-se cuidar de que o regime de câmbio flutuante continue valendo, com o menor volume de interferência possível.

O BC parece ter aproveitado bem o espaço que tinha para atuar e agiu oportunamente. Mas a partir de agora, como notou fonte do governo ouvida pelo Valor, terá que ser ainda mais cuidadoso, pesando como sempre os custos e benefícios para o país.

Valor Econômico