Quem era o general iraniano assassinado pelos EUA

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Foto: Reprodução

Um ataque aéreo dos Estados Unidos ao aeroporto de Bagdá, no Iraque, matou no início desta sexta-feira o general iraniano Qasem Soleimani, um dos homens mais poderosos do país persa.

Soleimani, de 62 anos, liderou as operações militares iranianas no Oriente Médio como comandante da Força Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã.

Ele foi morto quando sua comitiva deixava o aeroporto de Bagdá, junto a integrantes de uma milícia iraquiana aliada do Irã, em um bombardeio ordenado pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

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O ataque aconteceu poucos dias após manifestantes invadirem a embaixada dos EUA em Bagdá, entrando em confronto com as forças americanas no local. E, de acordo com o Pentágono, Soleimani teria aprovado os ataques à embaixada.

Os manifestantes protestavam contra o bombardeio, no domingo passado, a bases do grupo Kataeb Hezbollah no Iraque e na Síria, em que pelo menos 25 pessoas morreram.

Os EUA afirmaram, por sua vez, que a ofensiva de domingo fora uma resposta a um ataque de míssil contra uma base militar no Iraque que matou um civil americano na sexta-feira passada.

O fato é que o assassinato do general representa uma escalada drástica nas tensões entre Washington e Teerã.

O líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, já afirmou que “uma vingança severa aguarda os criminosos” por trás do ataque. Ele também anunciou três dias de luto nacional.

O major-general Qasem Soleimani era visto como a segunda pessoa mais poderosa do Irã, depois do aiatolá Khamenei.

Carismático e muitas vezes evasivo, o comandante de cabelos grisalhos era reverenciado por alguns, odiado por outros, além de motivo de mitos e memes nas redes sociais.

Ele ganhou os holofotes nos últimos anos após uma vida inteira nas sombras, dirigindo operações secretas para alcançar fama e popularidade no Irã, se tornando objeto de documentários, reportagens e até músicas pop.

Soleimani era considerado próximo do líder supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei
De acordo com a correspondente da BBC Lyse Doucet, ele era visto como o mentor dos planos mais ambiciosos do Irã no Oriente Médio, e como o verdadeiro ministro das Relações Exteriores do país em questões de guerra e paz.

Desde 1998, Soleimani liderava a Força Quds — unidade de elite da Guarda Revolucionária do Irã, que administra operações clandestinas no exterior.

A influência da Força Quds pode ser observada nos conflitos na Síria, onde aconselhou as forças leais ao presidente Bashar al-Assad e armou milhares de milicianos xiitas muçulmanos lutando ao lado deles, e no Iraque, onde apoiou um grupo xiita paramilitar que ajudou a combater o Estado Islâmico.

Esses conflitos transformaram o outrora recluso general Soleimani em uma espécie de celebridade no Irã.

“Ele é considerado como principal arquiteto da guerra do presidente Bashar al-Assad na Síria, do conflito em curso no Iraque, da luta contra o Estado Islâmico e de muitas outras batalhas”, diz Doucet.

Acredita-se que Soleimani venha de uma família pobre e tenha recebido muito pouca educação formal.

Ele fez seu nome durante a Guerra Irã-Iraque (1980-1988), subindo rapidamente na hierarquia da Guarda Revolucionária do Irã, até assumir um posto de comando. E, segundo consta, se tornou próximo do líder Supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei.

Após se tornar chefe da Força Quds em 1998, Soleimani tentou ampliar a influência do Irã no Oriente Médio, realizando operações clandestinas, fornecendo armas para aliados e desenvolvendo redes de milícias leais ao Irã.

Ao longo de sua carreira, acredita-se que tenha ajudado grupos xiitas muçulmanos e curdos no Iraque a lutar contra o ex-ditador Saddam Hussein, assim como outros grupos da região — incluindo o Hezbollah, no Líbano, e a organização islâmica Hamas, nos territórios palestinos.

Depois que os EUA invadiram o Iraque em 2003, ele começou a orientar grupos militantes a realizar ataques contra tropas e bases americanas, provocando centenas de mortes.

Também teria sido Soleimani que encontrou uma estratégia para o presidente sírio, Bashar al-Assad, reagir à revolta armada que se instalou contra ele em 2011.

O apoio do Irã, juntamente com o reforço aéreo russo, ajudou a virar o jogo contra as forças rebeldes e a favor do governo sírio, permitindo a retomada das principais cidades e províncias.

Influência no combate ao Estado Islâmico no Iraque
A influência de Soleimani também foi fundamental na batalha contra o Estado Islâmico no Iraque.

O Irã ajudou a armar e treinar uma força paramilitar chamada Forças de Mobilização Popular, que contribuiu para derrotar o Estado Islâmico, mas que muitos iraquianos consideram uma forma de “colonização” iraniana.

Mas o alcance de Soleimani ia além do Oriente Médio.

Em 2011, a Força Quds foi acusada de estar envolvida em um plano para assassinar o embaixador saudita nos EUA, bombardeando um restaurante em Washington. E há dois anos, um tribunal na Alemanha condenou um agente da Força Quds por espionar o ex-chefe de um grupo alemão-israelense e pessoas próximas a ele.

Em abril de 2019, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, declarou a Guarda Revolucionária do Irã e a Força Quds como organizações terroristas estrangeiras.

O presidente Trump, que estava na Flórida no momento do ataque desta sexta-feira, publicou a imagem da bandeira americana no Twitter logo após que o bombardeio foi noticiado.

Um comunicado divulgado pelo Pentágono afirma que o general Soleimani “estava desenvolvendo ativamente planos para atacar diplomatas e militares americanos no Iraque e em toda a região”.

“Este ataque teve como objetivo impedir futuros planos de ataque iranianos”, acrescentou a nota.

Neste contexto, a morte de Soleimani representa um momento decisivo no que já é uma grave crise entre o Irã e os EUA e seus aliados.

“É esperada uma escalada (da tensão) e a retaliação parece certa, colocando uma região já volátil em uma rota ainda mais perigosa”, avalia Doucet.

O general Soleimani e integrantes das Forças de Mobilização Popular do Iraque, milícia apoiada pelo Irã, estavam deixando o aeroporto de Bagdá em dois carros quando foram atingidos por um ataque de drone dos EUA perto de uma área de cargas, segundo relatos da imprensa americana.

Comboio do general Soleimani foi alvo de ataque de drone quando deixava o aeroporto.
Vários mísseis teriam atingido o comboio, e acredita-se que pelo menos cinco pessoas tenham morrido no ataque.

A Guarda Revolucionária do Irã informou que o líder das Forças de Mobilização Popular do Iraque, Abu Mahdi al-Muhandis, está entre os mortos.

O Pentágono justificou, em comunicado, o ataque:

“Sob a ordem do presidente, os militares dos EUA tomaram medidas defensivas decisivas para proteger os americanos no exterior, matando Qasem Soleimani”, diz trecho da nota.

“Os Estados Unidos vão continuar a tomar todas as medidas necessárias para proteger nosso povo e nossos interesses onde quer que estejam ao redor do mundo”.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Javad Zarif, classificou o ataque como “ato de terrorismo internacional”, tuitando que os EUA “são responsáveis ​​por todas as consequências de seu aventureirismo desonesto”.

Mohsen Rezaei, ex-comandante da Guarda Revolucionária, afirmou que o Irã vai se “vingar vigorosamente dos EUA”.

Um porta-voz do governo iraniano anunciou que o principal órgão de segurança do país se reuniria em poucas horas para discutir o “ato criminoso do ataque”.

“O Irã e as outras nações livres da região vão se vingar desse crime horrível cometido pela América criminosa”, disse o presidente do Irã, Hasan Rouhani, em comunicado.

A morte de Soleimani “redobrou a determinação da nação do Irã e de outros países livres de resistir ao bullying americano”, acrescentou.

O primeiro-ministro do Iraque, Adel Abdul Mahdi, condenou o “assassinato” do general Soleimani como uma “escalada perigosa” das tensões regionais, enquanto a Rússia o considerou um “passo imprudente” dos EUA.

O grupo Hezbollah, apoiado pelo Irã, no Líbano, pediu vingança, por sua vez, à morte do general. E o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, interrompeu uma viagem à Grécia após a notícia do bombardeio.

A hashtag #WWIII, que faz referência a uma eventual Terceira Guerra Mundial, apareceu entre as mais citadas no Twitter em todo o mundo após o ataque.

Já em Washington, altos membros do Partido Republicano, do presidente Trump, receberam bem a notícia. O parlamentar Kevin McCarthy disse, por exemplo, que o ataque foi uma “demonstração de determinação e força”.

Mas os democratas foram críticos ao bombardeio. A presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi, afirmou que a medida arriscou “uma escalada perigosa” da tensão e sugeriu que o Congresso deveria ter sido consultado.

BBC