“Trump violou leis internacionais”, diz procurador de Nuremberg

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Foto: Reprodução

O único promotor vivo entre os que participaram dos tribunais de Nuremberg, que levaram nazistas à Justiça logo após o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945, acusou os Estados Unidos de violarem “claramente a lei nacional e internacional” ao assassinarem o general iraniano Qasem Soleimani, no dia 3 de janeiro.

Em carta aos editores do New York Times, Benjamin Ferencz, hoje com 99 anos, disse que a ordem do presidente Donald Trump para “eliminar” — sinônimo, segundo ele, de “assassinar” — Soleimani vai na contramão não só da Carta das Nações Unidas, mas também do Tribunal Penal Internacional (TPI) e da Corte Internacional de Justiça, principal órgão judicial das Nações Unidas.

“Como advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade Harvard que escreveu extensivamente sobre o assunto, vejo tal ação imoral como uma clara violação do direito nacional e internacional”, disse Ferencz. “Em um mundo cibernético, jovens por todo o mundo correm perigo mortal, a menos que mudemos os corações e mentes daqueles que parecem preferir guerra à lei.”

Soleimani foi assassinado por um ataque de drone enquanto seu comboio saía do aeroporto internacional de Bagdá, no Iraque. Figura poderosíssima no Irã, o general comandava as Forças Quds, unidade de elite da Guarda Revolucionária responsável pela articulação regional dos diversos grupos pró-Irã em países como Síria e Iraque. A retaliação de Teerã veio no dia 8 de janeiro, com um ataque contra bases militares que abrigavam soldados americanos no Iraque, não deixando vítimas.

A ação americana foi vista como desproporcional por boa parte da comunidade internacional, pois matar representantes militares de um Estado estrangeiro é uma prática sem incomum em tempos de paz — os EUA, por exemplo, haviam feito isso pela última vez em 1943, ainda durante a Segunda Guerra Mundial.

Ferencz foi promotor-chefe de um dos 12 tribunais americanos instalados entre 1946 e 1949 para julgar militares nazistas por crimes de guerra. Ele foi o responsável pelo processo contra os líderes dos esquadrões da morte da SS que operavam na linha de frente do regime de Adolf Hitler no Leste Europeu. Estima-se que os grupos tenham matado 2 milhões de pessoas, incluindo 1,3 milhão de judeus.

Todos os 22 homens acusados de crimes contra a Humanidade foram condenados — 13 deles, à morte.

Estes tribunais diferem-se dos históricos julgamentos de Nuremberg que ocorreram em 1945 e 1946 porque foram realizados por cortes militares americanas, em vez do Tribunal Militar Internacional. Isto ocorreu porque, com os primeiros passos da Guerra Fria, as diferenças entre os Aliados — EUA, Reino Unido, França e União Soviética — começaram a ser intransponíveis.

Após o fim do julgamento de Nuremberg, Ferencz publicou diversos livros sobre direito internacional e crimes de guerra e atuou como professor de Direito. Ele trabalhou para a constituição do Tribunal Penal Internacional, nos anos 1990, para julgar indivíduos acusados de crimes de guerra e contra a humanidade. Após a criação do TPI, em 2002, ele foi um dos maiores críticos da decisão do então presidente George W. Bush de não ratificá-lo.

Nascido na Romênia, Ferencz e sua família imigraram para os Estados Unidos em 1921, fugindo da perseguição de judeus húngaros naquele país. Já formado em Direito, ele serviu no Exército americano na Segunda Guerra Mundial, onde fez parte da equipe responsável por criar uma unidade para recolher provas de crimes do regime nazista.

O Globo